As vendas das obras exibidas continuaram a todo vapor, e um filme argentino sobre um garoto gay que persegue um homem adulto - e que sabe que nada acontecerá, porquê é "menor" - levou o "Teddy Bear", um dos mais importantes prêmios para filmes de temática homossexual do mundo.
Confira como foi a sexta feira em Berlim:
VENDETAS SECULARES ALBANESAS, HOJE EM BERLIM
"The Forgiveness of Blood" é um novo filme que trata de tradições orais seculares que decidem como algumas famílias na Albânia resolvem suas vendetas, até hoje.
O moderno entra em choque com o medieval no filme contundente do diretor norte-americano Joshua Marston, que faz sua estreia na Berlinale nesta sexta.
O filme é o último dos 16 filmes da competição oficial exibido em Berlim, e as primeiras reações da crítica sugerem que possa ser candidato forte aos prêmios, que serão entregues amanhã(19).
O filme trata de uma família na zona rural da Albânia que entra em uma disputa com um clã vizinho, em torno do acesso à terra.
Quando a disputa termina em assassinato, a parte prejudicada impõe as normas intransigentes do Kanun - o código balcânico do século 15 que confere a uma família ofendida o direito de matar um homem da família que a ofendeu.
Em lugar de ser um simples olho por olho, dente por dente, outras regras podem ser aplicadas por meio do código, que não é oficialmente reconhecido no direito albanês, segundo os cineastas, mas é aplicado assim mesmo.
Ao centro da vendeta regida pelo orgulho, ignorância e intransigência dos adultos estão Nik, de 17 anos, que não pode mais sair de casa devido ao risco de ser morto, seu irmão de 7 anos e Rudina, sua irmã de 15.
Rudina pode sair de casa e procura fontes extras de renda, na tentativa de sustentar a família sozinha. Mas, para Nik, a vida vira um inferno, sem chances de encontrar amizade, amor ou sucesso.
O diretor Marston - seu filme de estreia, em 2004, foi o aclamado "Maria Cheia de Graça" - disse que, para ele, a imagem chave foi de um adolescente do século 21 enviando mensagens de texto e jogando videogame em cativeiro em sua própria casa, devido a regras do século 15.
"Ele é um garoto moderno que teve sua vida perturbada por um costume totalmente antigo."
Para pesquisar o Kanun, Marson percorreu a Albânia com o roteirista e guia albanês Andamion Murataj, conhecendo famílias envolvidas em vendetas desse tipo e vivendo no isolamento.
Uma das famílias estava nessa situação havia 15 anos: seus filhos nunca tinham ido à escola e não podiam ir mais longe que o quintal de sua casa.
Getty ImagesA atriz Sindi Lacej, o diretor Joshua Marston (centro) e o ator Tristan Halilaj participam da sessão de fotos do filme "The Forgiveness Of Blood''
O diretor brasileiro Walter Salles tocou no mesmo tema em "Abril Despedaçado", adaptação para o cinema do livro homônimo do escritor albanês Ismail Kadaré - no longa brasileiro, Salles transporta a ação da Albânia para o Nordeste brasileiro, numa trama que também envolve morte e vingança.
Marston disse que conhece o filme e é amigo de Salles, com quem conversou muito sobre seu projeto antes de rodá-lo.
"O tema é o mesmo, mas as abordagens são diferentes", disse o cineasta.
"Mas Walter me ajudou muito."
Marston alertou para o fato de que não se trata de um filme sobre vingança.
"É mais sobre a tensão entre a tradição e o moderno, numa situação de transição", disse ele.
"Tampouco era minha intenção como um país medieval. Ao contrário, é um país moderno e está trabalhando duro para sair de uma situação de paralisia. Legitimar o Kanun seria um passo atrás nesse sentido."
Questionado sobre por que tanto tempo entre se passou entre "Maria Cheia de Graça"e "The Forgiveness of Blood", o cineasta disse que a greve de roteiristas em Hollywood, há dois anos, e a natureza de seus projetos contribuíram para esse hiato.
