Eddy Sweeney, um oficial de inteligência, e Jonathan Mills, um técnico em transmissões de radiofrequência, estavam servindo em bases da Força Aérea dos Estados Unidos na Alemanha quando tiveram a ideia de lançar uma publicação dirigida aos colegas de serviço que são homossexuais.
Aquilo que começou como uma conversa entre dois soldados norte-americanos servindo no exterior transformou-se em uma revista sobre a vida dos LGBT nas forças armadas e que chegou às bancas de jornais pela primeira vez ontem (20), em um momento calculado para coincidir com a abolição da política “Don't Ask, Don't Tell/Não Pergunte, Não Diga” - lei hipócrita, aprovada no governo Clinton e que permitia que LGBTs fossem membros das forças armadas americanas, desde que ninguém soubesse.
Ontem foi também o dia no qual os nomes completos deles tornaram-se públicos pela primeira vez.
“A OutServe Magazine tem a sua origem na Alemanha”, disse Sweeney à revista Spiegel Online, explicando como uma rede clandestina de informações para as tropas LGBT expandiu-se para incluir uma revista que contém contribuições de todo o mundo.
Embora Sweeney tenha dito que há muito desejava o fim da política “Don't Ask, Don't Tell”, algo que ele classifica como “surrealista”, ele afirmou que foi a exigência de manter a sua homossexualidade em sigilo que levou à sua amizade com Mills.
"Quando estamos estacionados no exterior, há menos norte-americanos, de forma que não temos a oportunidade de fazer muitas amizades fora da comunidade militar”, disse Sweeney.
“E, quando conhecemos alguém nas forças armadas que é gay e que está também estacionado no exterior, criamos uma espécie de sociedade secreta”.
Os dois se conheceram quando Mills e o o seu então namorado saíram para tomar uns drinques com amigos em Kaiserslautern, na Alemanha, onde se encontra a maior comunidade militar norte-americana no exterior.
Mills, que servia na Base Aérea de Spangdahlem, e Sweeney, que estava estacionado na Base Aérea de Ramstein, começaram a perceber algo no grupo privado do Facebook para a OutServe, uma organização para militares LGBT que servem na ativa, criada em julho de 2010.
Muitos militares gays não conheciam os seus direitos nem entendiam os últimos fatos relativos ao repúdio à politica DADT.
Para fazer frente a essas percepções equivocadas e trazer histórias pessoais para as discussões sobre as políticas para esta área, Mills e Sweeney discutiram a ideia de criar um jornal bimestral, mas finalmente decidiram-se por uma revista, de forma que tivessem espaço para exibir mais conteúdo.
Eles aliaram-se a Josh Seefried e Ty Walrod, cofundadores da OutServe, para executar o projeto e, em março de 2011, a OutServe Magazine lançou a sua primeira edição de 18 páginas, disponível na Internet.
“O projeto deslanchou”, disse Sweeney, e Mills acrescentou que tanto empresas em busca de publicidade quanto leitores mostraram-se ansiosos por outros números.
Divulgação
A capa do número da "Outserve Magazine", que chegou ontem às bancas do mundo todo
O segundo número, lançado em junho, e pela primeira vez em edição impressa, teve como título “The Identity Issue/A Questão da Identidade", e trouxe artigos como“Um Comandante de Companhia de Fuzileiros Navais Resolve Falar com Sinceridade” e “Vigília do Banimento da DADT”.
Publicações anteriores limitavam os nomes da maioria dos membros da diretoria às iniciais, - o editor executivo era identificado como “J.M.” e o Editor Administrativo, “E.S” - mas com o fim da DADT ontem, os editores finalmente puderam revelar os seus nomes completos.
“Tem sido difícil tentar coordenar todos os níveis de produção”, disse Mills.
“Existe muita gente que nós tentamos alcançar, e é difícil fazer isso se nós não pudermos ser honestos em relação a quem somos”.
Desde o seu lançamento, a rede OutServe cresceu, e passou a contar com 4.000 militares gays da ativa como membros espalhados por 40 representações, incluindo uma na Alemanha, uma na Academia de Serviço e uma outra para soldados que servem no Afeganistão e no Iraque.
A editoria e o corpo de funcionários da revista expandiram-se e passaram a incluir um diretor de design, chefes de distribuição e publicidade e o aclamado escritor Nathaniel Frank - autor do livro "Unfriendly Fire: How the Gay Ban Undermines the Military and Weakens America/Fogo Não Amigo: Como a Proibição de Gays Prejudica as Forças Armadas e Enfraquece os Estados Unidos”.
