quarta-feira, 9 de maio de 2012

CEARENSE É A PRIMEIRA TRAVESTI A APRESENTAR TESE DE DOUTORADO NO BRASIL


A cearense Luma Andrade foi a primeira travesti do Brasil a apresentar uma tese de doutorado.

Graduada em ciências naturais pela Uece (Universidade Estadual do Ceará) e com mestrado na área do desenvolvimento do meio ambiente pela UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), aos 35 anos ela é doutoranda em educação pela UFC (Universidade Federal do Ceará).

Para obter o título de doutora, ela se inspirou na própria realidade e produziu um estudo baseado no acesso das travestis cearenses à educação. 
“Pude constatar que está havendo um aumento do acesso e também da procura pela escola, mas ainda há resistências como a discriminação, bullying e a marginalização”, disse ela ao UOL Educação, por telefone.

Resistência, aliás, é uma palavra ou até mesmo um sentimento muito conhecido por Luma. “Desde os oito anos de idade que convivo com isso. Já cheguei a apanhar na escola e ouvir da professora que era bem feito”, contou.
Imagens: Jarbas Oliveira/Folhapress
Luma Andrade, primeira travesti a apresentar tese de doutorado no Brasil

Mesmo assim, ela disse que focou a atenção para os estudos e usou sua aptidão para as ciências exatas como uma aliada na conquista de amigos e de respeito dos colegas. 
“Eu sabia matemática e fiz com que isso me ajudasse. Passei a dar aulas para os colegas e eles passaram a ser meus amigos”, disse.

Em casa ela usou a mesma estratégia de focar a atenção para os estudos, na hora de responder os questionamentos dos pais, dois agricultores analfabetos que não a discriminavam, mas sempre perguntavam por uma namorada, principalmente no período da adolescência.

Já adulta, chegou a ir, nos primeiros dias, para o campus da Uece, no município de Limoeiro do Norte, onde concluiu a graduação, vestida com roupas masculinas para evitar situações de preconceito e constrangimento, mas a estratégia não deu certo. 
No primeiro dia de aula, ela conta que foi uma chacota geral, mas, depois que resolveu usar roupas femininas, as pessoas a conheceram melhor e ela começou a ser aceita. 
“De início foi uma decepção, pois achava que na universidade as pessoas eram mais maduras”, disse.

Depois de formada, Luma recebeu o convite de um ex-professor da faculdade para dar aula em uma escola, mas o que parecia ser uma grande oportunidade, na verdade foi um grande teste.
“Era terrível, os dirigentes e outros professores ficavam atrás das portas assistindo à minha aula. Os alunos também ficavam rindo e muitos gritavam: gay, viado (sic), dentre outros palavrões. No fundo, eles achavam que a minha aula (de ciências naturais) ia ser uma palhaçada, mas sempre no primeiro dia, eu contava a minha história de vida e ganhava fãs e aliados. Eles também são pobres, nordestinos e sonham com dias melhores. Além disso, sempre mantive postura, seriedade para lecionar, o que foi fundamental para adquirir o respeito de alunos e colegas”, completa.

Luma, na apresentação de sua tese

Depois de conquistar estabilidade e ser aprovada em concurso público na área de Educação, Luma passou na seleção de um mestrado em Mossoró, no Rio Grande do Norte, e a cidade cearense mais próxima era Aracati. 
“Começou tudo de novo, tive que voltar à estaca zero”, disse Luma, que precisou pedir uma intervenção da Secretaria Estadual da Educação do Ceará para ser admitida em concurso que havia sido a única pessoa a ser aprovada. 
“A minha nomeação era sempre protelada sem que um motivo fosse alegado".

Anos depois, em 2005, desenvolveu o projeto “Intimamente Mulher” , que incentivava alunas e professoras a fazer exames de prevenção  e que lhe rendeu o primeiro lugar no Estado e um prêmio no Ministério da Educação.

Atualmente, Luma está casada com um professor de História, realiza palestras, é constantemente convidada para ser madrinha de formaturas e passeatas, além de presidir a Associação Russana de Diversidade Humana, na cidade de Russas, a 165 km de Fortaleza.

Essas e outras barreiras enfrentadas por travestis foram relatadas na tese da doutoranda, que aponta alguns entraves enfrentados por travestis nos ensinos médio, fundamental e superior. 
“Uma coisa é o nome, onde muitos professores fazem questão de gerar um constrangimento as chamando pelo nome de batismo, outra é a utilização do banheiro, onde somos obrigadas a usar os sanitários masculinos, o que é muito desagradável, pois as travestis acabam sendo vítimas de muita gozação, agressões físicas, tentativas de estupro e isso tudo faz com que elas deixem a escola”, disse ela que há dois anos conseguiu mudar os documentos e abandonar o antigo nome masculino.

O uso do banheiro por parte das travestis é um dos capítulos da tese de Luma
Ela disse que prendia a urina e só ia ao banheiro depois que chegava em casa, o que lhe rendeu, à época dores abdominais, dilatação da bexiga, além do desconforto no momento em que assistia a aula. 
“Muitas vezes eu perdia a concentração”, resume.

Luma, no dia mais importante da sua vida

Na apuração para a produção da tese de doutorado, Luma Andrade estudou 95 casos em todo o Ceará, mas três cidades tiveram maior destaque: Fortaleza, Russas e Tabuleiro do Norte. 
Nos municípios, ela encontrou duas realidades diferentes.

Na capital, mesmo com uma maior oferta de estabelecimentos educacionais, as travestis quase não têm acesso à educação e a maioria se concentra em zonas de prostituição no centro e na orla da cidade. 
Já em Russas e em Tabuleiro do Norte, ela acompanhou de perto a história de três travestis que freqüentavam aulas em escolas de ensino fundamental e médio. 
“Por incrível que pareça, no interior elas são mais acolhidas e o preconceito é menor, pois elas conseguem viver no ambiente da família, sem precisar se prostituir. É possível ver travestis trabalhando no comércio como vendedoras e em diversas atividades”, observa.

Outra coisa que chamou a atenção da doutoranda foi o fato de muitos dirigentes escolares e educadores não saberem distinguir uma travesti de um homossexual
Segundo o manual de comunicação da Associação Brasileiras de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros (ABGLT), "um travesti é a pessoa que nasce do sexo masculino ou feminino, mas que tem sua identidade de gênero oposta ao seu sexo biológico, assumindo papéis de gênero diferentes daquele imposto pela sociedade"
Já um homossexual é, segundo o documento, "a pessoa que se sente atraída sexual, emocional ou afetivamente por pessoas do mesmo sexo/gênero".
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Matéria de  Gabriel Carvalho, do UOL, e sugerida ao Blog pela minha amiga, Gretta Sttar

Um comentário:

RFarias disse...

Eu apoio 100%
Ser travesti, não quer dizer que tem que ser ignorante ou analfabeta.
Travesti também é gente e, muito mais até do que milhões de heterosexuais.
Diga não à discriminação!

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