segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

BERLIM: RALPH FIENNES DECEPCIONA NA DIREÇÃO, EM DIA DE RUSSOS, BRASILEIROS, CATALÃES E CHINESES

O "Coriolanus" de Shakespeare, repaginado por Ralph Fiennes, sacudiu hoje o Festival de Berlim, com uma versão livre do militar durão transformado em inimigo do povo de Roma, dividindo as atenções na competição com "V Subbotu" - sobre o sábado do ano de 1986 em que a usina nuclear de Chernobyl rachou.

Transferir a Shakespeare e a falsa democracia romana às guerras de nossos dias não é tarefa fácil, não é simplesmente traduzir para linguagem atual a tragédia do militar capaz de ganhar todas as batalhas, mas o coração do plebeu, à mercê de manipuladores decididos a transformar seu discurso de soldado em desprezo em direção ao povo.

APRalph Fiennes e Gerald Butler, após a apresentação de "Coriolanus", hoje em Berlim

A obra de Shakespeare, e seus receios em direção ao mundo romano, ajudam-nos a formular perguntas provocantes, como o sentido da democracia.

Tudo, em um ambiente de caos só comparável com o nível de radiação desencadeado por Chernobyl, rodado com câmera no ombro e com o imediatismo que parece realmente saber para onde tudo caminha.

"Coriolanus" dividiu opiniões - em parte, porque nem todo o mundo confessa abertamente a impenetrabilidade do texto de Shakespeare -, enquanto "V Subbotu" de Mindadze foi recebido pela imprensa como suposto "candidato ao prêmio".

O dia teve ainda um filme brasileiro - consagrado na Mostra de Cinema de Tiradentes, um catalão que defende um polêmico juiz, e um épico chinês, de um diretor premiadíssimo por obras anteriores.

Confira agora os destaques de hoje na 61ª Berlinale:


FILME BRASILEIRO CONSAGRADO EM TIRADENTES É DESTAQUE NA SESSÃO "FÓRUM"

O filme "Os Residentes" - do cineasta Tiago Mata Machado - está na sessão "Fórum" da 61ª Berlinale, ao lado de outras produções latino-americanas.

O longa - que foi consagrado na 14ª Mostra de Cinema de Tiradentes - fala de um grupo de personagens que vivem em uma casa abandonada, e que logo recebem novos hóspedes: um velho militante neoísta, um autoexilado e uma famosa artista plástica, aparentemente sequestrada.

Confira um trecho do filme:


Os outros filmes latino-americanos na seção Fórum do festival são o colombiano "Karen Llora en un Bus", de Gabriel Rojas Vera; os argentinos "Ocio" e "Ausente", de Juan Villegas e Marco Berger, respectivamente; e o chileno "El Mocito", de Marcela Said.

O diretor colombiano Rojas Vera, que estreou nesta segunda-feira no festival internacional com seu longa, disse à Agência Efe que o filme conta a história de "uma mulher que se divorcia e luta entre a comodidade de sua antiga vida e a independência de viver sozinha".

"É um filme de estética simples, intimista, e tecnicamente naturalista, que está muito centrado na atuação", revelou o diretor, quem acrescentou que é "um orgulho" participar do festival de Berlim.


ESTREIA DE RALPH FIENNES NA DIREÇÃO DECEPCIONA

Estreia de Ralph Fiennes na direção, "Coriolanus" atualiza a peça homônima de Shakespeare para os dias atuais, em um conflito que lembra muito a sucessão de crises, conflitos e protestos que o mundo vem testemunhando nesse início de século 21.

Com um elenco de astros e estrelas que inclui o próprio Fiennes no papel-título, Gerard Butler no de Aufidius e Vanessa Redgrave no da orgulhosa matriarca do protagonista, o filme era uma das grandes expectativas da seleção oficial e da competição em Berlim - mas sua proposta convencional e nada radical decepcionou.

Na sessão para a imprensa, na manhã desta segunda (14), muitos jornalistas saíram logo após o início da sessão e outros mais saíram ao longo dela.

Ao fim, ninguém ousou soltar vaias, apenas aplausos tímidos.

Getty ImagesO roteirista John Logan e os atores Vanessa Redgrave, Gerard Butler, Ralph Fiennes (também diretor do filme) e Jessica Chastain participam da sessão de fotos de "Coriolanus" em Berlim

A trama foi transportada para os dias de hoje, mas não atualiza geograficamente a peça - Roma continua sendo Roma, os inimigos do império continuam sendo os volscos, e a sucessão de eventos também permanece a mesma.

