terça-feira, 18 de maio de 2010

CANNES: FESTIVAL CHEGA NA METADE, SEM FAVORITO

Depois de seis dias de exibição dos filmes que participam da competição pela Palma de Ouro, os críticos presentes em Cannes já podem dizer que a seleção não deu preferência a um ou outro gênero, já que até agora viu-se de tudo.

Passaram pela riviera francesa, desde uma parodia radical do gênero novelesco - feita pelo coreano Im Sangsoo, em "The Housemaid" - até "La Princesse de Montpensier" - um filme de época dirigido com mão pesada por Bertrand Tavernier - que, apesar de francês, está longe de ser um habitué de Cannes.

Tudo que o filme de Tavernier tem de óbvio, a começar pelo redundante figurino e pelas previsíveis cenas de batalha à la século 16, "The Housemaid", com sua mocinha e suas vilãs, tem de imprevisível e absurdo.
Nenhum dos dois deve chegar ao final do festival com grandes honras.

Até agora, os dois mais marcantes filmes exibidos em competição foram "Another Year", de Mike Leigh, e "Biutiful", de Alejandro González Iñárritu.

O cineasta britânico, que já trouxe a Cannes "Naked" (1993), "Segredos e Mentiras" (1996) - vencedor da Palma de Ouro - , e "Tudo ou Nada" (2001), voltou agora em sua melhor forma.

Na revista "Le Film Francais", que circula durante o festival com a avaliação dos principais críticos do pais, foi o que mais estrelas e palmas (a classificação máxima) recebeu, e realmente Leigh fez por merecer com uma incrível comédia sobre a amargura.

Já Iñárritu - premiado em Cannes com "Amores Brutos" (2000) e "Babel" (2006), deixou as respirações presas, e os quatro anos em que nada fez, e o fim da parceria com o roteirista Guilhermo Arriaga não mudaram em nada o olhar do diretor para o mundo.
A pobreza, a dor física, as separações forçadas e as imagens construídas com o propósito de incomodar - marcas do diretor - estão todas de volta em "Biutiful".

Os chineses que trabalham de maneira clandestina na Espanha e uma família esfacelada pelo alcoolismo e pela doença são o ponto de partida da narrativa. O ator espanhol Javier Bardem, que faz o personagem central, ganhou aqui mais um grande papel.


Outras obras pouco marcantes já desfilaram pelo Palácio dos Festivais, como, "Um Homme qui Crie" - do realizador Mahamat-Saleh Haroun, do Chade -, e "Outrage" - do japonês Takeshi Kitano, que voltou a Cannes com outro filme sobre a Yakuza - ele que já fez grandes obras com o tema, mas agora parece que perdeu a mão.


Até agora, duas grandes atuações foram registradas, de Juliette Binoche e Javier Bardem.

Bardem é, de acordo com todos, o principal e quase único candidato ao prêmio de melhor ator.
Sua interpretação de um pai desesperado recebeu aplausos em Cannes, onde o público recebeu calorosamente o filme de Iñárritu, diante da frieza da crítica.

Para o prêmio de melhor atriz, a grande favorita é a francesa Julliette Binoche.
Sua atuação em "Copie conforme" - o filme apresentado na competição pelo iraniano Kiarostami -, também foi muito elogiada.
Uma história de amor sob o sol da Toscana na qual Binoche é a protagonista absoluta, e sobre a qual recai todo o peso de uma história clássica.

Entrando hoje no seu sétimo dia, e com 10 dos 19 filmes da seção oficial exibidos, ainda não há favorito.

Dos grandes nomes reunidos pelo Festival, os trabalhos concorrentes são obras que não apresentam novidades, e algumas boas surpresas apareceram nas seções paralelas.

Fora da competição, o destaque foi "Abel" - a estreia do ator mexicano Diego Luna - que encantou pela delicadeza da história e do protagonista, um menino de nove anos que assume o papel de pai da família durante a emigração para os Estados Unidos.

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E hoje?

O assassinato de monges católicos na Argélia em 1996, que inspirou o filme francês "Des hommes et des dieux" ("De Homens e Deuses"), emocionou a platéia hoje , que desde quarta - dia da abertura - já viu muita violência e cenas de guerra.

O filme de Xavier Beauvois, que disputa a Palma de Ouro, é livremente inspirado nos últimos meses de vida dos monges cistercienses de um mosteiro de Atlas, região de montanhas da Argélia.

Com uma grande economia de recursos, em harmonia com a vida em um convento, o filme recria o clima de angústia que aos poucos tomou conta dos monges, em meio a uma espiral de violência entre muçulmanos radicais e o Exército argelino.

Ao retratar as orações das manhãs, o atendimento que prestavam aos muçulmanos que moravam perto do mosteiro e mostrar cenas de quando ouviam os salmos, o filme passa os medos, dúvidas entre ir ou ficar, diante da iminência da tragédia, nunca esclarecida.

Com um ótimo elenco, com destaques para Lambert Wilson e Michael Lonsdale, o filme evita possíveis erros e cria empatia com o público, com os personagens que aparecem, em um tempo de dogmatismo, próximos de duas tradições religiosas.

"É pouco comum nos tempos atuais, onde o egoísmo impera, que existam pessoas com compaixão e que se ocupam dos demais, que respeitam a religião", declarou o diretor na entrevista coletiva antes da exibição de gala do filme.

Este não é o primeiro longa-metragem exibido em Cannes que retrata uma guerra sangrenta motivada por divergências religiosas. "La princesse de Montpensier", de Bertrand Tavernier, também usa a ideia, mas com menos sucesso.

A guerra civil também está presente em "Un homme que crie", do cineasta do Chade Mahamat-Saleh Haroun, que retrata as vítimas do conflito por meio de uma história familiar.

O programa do maior festival de cinema mundial inclui ainda um longa-metragem do britânico Ken Loach, "Route Irish", sobre a guerra do Iraque, que disputa a Palma de Ouro.

O título do filme, que será exibido na quinta-feira, faz referência ao caminho cheio de perigos que liga a zona internacional de Bagdá, a "Zona Verde", ao aeroporto da capital iraquiana.

Loach recebeu em 2006 a Palma de Ouro por "Ventos da Liberdade", sobre a guerra da independência da Irlanda.

A guerra do Afeganistão também foi retratada em Cannes, no documentário "Armadillo", do dinamarquês Janus Metz, cujo modo surpreendente de filmar os soldados no campo de batalha, no sul do país asiático, faz acreditar que se trata de um filme de ficção.

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