Junto com o fim do anonimato editorial há uma maior presença pública para a publicação.
Desde ontem (20), o Serviço de Correios do Exército e da Força Aérea dos Estados Unidos entregará a OutServe Magazine em bases selecionadas junto com outras publicações militares.
Esse é um passo enorme à frente, não só para as forças armadas, mas também no que se refere a alcançar potenciais leitores.
“Anteriormente, nós estávamos à mercê de comandantes de unidades que diziam 'nós apoiamos isso' e que afirmavam que encomendariam edições da revista”, disse Mills.
“Mas o fato de contarmos com a revista nas bancas das bases permite que as pessoas que não servem nessas unidades ou que podem não conhecer a publicação a vejam”.
A OutServe Magazine acrescentará uma nova voz às bancas das bases que há muito oferecem publicações como a Airman Magazine e a Military Spouse Magazine.
“Uma das coisas que percebemos foi que muitas dessas revistas traziam temas e assuntos que tinham como alvo um público heterossexual. Por exemplo, elas trazem conselhos para famílias e dizem o que se deve fazer quando um cônjuge é mandado para uma missão”, explicou Sweeney.
“Nós queríamos proporcionar um canal para que os nossos militares LGBT e os seus congêneres heterossexuais escrevessem coisas que interessassem à nossas comunidade e falassem sobre as questões sobre as quais nós nos preocupamos”.
Na “Edição de Repúdio à DADT”, membros da ativa das forças armadas dos Estados Unidos estacionados em bases em todo o mundo “saíram oficialmente do armário” em um artigo chamado “As 101 Faces da Coragem” , que incluiu fotos sorridentes do sargento Jonathan Mills e do capitão Edward Sweeney.
“Após séculos servindo nas sombras, nós estamos dando um passo à frente e manifestando publicamente a nossa lealdade ao país e o nosso compromisso para com os nossos valores de integridade, transparência e igualdade para todos”, diz o website da OutServe Magazine, acrescentando que a nova edição traz “fotografias, biografias e relatos sobre as tarefas e missões de homens e mulheres LGBT aos quais a nação finalmente concedeu uma voz”.
“Quando a 'Don't Ask, Don't Tell' estiver oficialmente extinta, ainda haverá muita hesitação entre os membros do serviço na hora de serem honestos em relação àquilo que eles são e de dizerem algo”, disse Mills, referindo-se à decisão de publicar na próxima edição uma matéria na qual soldados falam abertamente pela primeira vez sobre a sua sexualidade.
“Portanto, nós desejávamos, primeiro, dizer aos norte-americanos, 'vocês elegeram membros do congresso que criaram legislações referentes à nossa liberdade, e aqui estão as nossas faces, graças a vocês', e, segundo, encorajar outros membros LGBT das forças armadas a se revelarem e serem honestos, e fazer com que eles saibam que não estão sozinhos”.
Embora a OutServe Magazine seja financiada e administrada independentemente, Sweeney diz que tem havido coordenação e apoio de canais oficiais, incluindo dentro do Departamento de Defesa.
“Nós temos trabalhado em conjunto com a equipe de repúdio à política DADT, e temos procurado trabalhar em sintonia com o Pentágono”, disse ele.
“Eles tem nos dado muito apoio e feedback, mas cabe a nós tomar decisões quanto ao conteúdo da revista”.
A publicação foi exibida em dez “locais estratégicos” ontem - principalmente em pontos de partida para missões - e exemplares da revista também estarão disponíveis no Pentágono.
Mas Sweeney espera que a circulação aumente no exterior.
“O fato de um indivíduo estar no exterior promove um ambiente no qual ele se torna muito mais apegado aos seus colegas, e essas questões inevitavelmente vêm à tona, como por exemplo 'o que você fez no fim de semana?'”, disse Sweeney.
“Realmente fica muito difícil ser homossexual nas forças armadas”.
Mills disse que fazer com que a revista chegue a bases no exterior tem sido um desafio devido aos custos e ao processo de aprovação.
Ele acrescentou que “muita coisa não pôde ser feita” porque eles tinham que permanecer no anonimato.
Mas ambos os editores disseram que uma grande prioridade seria expandir a distribuição para bases no exterior, e particularmente na Alemanha, país onde eles encontraram pela primeira vez uma voz para aqueles que, até ontem, estavam silenciados pela política “Don't Ask, Don't Tell”.
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Matéria Base:
Catherine Cheney - revista Der Spiegel e site da revista OutServe Magazine
Tradução:
Cláudio Nóvoa
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