sábado, 19 de maio de 2012

FESTIVAL DE CANNES: FILMES DO SÁBADO TIVERAM EXORCISMO E ULTRA VIOLÊNCIA NA GUERRA AO ÁLCOOL NOS ANOS 20


Em 2007, o cineasta romeno Cristian Mungiu recebeu uma inesperada Palma de Ouro com seu segundo longa, "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias", uma forte história sobre aborto na rígida Romênia comunista.

Mungiu volta a temas polêmicos para tentar sua segunda Palma, desta vez com uma inusitada história de exorcismo em "Dupa Dealuri/Beyond the Hills".

Suas chances são boas – o filme é o primeiro até agora a apresentar estatura para vencer.

Com Mungiu, porém, não adianta esperar algo na linha do clássico "O Exorcista" (1973), já que aqui,  tudo é bem mais ambíguo, nada explícito, com longas cenas em duas horas e meia de duração.

Com traços medievais, a história se passa na Romênia de hoje - onde após 50 anos de comunismo e 20 de liberalismo econômico, 90% da população se afirma cristã.

"Queria fazer um filme sobre a atualidade", afirmou o cineasta, que se inspirou em dois livros da jornalista Tatiana Niculescu.
Alberto Pizzoli/France Presse
O elenco do longa romeno "Dupa Dealuri", com o cineasta Cristian Mungiu (o 3º, da dir. para a esq.)

O filme, assim como em "Quatro meses...", que trata do aborto, é uma história de mulheres.

"Beyond the Hills" conta a história de duas jovens romenas, Voichita e Alina, amigas de infância desde que viviam em um orfanato da época comunista.

Alina retorna para a cidade natal depois de viver na Alemanha durante vários anos para reencontrar a amiga, que mora em um mosteiro ortodoxo.

O filme - inspirado em um caso real que provocou sensação na Romênia quando uma jovem faleceu depois de uma sessão de exorcismo em um mosteiro - se desdobra em uma série de mistérios que envolvem religião, mortes e investigações policiais.

Alina tenta convencer Voichita a largar a vida religiosa, mas esta não cede.

Para ficar ao lado da amiga, ela decide ficar também no monastério, mas não consegue se submeter às rígidas regras religiosas do local.

Logo, Alina começa um conflito cada vez mais violento com o padre que comanda o monastério – e seu comportamento logo é interpretado como possessão.

"Não é religioso, nem anticlerical", disse Mungiu.

"Meu filme fala mais que da religião, da superstição", explicou o diretor em uma entrevista coletiva no Palácio dos Festivais, após a exibição do longa-metragem para a imprensa.

"Não quero julgar", insistiu Mungiu, para quem seu filme tenta enfocar sobretudo as consequências de uma interpretação literal da religião, a obediência cega às leis e regras.

"Gostaria que vissem este filme sem comparar com meu anterior. Quis tentar algo diferente desta vez", comentou Mungiu na sessão destinada à imprensa.
"Ao contrário do primeiro, este não é um filme sobre amizade, mas sobre diferentes formas de amor, e o que fazemos em nome dele. Podemos abandonar nosso livre arbítrio, mas nunca a quem amamos", explicou o diretor, acrescentando depois que não gosta de falar muito sobre seus filmes.

"O cinema é algo mais que entretenimento: é isto, mas algo mais", disse Mungiu, antes de destacar que há pouco espaço em seu país para "filmes de arte".

Mas algo parece unanimidade em Cannes: a obra de Cristian Mungiu é um "filme de festival", como definiu uma crítica espanhola, e muito provavelmente "Beyond the Hills" deve aparecer entre os premiados do 65º Festival -  no dia 27 de maio.

Confira o trailer do filme "Beyond the Hills":

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Na disputa pela Palma de Ouro de Cannes, o sábado recebeu um filme violento e sentimental sobre a era da lei seca.

"Lawless/Os Infratores" encontra paralelos com a fracassada guerra contra as drogas, destacaram o diretor John Hillcoat e o roteirista do longa-metragem, o músico Nick Cave.

O filme de gângster repleto de testosterona se passa na Virginia, sul dos Estados Unidos, durante os anos 30, quando fabricantes e contrabandistas de bebidas alcoólicas enfrentavam funcionários corruptos e os criminosos de Chicago.

Baseado no livro "The Wettest County In The World", de Matt Bondurant - que narra a vida de três irmãos, contrabandistas de álcool durante a lei seca - "Os Infratores" é protagonizado por Tom Hardy, Jason Clarke e Shia LaBeouf, que interpretam os irmãos Bordurant, homens duros, repletos de lendas a seu respeito.
EW
Shia LaBeouf e Tom Hardy, em cena de "Lawless"

Diante deles, aparece um personagem sombrio - interpretado por Guy Pearce - sensacional em sua maldade, e duas mulheres entram na história para suavizar os irmãos: Jessica Chastain e Mia Wasikowska.

O australiano Hillcoat - diretor do também violento "A Proposta" - disse que uma das inspirações para retratar a atmosfera dos anos da lei seca e da depressão nos Estados Unidos foi o filme "Bonnie and Clyde".

