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sexta-feira, 16 de agosto de 2013

'FLORES RARAS': HISTÓRIA DE AMOR ENTRE MULHERES NOS 50 GANHA SUTILEZA NA BRILHANTE DIREÇÃO DE BRUNO BARRETO E NAS INTERPRETAÇÕES FASCINANTES DE MIRANDA OTTO E GLÓRIA PIRES


Dezoito anos atrás, a produtora Lucy Barreto comprou os direitos do livro de Carmen Lucia Oliveira - 'Flores Raras e Banalíssimas – A História de Lota de M. Soares e Elizabeth Bishop' - e seu filho, o cineasta Bruno Barreto, não se interessou em levar a trama para as telonas.

O projeto foi então oferecido por Lucy a Hector Babenco, que também recusou.

Somente após uma década é que Bruno, motivado ao ver a ex-mulher, Amy Irving, interpretar um texto sobre Bishop,  começasse a ver o projeto com outros olhos e, acertadamente, levar às telonas um dos melhores filmes de sua carreira, disparado.

'Flores Raras' - que estreia hoje em 89 salas em todo o Brasil - tem direção de arte refinada, refletido na decoração dos ambientes, no figurino muito bem pensado e na reconstrução dos hábitos da elite carioca dos anos 50 e 60.

A atriz australiana Miranda Otto interpreta a poetisa americana Elizabeth Bishop no longa: fotos dessa postagem : Divulgação/Imagem Filmes

Os roteirista Matthew Chapman e Julie Sayres desenvolveram um arco dramático muito firme para a trama, que aborda principalmente a história de amor entre a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares (Glória Pires), idealizadora do Parque do Flamengo, e a poetisa americana Elizabeth Bishop (Miranda Otto), considerada nos meios literários uma das mais importantes do século 20, ganhadora do Pulitzer e que escreveu, entre outros, poemas maravilhosos como esse, que eu simplesmente adoro:

'One Art'

The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

-Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.

Tradução:

“A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério por muito que pareça (Escreve!) muito sério. “

O longa começa nos Estados Unidos, com Bishop conversando num banco do Central Park novaiorquino com o amigo e escritor Robert Lowell (Treat Williams), que a aconselha uma mudança de ares.

Quando ela diz que está cansada e que vai viajar, o amigo, rápido dispara: 
"Ah, a cura geográfica!"

Assim, em 1951 a poetisa, homossexual e alcoólatra, chega ao Brasil onde é convidada pela amiga Mary Morse (Tracy Middendorff) a ficar hospedada na exuberante propriedade que compartilha com a namorada, Lota.

A estada era para durar uma semana, mas por causa de uma intoxicação alimentar provocada pelo cajú (!), Bishop é convencida a ficar mais uns dias, que se transformam em anos quando ela e Lota se apaixonam, formando, a partir daí, um triângulo amoroso com Mary.

Mary Morse (Tracy Middendorff), Elizabeth (Miranda Otto) e Lota (Glória Pires: triângulo amoroso gay no Rio dos anos 50

Conflito exposto, o tripé roteiro-atuação-direção se sai muito bem ao desenvolver o romance e a tensão paralela construída por um dos vértices do triângulo amoroso, Mary, preterida por Lota, que, pretendendo que ela não parta, sugere a adoção de uma criança.

"Você quer comprar um bebê para que você possa ter um caso?" pergunta Mary em dado momento - já sabendo a resposta.

Ela fica, Lota adota o bebê, constrói na propriedade um escritório para que Bishop possa escrever sua poesia e até seu desfecho, é a relação dessas mulheres, captada com sutileza por Barreto, que conduz o filme.

Gloria Pires e Miranda Otto, em cena do filme

O trio de atrizes é impecável - como poucas vezes visto no cinema recente - com destaque para a australiana Miranda Otto, que é muito conhecida do público brasileiro por sua participação na trilogia 'O Senhor dos Anéis'.

Miranda é uma atriz sensacional, que consegue dar a devida dimensão à complexidade interior de Elizabeth Bishop, sem apelos e com absoluta verdade.

Glória Pires deve causar estranheza aos seus inúmeros fãs, acostumados com as mocinhas e vilãs que ela faz tão bem na TV.

Afinal, Lota é masculinizada, vibrante e cheia de energia, mas deixa aflorar sentimentos, e mesmo candura, de forma tênue, discreta num trabalho elogiável, ainda mais porque a atriz teve de interpretar em inglês, língua predominante no filme - e se saiu muito bem.

Glória Pires interpreta uma masculinizada Lota

O longa só perde uma pouco de sua boa dinâmica no final, assumindo um tom episódico muito comum a cinebiografias.

O epílogo, por sua vez, merecia um cuidado maior, tendo em vista o desenvolvimento muito bem feito da relação das protagonistas ao longo do filme.

Nada disso, no entanto, chega a prejudicar essa linda e comovente história de amor.

Elizabeth & Lota: Amor com 'A' maiúsculo

E nem preciso dizer que eu, que acabei um casamento recentemente, chorei copiosamente da primeira à última cena, né?