"Estava no meio de um projeto de filme sobre o Iraque com orçamento de US$ 20 milhões quando estourou a greve", contou.
"Depois, estávamos no meio de um projeto que envolvia crianças no Brooklin nos anos 1970, quando o estúdio para quem trabalhávamos cancelou o projeto dizendo que um filme sobre crianças para adultos não era aceitável."
O filme teve a segunda melhor reação do público em Berlim - depois do filme do iraniano Ashgar Farhadi, com "Nader and Simin, A Separation" -, em um festival um tanto cansado após um desfile de 16 candidatos marcado pelos nomes jovens e no qual os dois únicos veteranos são os favoritos a levar o Urso de Ouro.
"DESCONHECIDO" TIRA O FÔLEGO DO PÚBLICO
Sabe aquelas explosões, perseguições e sequências de assassinatos que você espera de qualquer filme de ação?
Pois "Desconhecido", exibido hoje fora de competição, tem tudo isso em dose suficiente para deixar qualquer fã do gênero saciado.
Mas o filme, dirigido pelo cineasta espanhol Jaume Collet-Serra, tem também um roteiro capaz de dar sentido - mesmo que um sentido absurdo - a todas essas cenas típicas do gênero.
Inspirado em romance do escritor Didier van Cauwelaert, o filme acompanha a via crucis do Dr. Martin Harris - Liam Neeson - por Berlim após um acidente em que perde parte da memória.
Depois de acordar em um hospital, ele volta para o hotel onde deveria estar hospedado, mas descobre que sua mulher Liz - January Jones - não o reconhece mais e em seu lugar há outro Martin Harris - Aidan Quinn.
Desacreditado e sem recursos para provar quem realmente é, el e passa a vagar por Berlim em busca de ajuda para confirmar sua identidade - qualquer semelhança com o arquétipo do "homem errado", celebrizado na obra de Alfred Hitchcock não terá sido mera coincidência.
Divulgação
Liam Neeson, em cena de "Desconhecido"
É um filme capaz de deixar sem fôlego qualquer tipo de espectador - seja ele ou não um fã de tiros e sangue jorrando.
A trama, que envolve intriga internacional, descoberta científica e criacão de identidades, é protagonizada por um Liam Neeson atônito.
Lá pelas tantas, seu personagem, desesperado, se volta para um ex-agente nazista e diz: "Tudo que eu quero é saber se eu sou quem eu sou!".
Collet-Serra, hábil na construção do suspense e inventivo na "mise-en-scene" explosiva, nos faz passar duas horas sem desgrudar os olhos da tela.
Fora da linha de tiros, merece menção a inspirada sequência em que as lendas das telas, o alemão Bruno Ganz e o americano Frank Langella, com voz grave e expressão indecifrável, contracenam.
Confira o trailer de "Desconhecido":
Com mais baixos do que altos, e filmes que exigem muito até de quem está mergulhado na cinefilia, a Berlinale teve um momento de relaxamento com a exibição de "Desconhecido" - como o filme é ambientado em Berlim, está justificada a sua programação no encerramento da Berlinale.
Sem a presença dos protagonistas Liam Neeson - que está filmando no Canadá - e de January Jones, a produção foi representada em Berlim pelo diretor Jaume Collet-Serra e os atores alemães Diane Kruger, Sebastian Koch e Karl Markovics.
Getty ImagesA atriz Diane Kruger, ontem em Berlim
Kruger faz o papel da jovem motorista de táxi sérvia que levava Martin de volta para o aeroporto, quando ambos sofrem o acidente que o faz perder a memória.
Markovics é o médico que trata do personagem de Neeson no hospital e o diagnostica com perda de memória.
E Bruno Ganz interpreta Hans Jurgen, ex-agente da Stasi, a polícia política da Alemanha Oriental, que ganha a vida fazendo investigações privadas.
O personagem de Jurgen, responsável pelos melhores e mais engraçados momentos do filme, não fazia parte do livro.