Hillcoat e Cave - que assina o roteiro e a trilha sonora, destacaram em Cannes que o filme tem "claros paralelos com o momento atual", marcado pela insegurança, instabilidade, crise política e econômica, e a guerra contra o narcotráfico.

"Em um momento, pensamos em abordar o tema dos cartéis mexicanos", disse Hillcoat.
"Mas era muito complicada e este filme nunca saiu".

Para Nick Cave, os paralelos com o momento atual e a guerra contra as drogas ficaram mais aparentes durante as filmagens.
"Sentia que estávamos falando do desastre que é o mundo atual. Pessoalmente sentia que estávamos falando da desastrosa guerra contra as drogas, este incrível desperdício de dinheiro".

"É como se a lei seca ainda existisse", disse Cave, que defendeu a "legalização de todas as drogas".
"O problema da droga é muito importante e não está sendo enfrentado como se deve", completou o escritor e músico.
Getty Images
Elenco e o diretor John Hillcoat - careca -, de "Lawless", na entrevista em Cannes

Cave, que protagonizou grande parte da entrevista coletiva com suas brincadeiras e comentários ante os risos de seus colegas - especialmente de Tom Hardy e Jessica Chastain - enfatizou que não gosta de violência, mas sim quando é Hillcoat quem a retrata.
"O livro une sentimentalismo com uma violência muito crua", admite.

Para ele, o enredo consegue ao mesmo tempo abordar uma história muito clássica - as preferidas de Cave, cujo trabalho em "Os Infratores" foi seu terceiro roteiro cinematográfico após "Ghost... Of The Civil Dead" (1988) e "A Proposta" (2005), ambas com Hillcoat.

Para Cave, o diretor trata a violência do novo filme de uma forma muito particular.
"Estabelece uma relação com a violência brutal e rápida, algo apaixonante e refrescante".

Um repórter italiano perguntou a Cave se "O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford" tinha sido uma referência para seu roteiro de "Os Infratores" e o roqueiro mandou uma questão de volta:
"Você ao menos viu 'O Assassinato de Jesse James'?". 

O repórter  respondeu que sim. 
"Sério? Eu não vejo relação nenhuma."

O jornalista replicou:
"Há uma narração em off assim como no outro longa".

Cave perdeu a paciência e disparou:
"Há narração em off em todos os filmes bons."

Quando todos pensavam que o mal estar havia terminado, o repórter continuou:
"Não há narração em faroestes."

Foi a gota d'água para o músico australiano.
"Mas o meu filme não é um faroeste. Esse cara é um filho da p...", disse Cave um pouco mais distante do microfone.

Getty Images
Nick Cave em Cannes, hoje

A crueldade se mostra como um dos elementos protagonistas em "Os Infratores". 

O banho de sangue envolve o espectador dentro da história de três irmãos que vivem à margem da lei, traficando com álcool, o que os leva a enfrentar o agente encarregado de acabar com essas práticas, Guy Pearce.

A mera aparência física de Pearce - sem supercílios, cabelo penteado ao meio, permanentemente com luvas de couro e um meio sorriso aterrorizante - já dá a entender do que é capaz um personagem que vai se mostrando central na história.

"Tinha de estar à altura com esse corte de cabelo", brincou o ator australiano, que destacou o ar tenso do personagem, "vaidoso e com uma visão obscura do mundo".

E junto a Pearce e aos três irmãos, há uma série de personagens que completam a personalidade de Hillcoat.

Jessica Chastain interpreta uma mulher "que vem de uma situação muito difícil e que encontra seu lugar com estes três irmãos", segundo a atriz explicou na entrevista coletiva, enquanto Mia Wasikowska encarna uma jovem religiosa que se apaixona por LaBeouf e "luta contra a sociedade" e o sistema, o que ela própria afirmou ter gostado muito.

Mia compartilha quase todas suas cenas com LaBeouf, que classificou seu personagem como "vulnerável".
De poucas palavras na entrevista, o ator descreveu-o como um jovem que não gosta de violência, o que contrasta com uma história "muito suja" e "bastante crua".

Para ganhar intimidade para viver os irmãos Bondurant, Shia Labeouf contou que ele, Hardy e Jason Clarke foram pra academia malhar juntos.
"O filme tem esse clima bagunçado, sujo, mais realista. As brigas não são coreografadas como num balé, e a violência vai aos extremos", disse.

O britânico Tom Hardy, que vem numa ascensão em Hollywood – depois de "A Origem" e "Guerra é Guerra", ele será o vilão Bane de "Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge", que estreia em junho – diz que trabalhou com um preparador para incorporar o sotaque americano do personagem e agradeceu a comparação com Marlon Brando feita por um jornalista.
"Não posso dizer que me inspiro nele. Não vi 'O Poderoso Chefão’, nem ‘Sindicato de Ladrões’, nem ‘Um Bonde Chamado Desejo’. Mas fico feliz, claro."

O filme, uma das cinco produções americanas na mostra oficial do Festival de Cannes, recebeu aplausos na sessão para a imprensa.

Confira o trailer de "Os Infratores":

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Com Reuters, UOL - Rodrigo Salem e Tiago Stivalleti  - e AP

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