terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

BERLIM TEVE HOJE AMOR EM TEMPOS DE INTERNET, UM DRAMA HÚNGARO E UM FILME IRANIANO QUE ARREBATOU A PLATEIA

Hoje, o dia na Berlinale começou com "The Future", da diretora americana
Miranda July, uma fábula sobre o amor em tempos de internet.

Depois, foi projetado "The Turin Horse", filme húngaro difícil e hermético, feito por um diretor igualmente difícil e hermético, Béla Tarr.

E a terça se encerrou com a projeção do drama "Nader and Simin: A Separation", do diretor Asghar Farhadi, que trouxe para o centro do debate a censura cruel da ditadura iraniana.

Confira:


FUTURO, AMOR, SOLIDÃO E CRIATIVIDADE VIA INTERNET

A jovem e talentosa diretora americana Miranda July apresentou nesta terça-feira, na mostra competitiva, "The Future", uma fábula poética sobre o amor, a solidão e a criatividade, na qual a internet desempenha um papel importante.

Dona de uma beleza delicada, July - que em 2005 ganhou a Câmera de Ouro do Festival de Cannes com seu primeiro filme, "Eu, Você e Todos Nós" - é ao mesmo tempo roteirista, diretora e protagonista da fita.

Confira entrevista com a diretora, no Festival de Sundance:


A heroína, Sophie, mora com Jason - Jamish Linklater - em um pequeno apartamento de Los Angeles; os dois passam horas conectados à internet, e parecem se entediar juntos - e talvez o amor esteja acabando.

Ela é professora de dança para crianças e ele descobre uma alma de ecologista, preocupado com o aquecimento global, vendendo pequenos arbustos de porta em porta.

A história tem aspectos surrealistas, como o gato que espera ser adotado pelo casal e de vez em quando se lança em monólogos.
"Quando estava escrevendo o roteiro, às vezes não me sentia humana, por isso decidi escrever do ponto de vista do gato. Todos, eu imagino, embora sejamos pessoas ativas, às vezes vivemos este sentimento de estranheza, de vazio, de solidão", explicou a diretora.

Sophie ama Jason, mas como uma sonâmbula, talvez sob a influência da lua cheia, telefona para um desconhecido, que na verdade é um vizinho de 50 anos, e quase sem perceber acaba nua nos braços dele.
"O mais difícil é falar de amor de uma forma nova. Queria buscar outro meio de mostrar o amor e a perda deste sentimento, também o desejo de estar em contato com a natureza e a inquietação que às vezes a natureza nos provoca", acrescentou.

Getty Images

A cineasta e atriz Miranda July participa de sessão de fotos de "The Future" com os atores Hamish Linklater (à esquerda) e David Warshofsky, hoje em Berlim

Através da dança, Sophie quer soltar sua criatividade e passa horas filmando a si própria para criar uma coreografia para postá-la no site YouTube.
"Quis mostrar este lado espiritual da criatividade, inclusive um pouco místico, em contradição com esse desejo de Sophie de criar uma dança para postar no YouTube, algo que está destinado a chamar a atenção", disse.

"Há dez anos era mais fácil, quando querer ser ouvido não era tão vergonhoso. A internet, ao mesmo tempo, nos expõe e criou uma consciência mais aguda da nossa necessidade de que os outros reajam ao que propomos", disse July, que também disse que sua inspiração foi o esforço de viver e encarar a vida cotidianamente.
"Não é tanto a sensação de nostalgia e perda causada pela separação que me interessava, mas essa vontade de parar o mundo para descer que às vezes toma conta da gente".

Com humor e uma atitude positiva diante dos problemas dos personagens, "The Future" angariou risos e muita simpatia, mas não chega a ser um prodígio, a não ser que o júri capitaneado por Isabella Rosselini veja além do que as imagens mostram.


VETERANO DIRETOR HÚNGARO DEFENDE RADICALISMO ESTÉTICO

Uma pessoa difícil que faz filmes difíceis, o húngaro Béla Tarr é um dos poucos veteranos que tiveram seus filmes selecionados para a mostra competitiva da Berlinale.

Inspirado no episódio em que Friedrich Nietzsche foi atropelado por um cavalo,
"The Turin Horse" acompanha o dia-a-dia de um cocheiro, sua filha e a égua da qual os dois dependem, em uma casa no árido interior da Hungria - são seis dias ao longo dos quais uma tempestade de vento e areia varre a região, impede o cocheiro de trabalhar, e praticamente seca todas os recursos para mantê-los vivos.

É o prenúncio de uma tragédia, vivida como se cada minuto do dia estivesse impresso nas imagens, pontuadas por uma melodia harmoniosa e repetitiva, de um rigor estético incomum, ao qual as grandes plateias não estão mais acostumadas - justamente por isso deve sair de Berlim com algum prêmio.