Tanto, que precisei assistir novamente para escrever essa postagem.

Filmaço.

Confira o trailer do filme:

*****
'FLORES RARAS'
Gênero:
Drama
Direção:
Bruno Barreto
Roteiro:
Carolina Kotscho, Matthew Chapman
Elenco:
Glória Pires, Lola Kirke, Marcelo Airoldi, Marcio Ehrlich, Miranda Otto, Sophia Pavonetti, Tracy Middendorf, Treat Williams
Produção:
Lucy Barreto, Paula Barreto
Fotografia:
Mauro Pinheiro
Trilha Sonora:
Marcelo Zarvos
Duração:
116 min.
Ano: 2012
País:
Brasil
Cor:
Colorido
Estreia no Brasil:
16/08/2013
Distribuidora:
Imagem Filmes
Estúdio:
Globo Filmes / GLOBOSAT / LC Barreto/ Filmes do Equador
Classificação:
14 anos
Cotação do Klau:

sábado, 16 de fevereiro de 2013

BERLIM 2013: OS GANHADORES, OS BRASILEIROS E RIVER PHOENIX


O 63º Festival de Berlim,  que aconteceu de 7 a 17 de fevereiro, teve o desfile de astros de sempre - Anne Hathaway e Hugh Jackman foram até à capital alemã apresentar 'Os Miseráveis', por exemplo - contou mais uma vez com a sentida ausência do cineasta iraniano Jafar Panahi - que continua preso pela ditadura do seu país -  teve uma profusão de filmes com mulheres como protagonistas absolutas - como o novo longa do brasileiro Bruno Barreto - e algumas preciosidades - como "Dark Blood", filme inacabado do astro americano River Phoenix. 

Nessa postagem, você vai ficar sabendo de tudo isso, bem como dos vencedores dos Ursos de Prata e de Ouro,  entregues na noite desse sábado (16).

Confira:

A disputa entre o romeno "Child's Pose" e o chileno "Gloria" pelo Urso de Ouro do 63º Festival de Cinema de Berlim terminou melhor para o primeiro.

O drama do diretor Calin Peter Netzer levou o prêmio máximo do evento alemão, cuja premiação aconteceu na tarde deste sábado (16), enquanto o segundo confirmou o favoritismo de sua protagonista, Paulina García, vencedora do Urso de Prata de melhor atriz.

Diretor romeno Calin Peter Netzer beija o Urso de Ouro, recebido pelo filme "Child's Pose", neste sábado (16) foto: Johannes Eisele/AFP
No entanto, o júri liderado pelo diretor chinês Wong Kar Wai preferiu diversificar suas escolhas e surpreendeu ao conceder o Urso de Prata de direção para o americano David Gordon Green, por "Prince Avalanche", e não teve nenhuma saída para premiar o melhor ator: o catador de sucatas Nazif Mujic, que interpreta ele mesmo no semidocumentário "An Episode in the Life of an Iron Picker", do bósnio Danis Tanovic - que também levou o Grande Prêmio do Júri, o que equivale ao segundo lugar da Berlinale.

O filme do Cazaquistão, "Harmony Lessons", que chegou a ser considerado forte candidato ao Urso de Ouro, precisou se contentar com um Urso de Prata por seu trabalho de câmera.

Já o iraniano "Pardé" ganhou o Urso de roteiro para manter o clima social da Berlinale, já que foi escrito por Jafar Panahi, em prisão domiciliar no Irã.

"Gloria", filme do chileno Sebastián Lelio - história de uma mulher de 58 anos, divorciada, que decide não ficar sozinha, saindo para dançar em busca de um novo amor - ganhou dois prêmios concedidos por júris independentes.

O filme de Lelio foi premiado pelo júri ecumênico e pela Associação de Cinemas de Arte e Cinema Experimental da Alemanha.

O diretor Sebastián Lelio na Berlinale 2013 - foto: AFP
Lelio expressou não apenas sua satisfação por estas duas distinções, mas também pela grande acolhida de crítica e de vendas que seu filme experimentou na Berlinale.
"Nunca imaginamos que íamos chegar até aqui. Estamos muito felizes. O filme teve muitas críticas favoráveis e foi vendido para todos os países do mundo. É mais do que esperávamos", declarou o jovem cineasta.

A Berlinale 2013 também assistiu á exibição do último trabalho de River Phoenix, um dos maiores atores americanos da sua geração e morto precocemente.

A história das filmagens de "Dark Blood", filme exibido na seleção principal do Festival - é muito mais interessante do que a obra em si.

Em 30 de outubro de 1993, Phoenix tinha acabado de rodar algumas cenas em estúdio com o diretor francês George Sluizer ("O Silêncio do Lago"), em Los Angeles - era o primeiro dia de filmagens na cidade após sete semanas no deserto de Utah.

Poucas horas depois, Sluizer recebeu um telefonema, onde diziam que seu protagonista, de apenas 23 anos, havia sofrido uma overdose de cocaína e heroína durante a madrugada na frente do Viper Room, casa noturna de Johnny Depp  e que servia de ponto de encontro dos jovens famosos em Hollywood.

