Encaradas pelas minorias como um refúgio para a livre prática da fé, as igrejas "inclusivas" - voltadas predominantemente para o público gay - vêm crescendo a um ritmo acelerado no Brasil, à revelia da oposição de alas religiosas mais conservadoras.
Estimativas feitas por especialistas a pedido da BBC Brasil indicam que já existem pelo menos dez diferentes congregações de igrejas "gay-friendly" no Brasil, com mais de 40 missões e delegações espalhadas pelo país.
Concentradas, principalmente, no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, elas somam em torno de 10 mil fiéis, ou 0,005% da população brasileira.
A maioria dos membros - 70% - é composta por homens, incluindo solteiros e casais, de diferentes níveis sociais.
O número ainda é baixo se comparado à quantidade de católicos e evangélicos - as duas principais religiões do país, que, em 2009, respondiam por 68,43% e 20,23% da população brasileira, respectivamente, segundo um estudo publicado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro.
Arquivo Pessoal
Culto de igreja LGBT no Rio de Janeiro
O crescimento das igrejas inclusivas ganhou força com o surgimento de políticas de combate à homofobia, ao passo que o preconceito também diminuiu, alegam especialistas.
Hoje, segundo o IBGE, há 60 mil casais homossexuais no Brasil e para grupos militantes, o número de gays é estimado entre 6 a 10 milhões de pessoas.
Segundo a pesquisadora Fátima Weiss, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que mapeia o setor desde 2008, havia apenas uma única igreja inclusiva com sede fixa no Brasil dez anos atrás.
"Com um discurso que prega a tolerância, essas igrejas permitem a manifestação da fé na tradição cristã independente da orientação sexual", disse Weiss à BBC Brasil.
O número de frequentadores dessas igrejas - que são abertas a fiéis de qualquer orientação sexual - acompanhou também a emancipação das congregações.
Se, há dez anos, os fiéis totalizavam menos de 500 pessoas; hoje, já são quase 10 mil - número que, segundo os fundadores dessas igrejas, deve dobrar nos próximos cinco anos.
TRAVESTI DIZ QUE IGREJA INCLUSIVA LHE DÁ "LIBERDADE":
As igrejas inclusivas ainda enfrentam forte resistência das comunidades católicas e evangélicas.
Embora a maior parte delas siga a tradição cristã - pregando, inclusive, o celibato antes do casamento e a monogamia após o matrimônio - ainda não são reconhecidas oficialmente por nenhum desses dois grupos.
Não raro, em igrejas tradicionais, os homossexuais são obrigados a esconder sua opção sexual.
Descobertos, acabam sendo expulsos - ou, eventualmente, submetidos a tratamentos de "conversão" para se tornarem heterossexuais.
"Segundo a Bíblia, homossexualidade é pecado. Na igreja evangélica, gay só entra caso queira se converter e, para isso, tem de se tornar heterossexual. É uma regra de Deus", disse à BBC Brasil Silas Salafrária, quero dizer, Malafaia, fundador de uma das principais igrejas evangélicas do Brasil, a Assembleia de Deus - Vitória em Cristo.
"Tenho vários casos de ex-gays na minha igreja. Trata-se de um desvio de comportamento; afinal, gays têm a mesma ordem cromossômica que nós, heterossexuais. Depende deles, portanto, mudar sua opção sexual para serem aceitos na nossa comunidade", acrescenta.
A pernambucana Lanna Holder, de 37 anos, acreditava poder "curar" a atração que sentia por mulheres que, segundo ela, vinha "desde a infância".
Usuária de drogas e alcoólatra, Lanna converteu-se a uma igreja evangélica aos 21 anos, passando a fazer pregações no interior do Brasil.
"Enquanto todas as meninas brincavam de boneca, eu soltava pipa e jogava futebol", lembra.
Lanna tornou-se uma das principais pregadoras da igreja Assembleia de Deus, a mais importante do ramo pentecostal no Brasil.
Casou-se aos 24 anos e, dois anos depois, teve um filho, mas durante uma viagem aos Estados Unidos em 2002, conheceu outra pregadora, Rosania Rocha, brasileira que cantava no coral de uma filial da igreja em Boston.
Um ano depois, elas tiveram um caso amoroso às escondidas e acabaram expulsas da comunidade.
De volta ao Brasil em 2007, Lanna teve a ideia de criar uma igreja voltada predominantemente para homossexuais que, como ela, não ganharam acolhida em outra vertente religiosa.
Ela montou a "Comunidade Cidade Refúgio", no centro de São Paulo.
De reuniões pequenas, com apenas 15 pessoas, a igreja possui hoje 300 fiéis e planeja abrir uma filial em Londrina, no Paraná, até o fim deste ano.
O embrião das igrejas inclusivas começou a surgir no Brasil na década de 90, em pequenas reuniões feitas normalmente sob sigilo.
Nos Estados Unidos, entretanto, elas já existem há pelo menos quatro décadas, praticando o que chamam de "teologia inclusiva", com um discurso aberto à diversidade.
Um das pioneiras foi a Igreja da Comunidade Metropolitana (ou Metropolitan Church), a primeira a ter sede própria no Brasil, em 2002.
APÓS TENTAR 'CURAR' HOMOSSEXUALIDADE, EX-EVANGÉLICO CRIA IGREJA LGBT
Convertido aos 14 anos a uma igreja evangélica, o carioca Marcos Gladstone, de 36 anos, hoje gay assumido, sempre acreditou que seria "recuperado" da atração que sentia por homens.
Durante quatro anos, ficou noivo de uma mulher, mas pouco antes de se casar, decidiu revelar à família dela sobre sua orientação sexual.
"Não sentia amor pela minha noiva; apenas amizade. Quando disse à família dela que era gay, a fofoca se espalhou rapidamente. Ela chegou a ficar três dias sem comer", recorda.
BBC Brasil
Fundador de uma igreja LGBT, Marcos Gladstone (à dir.) beija seu parceiro, Fábio Inácio
Vítima de preconceito, Gladstone resolveu fundar em 2006, junto com seu parceiro, Fábio Inácio, de 31 anos, a "Igreja Cristã Contemporânea", pregando "um discurso de tolerância" e voltada predominantemente para o público gay.
No início, contavam apenas com cinco membros.
Hoje, a igreja já tem 1,2 mil fiéis e seis filiais espalhadas pelo Brasil, além da sede no Rio de Janeiro.
Para atrair novos fiéis e integrá-los aos membros antigos, as igrejas promovem festas temáticas.
Na igreja 'Comunidade Cidade de Refúgio', são comuns as baladas gospel, realizadas uma vez por mês.
Na festa, chamada de "EletroGospel", bebidas alcoólicas não são permitidas.
"O objetivo é que todos se divirtam com moderação. Somos cristãos e, portanto, contra qualquer promiscuidade", afirmou Lanna, a fundadora.
Já na 'Igreja Cristã Contemporânea', os fiéis são convidados a participar de retiros espirituais, que ocorrem durante o Carnaval.
Segundo Gladstone, a igreja recebe centenas de e-mails por dia de gays que têm medo de "sair do armário".
"Nosso trabalho é de aconselhamento. É muito importante que um jovem homossexual não se sinta sozinho mesmo quando a família não aceita sua orientação sexual."
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