Quando o filme começa, os romanos passam por uma crise sufocante, e estão em guerra com os volscos.

O general romano Caio Marcio - Fiennes - enfrenta a guerrilha liderada pelo seu inimigo confesso, o volsco Aufidius - Butler.

Ao derrotá-lo no campo de batalha, Caio Marcio recebe o título de conquistador do povo e, instado pela mãe - Redgrave - almeja a posição de Consul.

Ao ser rejeitado pelo próprio povo, ele reage com violência e é condenado ao ostracismo, e, no exílio, ele se reconcilia com seu antagonista para marchar sobre o império que o excluiu.

Apesar de recebido com frieza, na entrevista coletiva que se seguiu à sessão, Fiennes, Butler, Redgrave, a atriz Jessica Chastain - que faz o papel de Virgilia - e o roteirista John Logan responderam a muitas perguntas sobre o filme.

"Acho que, se Shakespeare estivesse vivo hoje, escreveria sem dificuldade para o cinema, e seria um excelente roteirista", disse Fiennes, que contou que a ideia de adaptar a peça nasceu em 2000, quando ele interpretou o mesmo personagem em uma montagem para o Almeida Theatre, no Gainsborough Studios, sob a direção de Jonathan Kent.
"Desenvolvi uma obsessão pela peça e o personagem", disse o ator e diretor estreante.
"Meu instinto me dizia que daria um ótimo filme contemporâneo. E tive a sorte de encontrar [o roteirista John] Logan, que respaldou esse meu desejo inteiramente."

Fiennes disse que preferiu não localizar a peça em nenhum momento histórico específico para manter a simbologia de um mundo contemporâneo repleto de conflitos e em constante processo de mudança.
"Desde que eu fiz a peça, há dez anos, testemunhei nos jornais e nas televisões uma série de conflitos, processos de mudança e protestos. Eu quis manter a simbologia geográfica da peça justamente para que todos esse episódios que se revezam na história que vivemos estivessem representados no filme."

Sobre o papel da ambiciosa Volumnia, a Diva Vanessa Redgrave explicou que não se trata de uma mulher sedenta de poder, como pode parecer na superfície.
"Não a vejo assim. Ela sempre foi de uma família ligada ao poder. O mais importante para ela é o país e, por isso, sua família não pode estar separada de sua família. Por isso, ela vai de encontro ao filho para pedir que não marche sobre Roma."

Gerald Butler também foi muito solicitado pelos jornalistas, menos por sua versatilidade como ator e mais pelo aspecto curioso de vê-lo em um papel tão difícil.

Uma jornalista, por exemplo, perguntou-lhe o que achava de ter sido escolhido para interpretar Aufidius.
"Acho que é muito desafiador intelectualmente para mim, não é?", perguntou, em tom de brincadeira.
"Eu também fiz minha cota de dramas e filmes independentes. Mas parece que só lembram das comédias românticas e de '300'. Na verdade, meu primeiro trabalho como ator foi em uma montagem de 'Coriolanus', só que não fazendo o papel principal. Quando li o roteiro, fiquei muito animado com a possibilidade de contracenar e ser dirigido por Ralph e estar em cena com esses grandes atores."

Fiennes admite que os acontecimentos mundiais que sucederam o 11 de Setembro acabaram por servir de inspiração ao filme:
"Depois da guerra do Iraque fiquei ainda mais convencido de que essa história podia ser tratada de forma contemporânea."

"Coriolanus" é a única produção britânica em competição pelo Urso de Ouro.


UM OLHAR INCOMUM SOBRE O DESASTRE DE CHERNOBYL

Nem filme de catástrofe nem tragédia familiar.

Um novo filme sobre a explosão de 1986 na usina nuclear - na então União Soviética - de Chernobyl analisa, em vez disso, a razão pela qual algumas pessoas decidiram permanecer na região, mesmo cientes de que corriam perigo mortal.

"Innocent Saturday" - que faz parte da competição oficial do festival da Berlinale - acompanha o jovem funcionário do Partido Comunista Valery Kabysh quando seus chefes, que num primeiro momento tentaram encobrir o que tinha acontecido, o informam da extensão real da catástrofe.

Ele corre para a cidade vizinha de Pripyat, e tenta embarcar em um trem com sua namorada, mas quando a rota de fuga é fechada ele é rapidamente sugado de volta para a vida cotidiana, feita de casamentos, compras, música e bebida.