"Escalamos Bruno Ganz e precisávamos de um personagem para ele", explicou Collet-Serra, na entrevista coletiva que se seguiu à movimentada sessão.
"Conversamos inclusive com ele e com um ex-agente do qual não vou citar o nome para saber qual era o papel da Stasi e como eles se comportavam."
Kruger disse que é o terceiro filme em seguida que faz em Berlim desde que se tornou atriz - o que é sinal de que muitas produções têm recorrido a Alemanha para ambientar seus filmes.
Ela também elogiou Neeson pela paciência que teve com ela durante as filmagens.
"Aprender um sotaque novo e mantê-lo não é muito fácil", explicou.
"E ele foi realmente muito paciente e carinhoso."
BOB MARLEY, NIETZSCHE E SHAKESPEARE,ENTRE OUTROS, À VENDA EM BERLIM
Um novo documentário sobre o rei do reggae, Bob Marley, além de obras mais árduas inspiradas no filósofo Friederich Nietzsche e no dramaturgo William Shakespeare, entre outros, foram negociados internacionalmente no Mercado do Filme da Berlinale.
"A tendência de queda no mercado mundial do filme terminou, tudo indica que saímos da recessão", declarou Beki Probst, diretor do European Film Market (EFM), grande espaço para o intercâmbio comercial de direitos de distribuição de filmes, realizado paralelamente ao Festival de Berlim.
Entre as fitas negociadas está o último filme do chileno Raúl Ruiz, "Los misterios de Lisboa", que no Brasil estreará na Mostra de São Paulo.
Segundo a revista especializada "Screen", o produtor português Paulo Branco, que costuma trabalhar com Ruiz, "confirmou muitas vendas de 'Os Mistérios de Lisboa'".
Outro sucesso mundial de vendas no EFM foi o novo documentário sobre Bob Marley, produzido pela multinacional "Fortissimo Films", e que será lançado para relembrar os 30 anos da morte do grande músico jamaicano morto em 11 de maio de 1981.
Segundo a revista "Variety", pela primeira vez a família de Bob Marley aceitou abrir seus arquivos.
Outro filme que encontrou muitos compradores no mundo foi um documentário do alemão Cyril Tuschi sobre o ex-rei do petróleo russo, Mikhail Jodorkovski, de 47 anos, que foi o homem mais rico da Rússia antes de se tornar opositor, inimigo jurado do premier russo, Vladimir Putin, e terminar na prisão.
Cyril Tuschi, que trabalhou durante cinco anos neste filme e conseguiu fazer uma das raras entrevistas que Jodorkovski concedeu atrás das grades, tentou na fita decifrar o enigma deste personagem.
O filme iraniano "Nader and Simin - a separation", de Asghar Farhadi, favorito ao Urso de Ouro, também despertou o interesse de muitos distribuidores no mundo, segundo comunicado da Berlinale.
Duas obras se destacaram este ano na mostra berlinense: "O Cavalo de Turim", do húngaro Béla Tarr, e "Coriolanus", do britânico Ralph Fiennes, uma adaptação aos tempos modernos da tragédia de mesmo nome de William Shakespeare.
"O Cavalo de Turim" se baseia em um detalhe da biografia do filósofo alemão Friederich Nietzche, que Béla Tarr resumiu assim na apresentação deste filme rodado em preto e branco e em planos-sequências:
"Em Turim, em 3 de janeiro de 1889, Friederich Nietzsche saiu de casa, situada no número seis da Via Carlo Alberto. Não longe dali, um cocheiro tem problemas com um cavalo empacado que se recusa a se mover; o cocheiro perde a paciência e começa a chicoteá-lo. Nietzsche, chorando, se aproxima e põe fim ao castigo, abraçando o pescoço do animal. Depois, enlouquece e permanece prostrado por 10 anos".
