Quase meio século depois de participar em "Cinco Vezes Favela" - um marco no cinema novo brasileiro - o diretor Cacá Diegues apresentou ontem "5 x Favela, Agora por Nós Mesmos", reunião de cinco curtas realizados por jovens cineastas que vivem em comunidades carentes cariocas.
Em 1962, um grupo de cineastas - Miguel Borges, Joaquim Pedro de Andrade, Cacá Diegues, Marcos Farias e Leon Hirszman - realizaram essa incursão coletiva nas favelas e o conjunto de cinco curta-metragens causou sensação.
Foto: Arquivo do Klau
O diretor Cacá Diegues
Diegues coordenou agora o trabalho criativo de jovens cineastas das favelas, e deu a oportunidade de darem sua própria visão das comunidades, que conhecem tão bem.
"5 x Favela, Agora por Nós Mesmos", apresentado fora da competição oficial, também é composto por cinco curtas autônomos de cerca de 20 minutos cada um.
"Fonte de Renda", de Manaíra Carnero e Wagner Novais, é a história de um jovem estudante de direito decidido a terminar sua graduação apesar das tentações para conseguir dinheiro fácil para custear seus estudos.
Tragicomédia com final feliz, "Arroz com Feijão", de Rodrigo Felha e Cacau Amaral, tem como protagonistas dois meninos que tentam ganhar dinheiro para que o pai consiga comer frango em vez do arroz com feijão que consome todos os dias.
Em "Concerto para Violino", de Luciano Vidigal, sem dúvida o mais duro dos cinco curtas, três amigos de infância seguiram caminhos muito diferentes: um é policial, o outro traficante e a menina se torna violinista. A confluência desses três destinos conduz à morte.
"Deixa Voar", de Cadu Barcellos, é um canto ingênuo que alerta contra os perigos que existe no desconhecimento dos demais. O elo condutor do relato é um concurso de pipas com fundo de rap.
"Acende a Luz", de Luciana Bezerra, transcorre no dia de Natal. Um defeito deixa sem luz boa parte da favela, mas o eletricista Lopes consegue consertá-la, para a alegria da vizinhança.
No conjunto, esse filme coletivo transmite uma imagem bastante positiva das favelas, mais próximas de qualquer bairro periférico popular de uma grande cidade do que parecidas com povoados de miséria - estética massacrantemente presente em boa parte dos filmes brasileiros atuais, e que eu, pessoalmente, abomino.
"Esta é precisamente a razão pela qual o filme é tão original e interessante, pela primeira vez a favela é vista de dentro, sem os estereótipos, os clichês da imprensa e da televisão, que são falsos", comentou Diegues, em uma animada conversa com a AFP.
"Claro que há violência nas favelas, mas não ao ponto de que todo o mundo esteja envolvido, isso não é assim", exclama com veemência.
Na realidade, "o filme é uma recuperação da identidade, que foi perdida pelos estereótipos da imprensa, da televisão e de certos filmes, aqui ninguém está falando por eles", insiste.
Também é uma reflexão sobre situações do limite entre legalidade e moralidade, "quando algo deixa de ser legal mas segue sendo moral", acrescenta.
No início dos anos 90, Diegues começou a trabalhar com associações culturais locais para introduzir o cinema nas favelas.
Três ou quatro anos atrás, com sua esposa, a produtora Renata de Almeida Magalhães, iniciou oficinas de técnica, produção, direção, edição, fotografia e mais de 600 jovens cineastas das favelas se inscreveram, sendo que 200 foram selecionados para as oficinas e 84 deles participaram do filme em diferentes áreas.
Todos podiam apresentar histórias e eles mesmos votaram. "Quando eles começaram a desenvolver seus roteiros, já havíamos escolhido os dietores, que passaram a ser o centro de cada projeto", explica.
A maior parte dos atores também são de favelas. "Eles podiam escolher alguns atores, sobretudo para personagens de idosos, porque nas favelas o cinema é algo recente e não há atores idosos", disse.
"O filme foi concebido, escrito e realizado todo pelos jovens cineastas moradores de favelas, eu simplesmente dirigi e produzi, não há nenhuma imagem feita por mim", fala.
"Foi mais fácil trabalhar com eles, que além de tudo são muito talentosos", explicou Diegues, que garante que o complicado foi o patrocínio, já que ninguém acreditava em seu projeto, e no fim foi possível graças a patrocinadores privados.
A estreia do filme - pela Sony Pictures - deve ser em agosto.
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