Seus antigos colegas de banda precisam de um baterista e já têm vários shows marcados - então Valery se junta a eles e eles decidem viver a vida plenamente, por mais curta ela possa ser.

Apenas de vez em quando, quando um noivo recorda que sua noiva aguarda um filho, é que a ameaça invisível da radiação se intromete em dia aparentemente idílico.

"O que me fascinou foi o porquê de pessoas que sabiam da catástrofe não fugirem da cidade", disse o diretor russo Alexander Mindadze.
"Talvez porque o perigo era invisível?"

Ele disse que, apesar de ter acontecido há 25 anos, o desastre de Chernobyl ainda está presente na mente dos habitantes da antiga União Soviética.

O ator Anton Shagin, que fez o papel de Valery, tinha apenas 2 anos na época do desastre, mas se recorda de que alguns de seus colegas, que tinham estado perto do epicentro da catástrofe, tinham que aguardar suas refeições em uma fila separada, porque tinham necessidades alimentares diferentes.

Svetlana Smirnova-Marcinkevich, no papel da namorada, Vera, ainda não tinha nascido em 1986 mas conhece muitas pessoas afetadas pelo pior acidente nuclear da história.

Apesar de mostrar o fato de as autoridades não terem avisado a população sobre o perigo da radiação - o produtor Alexander Rodniansky disse que isso foi "o drama do silêncio, o drama da grande mentira" -, Mindadze disse que seu filme não é político.

E, embora a presença do perigo tenha intensificado a consciência que todos tinham da vida, ele acrescentou que seu filme diz respeito a algo peculiar dos habitantes do bloco soviético: o fatalismo.


DOCUMENTÁRIO RUSSO ROUBADO DUAS VEZES, "KHODORKOVSKY" TAMBÉM FOI EXIBIDO HOJE

Hoje foi primeira exibição do documentário "Khodorkovsky" - que foi roubado dez dias antes dessa première mundial - no que a polícia descreveu como uma ação altamente profissional, os quatro computadores que continham o corte final do documentário foram levados do escritório do diretor Cyril Tuschi, em Berlim.

Felizmente, a organização do festival já dispunha de outra cópia.

A Berlinale não ter providenciou nenhum esquema especial de segurança, mas a sessão foi concorrida.

Jornalistas russos presentes a Berlim não acreditam, porém, que o roubo tenha sido planejado pelo governo do país, já que a ação acabou por trazer um indesejada publicidade para o fime.

"Khodorkovsky" é sobre Mikhail Khodorkovsky, ex-presidente da empresa russa de petróleo Yuko, e um dos mais veementes críticos do primeiro-ministro russo - e ex-presidente - Vladimir Putin, foi exibido esta tarde no Festival de Berlim para a imprensa.

Parte da mostra "Panorama", o episódio do roubo despertou a atenção dos jornalistas, e a sala 9 do Cinemaxx, onde foi realizada a projeção, ficou lotada.

Centrado na prisão e nos subsequentes julgamentos de Khodorkovsky, primeiro por falta de pagamento de impostos e, depois, por roubar uma quantidade imensa de "óleo cru" de suas próprias refinarias, o filme traça um perfil do engenheiro químico e ex-quadro do Partido Comunista, ao mesmo tempo que faz a cronologia de sua queda em desgraça por conta de desavenças com Vladimir Putin, além de colocar em cheque o sistema judiciário russo.

AFPCyril Tuschi fala com os jornalistas sobre seu filme "Khodorkovsky", que foi roubado poucos dias antes da première em Berlim

Tuschi colheu 180 horas de imagens, desde depoimentos com familiares, sócios, conselheiros, colaboradores até imagens de arquivo e uma curta entrevista com o personagem - durante um segundo julgamento, iniciado em 2009.

Ao fim, pode-se concluir que, se o ex-presidente da Yuko cometeu erros, o mais grave deles foi imaginar que seu poder diante do sistema era ilimitado.

O documentário terá mais três exibições ao longo do festival abertas ao público.

Para apimentar ainda mais a trajetória do documentário, Tulschi declarou que tem certeza de que foi seguido durante a realização do filme, e que o roubo de Berlim não foi o primeiro que sofreu: quando estava em Bali, em janeiro, o diretor teve o laptop - com imagens do filme em processo de edição - roubado de seu hotel.


CINEASTA CATALÃ APRESENTA SUA ENTREVISTA COM POLÊMICO JUIZ BALTASAR GARZÓN

A cineasta catalã Isabel Coixet apresentou, nesta segunda-feira, em sessão especial, o filme "Escuchando al juez Garzón", uma entrevista com o magistrado suspenso da Audiência Nacional da Espanha, que dirigiu para compartilhar sua "convicção de que ele é inocente do que é acusado".

"Ele acredita mais na Justiça da Espanha do que a gente. O mais importante para mim com este trabalho é advertir que as mentiras repetidas contra ele a cada dia na imprensa, estas acusações na rádio e em outros meios fazem mal. Repetir mentiras pode afetar, termina socavando a credibilidade de qualquer um",
disse ela.

Em dezembro passado, Coixet, conhecida por filmes de ficção como "Minha vida sem Mim" e "A Vida Secreta das Palavras", conseguiu por fim convencer o juiz Baltasar Garzón a se deixar entrevistar pelo escritor Manuel Rivas.
"A cada dia ficava mais indignada ao ler as notícias sobre o juiz Garzón, porque sei que ele é inocente. Senti esse impulso. Não sou calculista. Na Espanha precisamos de mais gente como ele, que não fez mais do que cumprir com sua obrigação. Como o diz muito claro no filme, não se considera um herói, um Ivanhoe. Queríamos ouvi-lo, mostrar como se sentia".

Confira entrevista da diretora à Agência ACN:


Atualmente suspenso de suas funções na Audiência Nacional espanhola, Baltasar Garzón, de 54 anos, deve ser julgado pelo Supremo Tribunal, acusado de "prevaricação" por querer investigar os crimes do franquismo durante a Guerra Civil, prescritos pela lei e Anistia de 1977.

Na entrevista a Riva, Garzón se justifica dizendo que a prescrição não se aplica "quando um juiz encontra em fossas indícios de mortes violentas, de pessoas com um tiro na nuca ou cadáveres com as mãos amarradas. Seu dever é investigar, estabelecer as causas".

"É um filme muito importante para nós, que estamos tentando durante 60 anos compreender, revelar o ocorrido durante o nazismo",
comentou o diretor do Festival de Berlim, Dieter Kosslick, ao apresentar o filme em uma grande sala de cinema situada na antiga Berlim oriental, na rua Karl Marx.


ATOR MIRIM CHINÊS ENCANTA BERLIM

Inspirado em uma antiga novela de artes marciais, o épico "Sacrifice" foi uma das principais atrações do domingo (13) no Festival de Berlim.

Dentro da mostra "Berlinale Special", reservada a convidados ilustres do evento, o filme de Chen Kaige - de "Lanternas Vermelhas" e "Adeus, Minha Concubina" - mostra uma saga de vingança que se reverte em uma mensagem contra esse círculo vicioso de ressentimento e violência.

Confira o trailer do filme:


Já lançado na China, não teve boa acolhida dos críticos, embora tenha ficado 16 dias em primeiro lugar nas bilheterias locais.

Kaige defendeu seu filme diante de um grupo muito pequeno de jornalistas e críticos - a maioria deles asiáticos - ao lado da produtora - e sua mulher - e do pequeno William Wang, que interpreta um personagem importante na porção central da história.

Ao responder uma pergunta sobre como trabalhou com Wang, Kaige aproveitou a ocasião para fazer muitos elogios ao ator, de apenas 8 anos.
"Meu pai sempre me aconselhou a não fazer filmes com crianças e animais", disse, em tom de brincadeira.
Getty Images
O ator William Wang, hoje em Berlim

"Mas esse menino foi um achado. Não tive dificuldades com ele porque é espontâneo. Ele não estava interpretando, estava brincando. Por isso, muitos dos atores experientes tinham medo de estar com ele no mesmo quadro, de contracenar com ele na mesma cena: por causa de sua naturalidade."

De pais chineses que imigraram para Hong Kong, Wang não fala mandarim, apenas inglês e um pouco de japonês - está morando no Japão.
"Eu o encorajei a aprender melhor o mandarim para que ele siga carreira como ator", completou o diretor.

Questionado sobre as dificuldades que teve ao filmar, o pequeno, que estava sonolento por conta do fuso horário, disse que não se lembrava de nenhuma dificuldade.
"A primeira vez que subi num palco tive um pouco de medo. Mas depois, não mais. Não estou com medo."

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Com Agências Internacionais e UOL - repórter Alessandro Giannini, em Berlim
Redação Final: Cláudio Nóvoa

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