O Festival de Cinema de Cannes começou hoje em meio a acusações de machismo por parte dos organizadores da mostra cinematográfica.
A edição de 2012 do tradicional festival de cinema - o mais importante e prestigiado do mundo - não traz nenhum filme na mostra competitiva dirigido por mulheres e, até hoje, somente uma mulher foi agraciada com o prêmio máximo do festival - a cineasta Jane Campion, pelo longa "O Piano", em 1993.
A polêmica teve início após um grupo de cineastas de destaque ter escrito uma carta aberta ao jornal francês "Le Monde" criticando a ausência de filmes de mulheres cineastas.
Entre as signatárias do documento assinado por um coletivo de cineastas - chamado "A Barba" - figuram as diretoras Virginie Despentes - que realizou o sexualmente explícito "Baise-Moi" (2000) - e Coline Serreau - que recebeu três prêmios César por "Três Homens e um Bebê" (1985).
Confira entrevista com os membros do júri de Cannes 2012:
A carta, farta em ironias, afirma que ''os homens adoram que suas mulheres tenham profundidade, mas só no que diz respeito aos seus decotes. Todos os 22 filmes em competição foram feitos, coincidência, por 22 homens''.
O júri de Cannes 2012 é presidido pelo cineasta italiano Nanni Moretti e tem como membros, entre outros, o ator escocês Ewan McGregor e a cineasta Andrea Arnold - autora da adaptação de "O Morro dos Ventos Uivantes", lançada no ano passado - as atrizes Emmanuelle Devos e Diane Kruger e o estilista Jean-Paul Gaultier.
Reuters
Andrea Arnold, Raoul Peck, Emmanuelle Devos, Diane Kruger, Jean-Paul Gaultier, Hiam Abbass e Ewan McGregor, membros do júri, conversam com a imprensa na presença do presidente do júri Nanni Moretti, no primeiro dia do Festival de Cannes 2012
E Cannes 2012 começou acertando: o filme americano independente “Moonrise Kingdom” é o melhor longa de abertura do festival em muitos anos, segundo o jornalista Thiago Stivaletti, do UOL - é tão bom que está até na competição pela Palma de Ouro.
O diretor Wes Anderson - de “Viagem a Darjeeling” e “O Fantástico Senhor Raposo” - conta a história de um menino escoteiro nos anos 60 que foge do seu acampamento para encontrar a menina que gosta e fugir com ela.
AFP Photo
O ator Bruce Willis fala sobre o filme "Moonrise Kingdom",que abriu o Festival de Cannes 2012, durante coletiva realizada de imprensa
Seus colegas escoteiros de início o odeiam, mas depois dão todo o apoio ao garoto.
Uma história de amor proibido pelos adultos do filme – um elenco estelar que inclui Bruce Willis, Bill Murray, Edward Norton e Tilda Swinton - definida o tempo todo como “a assistente social”.
O visual colorido e nostálgico em Tecnicolor parece aquele efeito envelhecido que se pode pôr nas fotos do Instagram.
Depois de anos sem um filme importante, Bruce Willis volta às telonas num filme autoral como o capitão Ward, que conduz a busca pelo garoto.
“É renovador ser convidado para atuar de um modo bem específico, numa indústria em que às vezes não há nenhum ensaio. É bom ser dirigido por alguém diferente e ensaiar. Wes conseguiu fazer um filme sobre um monte de crianças que nem parecem estar atuando”, disse.
Confira o trailer do longa:
Bill Murray brincou com o colega:
“Era engraçado ver Bruce com seu andar de estrela no set desse filme. O mais engraçado é que ele tem uma cena ‘Duro de Matar’ no final do filme. Nos filmes de arte a gente costuma trabalhar muito e não ganhar nada. Bruce, continue fazendo seus filmes comerciais para poder trabalhar com a gente depois”, emendou.
Edward Norton falou do sonho de trabalhar numa companhia de teatro, como o grupo de atores reunido neste filme.
“Toda vez que sai um pôster de um filme novo do Wes Anderson, muitos atores pensam: ‘nossa, deve ser tão divertido...’ Agora realizei esse sonho.”
O diretor Wes Anderson contou que levou oito meses para encontrar as crianças que fariam o casal principal – a menina, Kara Hayward, lembra uma Scarlet Johansson mais nova. “Para este filme, tive que reencontrar sentimentos antigos, como a emoção se apaixonar ainda garoto”, contou.
Com os adultos, o processo é mais fácil.
“Adoro trabalhar com os amigos, pessoas que sempre voltam aos meus filmes”, diz. Bill Murray, por exemplo, está em todos os seus filmes.
O dia na cidade francesa à beira mar terminou com a apresentação - em sessão especial - do documentário “Roman Polanski – A Memoir”, de Laurent Bouzereau.
Amigo pessoal do cineasta há mais de 30 anos, Bouzereau entrevista Polanski na sua casa na Suíça - ele começa falando da situação surreal que foi sua recente prisão em 2009, quando passou dez semanas preso e mais oito meses em prisão domiciliar, ainda por conta das acusações de assédio sexual em Los Angeles em 1977, caso que julgava encerrado.
“Uma aeromoça me conduziu para uma espécie de sala VIP. Havia três homens com ela, pensei que fossem jornalistas. Eram policiais me dando a ordem de prisão”.
Na sequência, ele lembra com emoção da infância na Polônia no auge da perseguição nazista aos judeus na Segunda Guerra.
“Um dia, meu pai chegou e anunciou a mim que minha mãe não voltaria. Havia sido levada pelos alemães. O curioso é que não chorei naquele momento. E comecei a pedir para ele parar de chorar, senão levariam o resto de nossa família”, conta, às lágrimas - seu pai também foi detido mais tarde, mas sobreviveu.
Divulgação
Cena do filme "Roman Polanski: A Filme Memoir", de Laurent Bouzereau
O assassinato de sua mulher, a linda atriz Sharon Tate, por Charles Manson em Los Angeles e o processo de assédio sexual que o levou a sair dos Estados Unidos já haviam sido tratados em documentários anteriores, mas agora ganham um tratamento mais equilibrado.
Como indica o título, as memórias pessoais de Polanski ganham bastante relevo – há todo um trecho dedicado à atriz francesa Emmanuele Seigner, sua esposa há mais de 25 anos e mãe de seus dois filhos.
Confira o trailer do documentário:
Para o cinéfilo, no entanto, o maior prazer é acompanhar as associações livres entre aquilo que Polanski fala e cenas de seus filmes como “O Pianista”, “Chinatown”, “O Bebê de Rosemary” e um de seus primeiros curtas, “Os Mamíferos”.
O documentário se encerra com uma frase memorável de Polanski:
“Revendo minha história, é difícil acreditar em livre arbítrio, que não haja alguma espécie de destino traçado.”
Divulgação
O cartaz oficial de Cannes 2012 presta homenagem aos 65 anos do festival e aos 50 anos sem a diva das divas Marilyn Monroe
*****
Com Reuters, AP, AFP e UOL
Nenhum comentário:
Postar um comentário