quinta-feira, 5 de julho de 2012

OS MAIORES LUCROS DA INDