domingo, 23 de maio de 2010

CANNES: CINEASTA TAILANDÊS LEVA A PALMA DE OURO E CHAMA A ATENÇÃO PARA O MOMENTO DIFÍCIL DE SEU PAÍS

O tailandês Apichatpong Weerasethakul, de 39 anos - ganhador da Palma de Ouro do 63º Festival de Cannes, com "Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives" - é autor de filmes experimentais e singulares que ultrapassam o sobrenatural.

"Na selva, nas colinas e nos vales, nossas vidas anteriores, em forma de animal e outras, ressurgem para mim", afirma o protagonista do filme premiado, o tio Boonmee, um idoso que chegou no fim de sua vida.

Afetado por uma insuficiência renal aguda, prepara-se para a morte conversando com sua cunhada, e com a mesma naturalidade fala com sua esposa e seu filho, mortos anos antes.

Seus fantasmas aparecem para ele, um com forma humana, o outro com forma de macaco, e o tio Boonmee também se prepara para sua última viagem, sinônimo de reencarnação para Apichatpong Weerasethakul.

"Acredito na transmigração das almas entre os homens, as plantas, os animais e os fantasmas".
Além disso, me interessei (no filme) pelos processos de destruição e extinção das espécies e culturas. Nestes últimos anos na Tailândia, o nacionalismo incitado pelos golpes de Estado provocou confrontos de ordem ideológica".

Nascido em 1970, Apichatpong Weerasethakul é autor de um cinema singular que foge das convenções cinematográficas e do tratamento do tempo, mescla atores profissionais e amadores, concede um espaço considerável a uma natureza fascinante e sobrenatural.

Originário de uma província do nordeste da Tailândia, na fronteira com a Birmânia, estudou arquitetura antes de viajar para Chicago, onde aprendeu sobre cinema experimental e arte contemporânea.

De volta à Tailândia, iniciou um trabalho como artista plástico, montou instalações de vídeo antes de filmar seu primeiro longa-metragem, "Mysterious object at noon", que estreou em 2000.

Com sua própria produtora, chamada Kick the Machine Filmes, pôde realizar um cinema independente e experimental à margem da indústria tailandesa do cinema, mais dedicada à produção do cinema de ação.

Fora do sistema tailandês de produção, realizou seu segundo filme, "Blissfully yours", que enviou por correio ao Festival de Cannes, onde conquistou o Prêmio da mostra "Um Certo Olhar".

Dois anos depois, voltava ao festival com "Tropical malady", história de amor entre um soldado e sua amante filmada na selva tropical. O filme, que mesclava mitologia e imaginário, venceu o Prêmio do Juri graças a sua grande beleza plástica.

Em 2006, "Syndromes and a century", autorretrato centrado em suas lembranças de infância, foi o primeiro filme tailandês candidato ao Leão de Ouro no Festival de Veneza.

Foi uma escolha ousada, mas maravilhosa e muito justa.

O júri presidido por Tim Burton concedeu a Palma de Ouro a um filme difícil mas encantador.

E Burton foi honesto com aquilo que mais lhe atrai nos seus próprios filmes: a magia e a fantasia. “O mundo está mais ocidentalizado, e esse é um filme de outro país que usa elementos de fantasia de uma outra maneira. É um sonho estranho e bonito como não costumamos ver”, declarou após a premiação.

“Obrigado ao público por me dar uma chance de compartilhar meu mundo com vocês. Agradeço todos os espíritos e fantasmas da Tailândia que me permitiram estar aqui”, agradeceu Apichatpong.


Getty Images
O cineasta, agora a pouco, recebendo a Palma de Ouro em Cannes

Ele ainda lembrou advertiu a situação que vive seu país.

"A Tailândia precisa de esperança. A situação é muito grave, estamos muito deprimidos", em alusão aos tensos momentos que atravessa seu país, onde o Governo anunciou hoje uma nova prorrogação do toque de recolher em Bangcoc e em 23 províncias.

"Espero que a notícia de que a Tailândia ganhou aqui um prêmio cultural represente um pouco de ar fresco para acalmar a situação", acrescentou o cineasta.

Para ele, seu país necessita de "mais diversidade".

Weerasethakul ressaltou que "todos estamos submetidos a uma cultura única, temos todos a mesma forma de contar as histórias, de dizer as coisas".

Segundo o diretor, o cinema tailandês precisa de financiamento internacional. "O cinema pode contribuir para uma melhor compreensão das diferenças culturais".

Nenhum comentário:

Postar um comentário