Há exatos 50 anos - 24 de maio de 1962 - o filme brasileiro "O Pagador de Promessas" conquistou a Palma de Ouro, prêmio máximo da 15a. edição do Festival de Cannes.
O filme é uma transposição para o cinema de uma peça de teatro homônima - escrita por Dias Gomes - e foi produzido por Oswaldo Massaíni.
Dirigido e roteirizado por Anselmo Duarte - até então mais conhecido como um dos maiores galãs da fase áurea dos estúdios brasileiros - o longa é, até hoje, a única produção brasileira a conquistar uma Palma de Ouro.
Em 1962, jurados como François Truffaut preferiram o drama brasileiro a filmes hoje clássicos - como "Cléo de 5 a 7", de Agnés Varda, "O Anjo Exterminador", de Luis Buñuel, "O Eclipse", de Michelangelo Antonioni, e "O Processo de Joana D'Arc", de Robert Bresson.
Após o recebimento do prêmio em Cannes, o diretor, a equipe do filme e o elenco, que tinham viajado até a cidade francesa, foram recebidos com um desfile público em carro aberto, ao desembarcar no Brasil, no Rio de Janeiro.
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Anselmo Duarte posa na França com a Palma de Ouro - prêmio máximo do Festival de Cannes
Há fotos da equipe do filme chegando ao Brasil que parecem imagens da seleção brasileira voltando de uma conquista de Copa do Mundo: as imagens provam que o prêmio, até hoje o mais importante recebido por uma produção brasileira, produziram grande emoção nas pessoas.
Sentimento justificado pois a distinção conferida ao filme significava também o reconhecimento de um país jovem, que aspirava à projeção internacional.
Naquela época, o Brasil desenvolvia uma atividade artística das mais significativas, com inovações na música - a bossa nova -, no teatro, nas artes plásticas.
No cinema, era o momento em que nascia o Cinema Novo - até hoje mais respeitado movimento cinematográfico do país - projetando nomes como os de Nelson Pereira dos Santos - o mais velho, patrono de todos, precursor e grande homenageado em Cannes 2012 -, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, e, em especial, Glauber Rocha, o mais inventivo, o mais provocador, o mais falastrão.
Com todo esse frenesi em torno dos diretores acima citados, não deixa de ser irônico que a Palma de Ouro tenha caído no colo de alguém que pouco tinha a ver com as novas ideias cinematográficas do País.
Reprodução
Capa da Folha e a notícia de que um filme brasileiro tinha sido vitorioso em Cannes
Anselmo era um galã das chanchadas e dos estúdios da Vera Cruz e que já havia dirigido um filme muito bom - "Absolutamente Certo" (1957).
O longa é um típico produto da persistência de um sonhador em busca de transformar seu ideal em realidade: Anselmo não tinha um puto para a produção, até convencer o estrelado produtor Massaíni.
O elenco foi formado por amigos de Duarte, que acreditaram no projeto e receberam piso salarial.
Para levar o texto de Dias Gomes à telona, Anselmo usou uma dramaturgia clássica - que pouco tinha a ver com as inovações formais preconizadas e testadas pelo Cinema Novo - e valeu-se de um ótimo protagonista, de um elenco afiadíssimo e do excelente fotógrafo inglês Chick Fowle, trazido ao Brasil pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz.
Com tudo isso, "O Pagador de Promessas" mostrava ao mundo um padrão de qualidade técnica que não poderia ser menosprezado pelos europeus.
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Cena de "O Pagador de Promessas", com Leo Villar - o Zé do Burro - e Glória Menezes - Rosa - ao centro
Na trama, Zé do Burro - Leonardo Villar, sensacional - é um homem humilde que enfrenta a intransigência da Igreja Católica - na figura de um padre - ao tentar cumprir a promessa feita em um terreiro de candomblé de carregar uma pesada cruz por um longo percurso.
Zé do Burro é o dono de um pequeno pedaço de terra no Nordeste do Brasil e seu melhor amigo é um burro.
Quando o animal adoece, Zé faz uma promessa à uma mãe de santo do candomblé: se o burro se recuperar, promete dividir sua terra igualmente entre os mais pobres e carregará uma cruz desde sua terra até a Igreja de Santa Bárbara em Salvador, onde a oferecerá ao padre local.
Assim que seu burro se recupera, Zé dá início à sua jornada.
O filme se inicia com Zé, seguido fielmente pela esposa Rosa - Glória Menezes, em sua estreia no cinema -, chegando à catedral de madrugada.
O padre local - Dionízio Azevedo - recusa a cruz de Zé após ouvir dele a razão pela qual a carregou e as circunstâncias "pagãs" em que a promessa foi feita.
A partir daí, todos em Salvador tentam se aproveitar do inocente e ingênuo Zé: os praticantes de candomblé querem usá-lo como líder contra a discriminação que sofrem da Igreja Católica e os jornais sensacionalistas transformam sua promessa de dar a terra aos pobres em um libelo pela reforma agrária.
A polícia é chamada para prevenir a entrada de Zé na Igreja, e ele acaba assassinado em um confronto violento entre policiais e manifestantes a seu favor.
Na última - e sen-sa-cio-nal - cena do filme, os manifestantes colocam o corpo de Zé em cima da cruz e entram à força na catedral.
O longa também foi o grande vencedor do Prêmio Especial do Júri no Festival de Cartagena, Colômbia (1962) e dos prêmios de Melhor Filme e Melhor Trilha sonora - para Gabriel Migliori - no San Francisco International Film Festival (1962)
No ano seguinte - 1963 - o longa foi indicado ao Oscar de filme estrangeiro, mas perdeu para "Sempre aos Domingos", do francês Serge Bourguignon.
Depois dessa conquista importantíssima, o Cinema Brasileiro voltou várias vezes aos mais importantes festivais do mundo, inclusive com as obras consideradas máximas do Cinema Novo, que foram reconhecidas e premiadas - mas não com a Palma de Ouro.
Já faturamos dois Ursos de Ouro, prêmio máximo no principal concorrente de Cannes - o Festival de Berlim - com "Central do Brasil", de Walter Salles, em 1998 e "Tropa de Elite", de José Padilha, em 2007.
Fernanda Torres já levou o prêmio de Melhor Atriz em Cannes 1986 - por "Eu sei que vou te Amar", de Arnaldo Jabor - e sua mãe, a grande Fernanda Montenegro, foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz, levou o David di Donatello - principal prêmio italiano - de Melhor Atriz e o National Board of Review de Melhor Atriz - por "Central do Brasil" (1998), de Walter Salles.
estadão.com
Poucos meses antes de morrer, Anselmo Duarte posa com a Palma de Ouro no jardim da sua casa em Salto, interior de São Paulo
Mas, por enquanto, a única Palma de Ouro brasileira continua a ser aquela de Anselmo Duarte (1920-2009) e seu teimoso Zé do Burro, vivido pelo grande Leo Villar.
O troféu ainda hoje mora na estante da sala da casa do diretor em Salto (SP), sua terra natal, mesmo após a morte do diretor.
Confira um trecho do longa:
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"O PAGADOR DE PROMESSAS"
Texto Original:
Dias Gomes
Direção e Roteiro:
Anselmo Duarte
Elenco:
Leonardo Villar, Glória Menezes, Dionísio Azevedo, Norma Bengell, Geraldo Del Rey, Antônio Pitanga, Roberto Ferreira
Gênero:
Drama
P& B/ Colorido:
Preto & Branco
Duração: 118 min.
Trilha Sonora:
Gabriel Migliori
Cotação do Klau:
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