Um filme sobre a luta sangrenta pela independência da Argélia foi exibido hoje - onde foi bem recebido - com forte aparato policial, enquanto manifestantes do lado de fora protestavam, gritando que o filme macula a memória do Exército francês.
"Hors la Loi" (Fora da Lei), pela equipe responsável pelo premiado "Dias de Glória" (2006), completa a seleção oficial e acrescenta um elemento de controvérsia ao maior festival de cinema do mundo.
Quase cinco décadas após a independência da Argélia - em 1962 - o diretor Rachid Bouchareb trata de uma questão que ainda é altamente delicada na França, mas disse que sua intenção é provocar discussões, e não confrontos.
O diretor Rachid Bouchareb chega para a exibição do seu filme
"Eu sabia que o passado colonial e a relação com o passado colonial entre França e Argélia ainda é muito tensa, mas acho que as reações e tudo o que vem sendo dito, antes mesmo de alguém assistir ao filme, têm sido excessivas."
Como se para destacar o que ele disse, policiais de choque se postaram diante do Palácio dos Festivais, enquanto centenas de manifestantes portando bandeiras, entre eles veteranos militares e partidários da Frente Nacional, de extrema direita, passaram em passeata pela prefeitura de Cannes.
"Queremos deixar claro com nossa manifestação que é intolerável que dinheiro público francês seja usado para macular o Exército francês e as ações da França na Argélia", disse o ex-senador francês e veterano de guerra Jacques Peyrat.
Milhares de pessoas morreram na brutal guerra de independência da Argélia, um conflito que deixou feridas profundas ainda abertas na Argélia e na França.
Mas Bouchareb disse que espera que o país ajude a fomentar um debate aberto e que "depois disso precisamos passar para outra coisa".
"Não há razão pela qual gerações posteriores tenham que herdar o passado desta maneira."
"Hors la Loi" trata de um tema que decorre de "Dias de Glória", do mesmo diretor, que contou a história de soldados do norte da África que combateram pela França na 2a Guerra Mundial.
O filme foca três irmãos - papéis dos atores Jamel Debbouze, Roschdy Zem e Sami Bouajila - três dos quatro atores de "Dias de Glória" ,que receberam um prêmio coletivo de melhores atores em Cannes - 2006.
A trama começa em 1925, quando uma família argelina é expulsa de suas terras ancestrais depois de as terras serem dadas a um colono europeu, e passa por um incidente notório ocorrido em 1945 - quando tropas francesas abriram fogo contra manifestantes pró-independência, desencadeando uma explosão de violência na qual foram mortos milhares de argelinos e cerca de 100 europeus.
A parte principal da história acontece na França, para onde a família se muda, indo viver em uma favela nos arredores de Paris, e mostra a brutalidade da polícia francesa e também a violência fria do movimento pró-independência argelina FLN.
Mas os criadores do filme negam que "Hors la Loi" seja antifrancês e disseram que não acreditam que a maioria dos franceses o enxergará assim.
"A França é um grande país, e este filme vai contribuir para a memória histórica", disse Tarak bem Ammar, um dos co-produtores.
Para mim, essa é uma das maiores propostas que o Cinema pode fazer; colocar o dedo nas feridas abertas, e com isso discutir e resolver esses tabus i glórios, guerras principalmente.
Esse eu também quero ver!
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"Lung Boonmee Raluek Chat", da Tailândia, é aplaudido de pé
Outro filme exibido hoje foi o tailandês "Lung Boonmee Raluek Chat".
O filme foi aplaudido de pé, mas a história ficou de lado na entrevista coletiva em que o diretor contou as dificuldades que sofreu para chegar ao festival - como Bangcoc estava sob toque de recolher, sair do país era praticamente impossível.
Weerasethakul passou pela embaixada da França, da Espanha e da Itália até conseguir embarcar para o festival, em meio aos tiroteios e barricadas do exército que tomavam o centro da cidade.
O filme fala, de uma forma pausada e tranqüila, sobre uma Tailândia em que as pessoas ainda acreditam em fantasmas e a pressa não existe.
"Lung Boonmee Raluek Chat" ("O tio Boonmee lembra suas vidas passadas") é um filme difícil de classificar, em que os silêncios contam tanto ou mais que os diálogos.
É a história das lembranças do tio Boonmee através dos espíritos das pessoas que fazem parte de seu passado ou de suas vidas anteriores.
"Para os tailandeses, especialmente os criados no noroeste, é normal a influência da crença animista, a transmigração das almas. Para nós os animais e as plantas têm espírito, sempre foi assim", contou o diretor de forma natural.
Um filme pouco comercial, mas poético e com um cinema baseado na ilusão, como assinalou o diretor.
A ver.
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