Apesar de faltar só 11 dias para o encerramento dos trabalhos, o cineasta tinha reservado várias tomadas com close-ups de Phoenix.

Chegando à conclusão de que não haveria nenhuma possibilidade de salvar o filme, os produtores e Sluizer decidiram engavetar o projeto e receber o seguro - neste caso, a empresa seguradora ficou de posse da película e a guardou em um depósito na Inglaterra.

Em 1999, o cineasta soube que a companhia iria destruir os negativos, pois não queria mais arcar com as despesas do armazenamento.
"Eu estava morando em Amsterdã e descobri que queimariam o filme em dois dias", revela o diretor após a sessão do filme em Berlim.

"Precisei ser rápido e, apesar de não poder entrar em detalhes, eu roubei o negativo das mãos deles."

River Phoenix, em cena de "Dark Blood" - foto: The Hollywood Reporter
Mesmo assim, Sluizer não planejava completar o longa, só que, após um aneurisma quase matá-lo, em 2007, mudou de ideia.

"Fui desenganado pelos médicos. Era para eu estar morto, então disse que queria deixar 'Dark Blood' completo antes de morrer", confessa.

Quando o projeto ganhou sinal verde com fundos do governo holandês, recursos da própria produtora de Sluizer e dinheiro arrecadado no site de crowdfunding (financiamento coletivo) CineCrowd, o diretor decidiu substituir o vácuo das sequências de Phoenix com uma narração em off.

Houve um rumor de que Joaquin Phoenix, irmão de River, faria esse complemento, mas tanto o ator quanto o cineasta negam.

"Eu ouvi falar no projeto, mas não tenho nada a ver com isso", disse Joaquin, durante o Festival de Veneza em setembro passado.

"A posição da mãe de River é desejar boa sorte ao filme, mas não há envolvimento da família", explica o francês.

Por causa de questões legais com a posse dos direitos de distribuição, "Dark Blood" não pode ser lançado de forma comercial.
"Não há um acordo hoje. Essa companhia de seguros possui um filme entre suas ações, prédios e hotéis. Mas eles não se importam com cultura", reclama.

"Eles não vão liberar por menos de US$ 500 milhões."

Já o cinema brasileiro recebeu na sexta (15) o prêmio da Federação Internacional da Crítica (Fipresci), na categoria Fórum e também o Caligari, que distingue a inovação no âmbito cinematográfico - a revista "Film Dienst" concede este último.

"Hélio Oiticica", documentário dirigido por Cesar Oiticica Filho, sobrinho de Hélio Oiticica (1937-1980) é inteiramente consagrado ao artista brasileiro, um dos mais importantes do século 20 e fundador do movimento cultural chamado Tropicalismo.

O Brasil também esteve presente com o novo trabalho de Bruno Barreto que, depois de uma década produzindo comédias ("Voando Alto", "O Casamento de Romeu e Julieta") e denúncias disfarçadas de drama ("Caixa Dois" e "Última Parada 174"), voltou a realizar um bom romance para o cinema com "Você Nunca Disse Eu Te Amo", que teve première mundial no 63º Festival de Berlim.

Miranda Otto (à esq.) e Gloria Pires, em cena "Você Nunca Disse Eu Te Amo" - foto: divulgação
A história de amor visceral entre a poeta americana Elizabeth Bishop (Miranda Otto) e a arquiteta e paisagista brasileira Lota de Macedo Soares (Gloria Pires) no Rio dos anos 1950 e 1960 foi recebida com aplausos na mostra Panorama (e com risos, por causa do excesso de patrocínios estampados na abertura).

Confira os premiados no 63º Festival de Berlim:

Urso de ouro de melhor filme: "Child's Pose", do romeno Calin Peter Netzer

Urso de prata - grande prêmio do júri: "An Episode in the Life of an Iron Picker", do bósnio Danis Tanovic

Urso de prata de melhor diretor: o americano David Gordon Green, por "Prince Avalanche"

Urso de prata de melhor atriz: a chilena Paulina García, por "Gloria", do compatriota Sebastián Lelio

Urso de prata de melhor ator: o bósnio Nazif Mujic, por "An Episode in the Life of an Iron Picker"

Urso de prata de contribuição artística: o cazaque Aziz Zhambakiyev, pela fotografia de "Harmony Lessons"

Urso de prata de melhor roteiro: o iraniano Jafar Panahi, por "Pardé"

Prêmio Alfred Bauer, em memória do fundador do festival, para um filme que abre novas perspectivas: "Vic + Flo Ont Vu un Ours", do canadense Denis Côté

Menções especiais: "Promised Land", do americano Gus Van Sant, e "Layla Fourie", da sul-africana Pia Marais

Prêmio de melhor obra-prima: "The Rocket", do australiano Kim Mordaunt

Menção especial: "The Battle of Tabatô", do português João Viana

Urso de ouro de melhor curta: "La Fugue", do francês Jean-Bernard Marlin

Urso de prata de melhor curta: "Die Ruhe Bleibt", do alemão Stefan Kriekhaus

Urso de ouro honorífico: o francês Claude Lanzmann.