quinta-feira, 1 de abril de 2010

ARMANDO NOGUEIRA

Criador do "Jornal Nacional", testemunha em 1954 do atentado ao político Carlos Lacerda (1914-1977), jornalista esportivo, escritor, cronista e piloto de ultraleve.

Companheiro de Armando Nogueira na Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho - o Boni - definiu-o como "polivalente". "O jornalismo moderno de televisão foi implantado com um trabalho de luta do Armando Nogueira, uma preocupação constante com o texto jornalístico. É a pessoa mais importante para o jornalismo na televisão", completou ele.

Acreano de Xapuri (a 200 km da capital, Rio Branco), Armando nasceu em 14 de janeiro de 1927.
Aos 17 anos, já estava no Rio de Janeiro, onde formou-se em direito, mas preferiu trabalhar como jornalista.

Nogueira trabalhou na Globo entre 1966 e 1990, onde dirigiu a Central Globo de Jornalismo.
Foi responsável final por coberturas duramente criticadas até hoje, como o chamado "escândalo da Proconsult" em 1982 (fraude na contagem de votos da eleição para o governo do Estado do Rio, com suposto acobertamento da emissora) e a cobertura restrita da campanha das Diretas em 84 (quando suas equipes foram orientadas a não veicular imagens abertas dos comícios para não dar dimensão da adesão popular ao movimento).

Embora tenha trabalhado em diversas áreas do jornalismo, ele sempre preferiu ver o seu nome ligado à cobertura esportiva. Cobriu 13 Copas do Mundo -a primeira, em 1954- e seis Olimpíadas - a última em 2004.

Em 1954, dois episódios que nada tinham em comum entre si marcaram o jovem jornalista.
Na Copa, relatou e fotografou a histórica briga entre a delegação brasileira, recém-derrotada pela Hungria por 4 a 2, com suíços e húngaros.
A confusão entrou para a história do futebol brasileiro com o título de "A Batalha de Berna".
No mesmo ano, publicou em primeira pessoa relato do atentado que, na véspera, 5 de agosto, presenciara contra o jornalista e deputado Carlos Lacerda na rua Tonelero (Copacabana).
Ele voltava para casa quando, por acaso, testemunhou o ataque a Lacerda, baleado no pé.
O atentado acirrou mais ainda a crise política da época, que culminou em 24 daquele mês com o suicídio do então presidente Getúlio Vargas, contra quem Lacerda se opunha.

Seu estilo de texto, no jornal e na televisão, buscava aproximação com a crônica e a poesia.
Deixou dez livros maravilhosamente bem escritos, a maioria sobre esportes.
O que eu pessoalmente mais gosto é "O Homem e a Bola".

Armando Nogueira, 83, morreu ao amanhecer desta segunda, 29 de março, em seu apartamento na zona sul carioca.
Sofria de câncer cerebral havia três anos.
O velório foi na tribuna de honra do estádio do Maracanã, como ele sempre quis.
O enterro foi na terça, 30 de março, no cemitério São João Batista, em Botafogo.

O jornalista deixa um filho, Armando Augusto Nogueira.

Prefeitura e Estado do Rio, assim como a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), decretaram luto de três dias.


Nas edições do "Jornal Nacional" comemorativas aos 40 anos do primeiro telejornal em rede gerado para todo o Brasil, cinco meses atrás, Boni se declarou "triste" em seu blog pela omissão do significado histórico de Armando Nogueira, não só para o "JN", mas para todo o telejornalismo brasileiro.

Mas a importância do "comandante" Armando Nogueira foi expressa, afinal, pela voz de João Roberto, um dos filhos de Roberto Marinho, fundador da TV Globo:
"Armando foi um companheiro maravilhoso, cativante e adorável. Ele mudou a linguagem do telejornalismo brasileiro com rigor fantástico na precisão da informação e na qualidade do texto. Ele nos deixa inspiração para o futuro", declarou o atual vice-presidente das Organizações Globo.