O filme de Béla Tarr descreve com exatidão a vida do cocheiro, de sua filha e do cavalo, sem muitos diálogos e com uma música hipnotizante, em meio a uma paisagem desolada e castigada pelo vento, até a escuridão total.
"Não podemos comunicar a esperança, nem a salvação. Só podemos contar as coisas como as vivemos. Vivemos em um mundo já terminado. E as coisas que acontecem com o cocheiro, sua filha e o cavalo nos acontecerão, cedo ou tarde. Basta sabê-lo para que não sejamos felizes", vaticinou o húngaro.
Ralph Fiennes, por sua vez, conhecido por seus papéis em "A Lista de Schindler" e "O Paciente Inglês", explicou sua forma de transpor a obra de Shakespeare para os tempos modernos:
"Ao ver na televisão imagens da guerra da Chechênia ou do Iraque, ou os distúrbios nas cidades, convenci-me de que meu cenário estava ao nosso redor", acrescentou.
A obra, escrita em 1607, conta a ascensão do general romano Caio Marcio Coriolano - interpretado por Fiennes - que encontra a glória combatendo com valentia até sua decadência e desterro, por desprezar o povo.
Quando ataca Roma, só o apelo de sua mãe - interpretada por Vanessa Redgrave - impedirá que arrase com a cidade.
Rodada na Sérvia, esta adaptação da obra à guerra moderna conserva a língua inglesa do século XVII, "familiar" aos ouvidos de Vanessa Redgrave.
"Conheço-a desde a minha infância, líamos sempre na igreja uma Bíblia em uma tradução contemporânea de Shakespeare", disse a atriz.
Os produtores independentes europeus e asiáticos chegaram à feira cheios de projetos em terceira dimensão.
O estúdio China Tianjin, por exemplo, vendeu "Legend of a Rabbit", para distribuidores de países como Coreia, Rússia, Cingapura, Malásia, Indonésia e Turquia.
No filme, o coelho do título, segundo o material de divulgação do projeto, é levado para Pequim para salvar a academia de kung-fu chinesa.
Criado por uma equipe de 500 animadores no decorrer de três anos, o candidato a blockbuster oriental deve ser lançado em pelo menos mil cinemas da China.
Os franceses do Studio Canal, por sua vez, começaram a vender o documentário "African Safari", reforçando aquilo que a Berlinale, com os documentários de Win Wenders ("Pina") e Werner Herzog ("Caverna dos Sonhos Esquecidos") indicou: o 3D deve criar, de fato, um novo padrão para o documentário.
Na bagagem de companhias inglesas vieram, para Berlim, o filme de ação "Twist", uma adaptação do "Oliver Twist" de Dickens, e "Michael Flattery: Lord of the Dance".
Também estava à venda no mercado o "Dracula" de Bram Stocker - o ousado projeto em 3D, assinado por Dario Argento e várias vezes anunciado, estaria prestes a sair do papel e ir para o set.
ARGENTINO "AUSENTE" LEVA PRÊMIO "TEDDY BEAR" DA BERLINALE
O filme argentino "Ausente" - dirigido por Marco Berger e exibido na categoria "Fórum" - venceu hoje (18) o prêmio Teddy Bear do Festival de Berlim, destinado ao cinema de temática homossexual.
"Ausente" é o segundo longa-metragem de Berger, um thriller que trata do poder intimidador das aparências.
A produção conta a história de um adolescente que persegue um adulto sabendo que, por ser menor de idade, a Justiça está do seu lado.
Divulgação
Cena de "Ausente"
O Teddy Bear - que com a presente edição completou 25 anos - foi entregue em uma festa realizada no antigo aeroporto de Tempelhof, em Berlim, que atualmente recebe todo tipo de festas e desfiles de moda.
Confira o trailer do filme:
A cerimônia contou com as presenças do prefeito de Berlim, Klaus Wowereit, do diretor da Berlinale, Dieter Kosslick, e de outras personalidades da vida pública da capital alemã.
É Berlim mostrando porquê é a cidade mais cosmopolita e vanguardista da Europa.
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