Confira o trailer do filme:


Tarr, cuja fama de difícil se confirmou na entrevista coletiva da tarde desta terça
(15), deu sinais de que este seria seu último filme, algo que ele parece não querer confirmar nem negar.

"Com este filme eu completaria um ciclo. Claro que podemos nos repetir, não seria uma ideia ruim. Mas se repetir sem energia e vitalidade para encontrar coisas novas nessa repetição talvez não seja nada bom."

Getty Images

O diretor húngaro Béla Tarr, hoje em Berlim

János Derzsi e Erika Bók - o cocheiro e sua filha no filme - repetem ao longo dos seis dias em que a ação transcorre - duas horas e vinte de projeção - uma rotina trabalhosa e modorrenta para mostrar a que tipo de sacrificios os personagens se submetem para sobreviver.

Derzsi contou que Tarr é econômico em suas indicações e muito objetivo.
"Ele diz o que quer, e deixa o resto comigo. Fala: 'seja enérgico, seja forte'. Não diz coisas como: 'Ande dez metros para cá, depois se vire e vá dez metros para lá'. Você tem que estar presente na cena."

Bók, que foi descoberta pelo cineasta em um orfanato e só trabalhou em seus filmes, muito tímida, nada falou.



DRAMA COMOVENTE ILUMINA BERLIM E COLOCA DITADURA IRANIANA NO CENTRO DO DEBATE

O drama iraniano "Nader and Simin: A Separation", saga familiar comovente e ao mesmo tempo thriller policial, deu novo ânimo na Berlinale nesta terça-feira, virando uma aposta concreta para ganhar o cobiçado Urso de Ouro.

O diretor iraniano Asghar Farhadi recebeu o Urso de Prata de melhor diretor em 2009 por "Procurando Elly", e os aplausos prolongados ao final da sessão de seu novo filme para a imprensa em Berlim, antes de sua première mundial oficial, sugerem que ele possa ir ainda além com seu novo trabalho.

Foi uma injeção de ânimo bem-vinda, onde a reação crítica aos filmes mostrados até agora na competição principal tem sido morna.

Simin é uma iraniana de classe média que quer deixar o país com seu marido, Nader, e a filha de 11 anos deles, para construir uma vida melhor no exterior.

Nader se recusa, optando em lugar disso por cuidar de seu pai, que tem o mal de Alzheimer.

Simin sai de casa, e seu marido enfrenta dificuldades para trabalhar e cuidar de seus deveres familiares.

Ele contrata uma mulher para cuidar de seu pai, mas quando volta para seu apartamento e descobre que a mulher saiu, deixando o idoso amarrado a uma cadeira, ele perde as estribeiras.

A jovem estava grávida, e trabalha escondida do marido.

Quando ela sofre um aborto espontâneo, e a família dela culpa Nader pelo ocorrido, ele acaba no tribunal, em conflito com uma família mais pobre, tradicional e religiosamente devota.

A verdade do que aconteceu vem à tona aos poucos ao longo da tragédia que se segue, levando o público a solidarizar-se com as duas famílias, ambas com filhas inocentes envolvidas na disputa.
"Existem muitos fatores na sociedade que podem levar a situações desse tipo", disse Farhadi, falando com a ajuda de um intérprete.

"Um deles é a luta de classes - entre os pobres, mais tradicionais e religiosos, e a outra classe, que quer pautar-se por normas modernas. É uma luta um tanto quanto oculta entre o velho e o novo em nossa sociedade. Isso vai custar caro a nossa sociedade."

Getty Images

A atriz Leila Hatami, o diretor Asghar Farhadi e as atrizes Sarina Farhadi e Sareh Bayat, hoje em Berlim

Autorizado, pelo governo de seu país a viajar - juntamente com parte do elenco - o diretor recebeu um carimbo inevitável: o de porta-voz de um cinema que a censura de uma das mais cruéis e sanguinárias ditaduras atuais tem calado - tanto que, ao chegar para a coletiva de imprensa, numa sala do hotel Hyatt, Farhadi foi fortemente aplaudido.

Isso não tinha acontecido com ninguém até agora, e Farhadi não se furtou a falar de seu compatriota Jafar Panahi - convidado a integrar o júri de Berlim ,mas que foi sentenciado a seis anos de prisão e proibido de fazer filmes ou viajar para fora do país por 20 anos.
"Estou muito triste. Vocês o conhecem por causa de seus filmes, mas eu o conheço pessoalmente. Antes de vir para cá, telefonei a ele e me despedi. Fique triste porque me despedi para ir a um lugar para onde ele não pode vir."

Na quinta-feira, o festival deverá abrir um painel de discussão com diretores de cinema e artistas iranianos, chamado"Cinema Censurado", e que terá como tema a "censura e a restrição da liberdade de opinião e expressão no Irã" - cineastas, roteiristas e artistas em geral têm criticado a intensificação da censura durante o governo do ditador Ahmadinejad.

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Com Agências Internacionais



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