Na segunda, o telejornal abriu lembrando "o líder da equipe que criou o 'Jornal Nacional'".
Boni, Nogueira e Alice-Maria criaram o "JN", que unificou o Brasil sob o regime militar a partir de 1969.
O formato de telejornal nacional, copiado das redes americanas, foi defendido pelos três contra a corrente que queria que cada estado tivesse seu narrador.
De 1966 a 1990, ao longo de praticamente toda a ditadura, ele chefiou o jornalismo da Globo, período em que a rede dos Marinho se tornou a maior do país.
Pelo relato de colegas, resistia aos "depoimentos montados" pela repressão e era habilidoso ao dialogar em defesa da informação.
Com a abertura a partir da anistia, atravessou sem maiores arranhões na sua reputação de jornalista coberturas controversas como a apuração das eleições de 1982, no Rio, e a manifestação pelas Diretas em 1984, em São Paulo.

Em 1989, veio a eleição para presidente e Armando Nogueira viu Alberico de Sousa Cruz, estrela ascendente no jogo político interno da rede, e que vinha do jornal "O Globo" - também propriedade dos Marinho - realizar a célebre e até hoje comentadíssima edição do debate entre Fernando Collor e Lula, no "JN".
Poucos meses depois, perdeu o cargo para Sousa Cruz e deixou a Globo.
Foi o momento histórico de maior relevância de que participou. Quase uma década depois, ainda defendia Roberto Marinho no episódio:
"Na edição Collor-Lula eu fui um marido enganado. O cara que dirigia a área fez modificações à revelia do próprio empresário. Fez aquela manipulação por jogada pessoal, porque era ligado ao Collor", declarou, negando assim que fosse, como descrito até então, "o homem que sabe demais".

Armando Nogueira sempre lembrado pelo seu belíssimo texto, pelas palavras poéticas que soube usar como poucos jornalistas brasileiros, e pelo profundo conhecimento esportivo.

REPERCUSSÃO

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, presidente da República:
"Foi um dos nomes de maior destaque da história do jornalismo brasileiro, especialmente na televisão e na crônica esportiva. Tinha talento de sobra que lhe permitiu atuar em diferentes mídias, sempre com o mesmo brilho e a mesma preocupação com a qualidade do texto e da informação"

FRANKLIN MARTINS, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República:
"Foi um dos melhores textos da imprensa brasileira. Sua coluna na página de esportes do "Jornal do Brasil" marcou época -no futebol e no jornalismo. Criativo, elegante, apaixonado pelas palavras, um mestre"

ALICE-MARIA TAVARES
, atual diretora de programas especiais da Globonews e uma das criadoras do "JN", juntamente com Boni e Nogueira:
"Ele tinha uma paixão e um entusiasmo muito grandes. O telejornalismo brasileiro deve muito a ele. Ele conseguia aliar o amor pela imagem e o texto. Era um poeta. Cheguei à Rede Globo sem nunca ter trabalhado no jornalismo e ele me deu essa oportunidade"

WILLIAM BONNER, apresentador e editor-chefe do "Jornal Nacional":
"Minha carreira deve muito a ele. Tenho uma dívida pessoal imensa. Poucos tiveram o amor que ele devotou ao esporte. Era um amante do esporte na palavra. Ele vai descansar sabendo que o JN [Jornal Nacional] é um gigante"

DANIEL FILHO, diretor de televisão e cinema:
"Nunca dei um passo na minha vida sem ouvi-lo. Além da escrita, a palavra dele vinha certa para os amigos"

MAURÍCIO ASSUMPÇÃO, presidente do Botafogo:
"Era um grande botafoguense. Nesses anos de jejum, nos incentivou com suas crônicas e não nos deixou titubear. O estádio do Maracanã é palco ideal para a homenagem ao grande mestre"

ZICO, Gênio da bola:
"Uma das grandes emoções que tive foi no dia da minha despedida e ele fez uma crônica muito bonita. O jornalismo perde um homem que marcou a história dele. Lembro muito bem, quando criança, das resenhas em que ele participava com grandes nomes da imprensa brasileira"

JUNIOR, ex-jogador e comentarista da Globo:
"Foi meu grande mestre. Quando comecei a comentar, ele me disse que eu poderia elogiar sem bajular, e criticar sem ofender ninguém. Desde então faço isso na minha carreira"

ARNALDO NISKIER, educador e membro da Academia Brasileira de Letras:
"Sempre foi para mim um modelo de uma convicção de que é possível fazer literatura com o esporte. Ele produziu textos antológicos, que mostraram que a televisão não é só essa coisa ligeira que se critica"

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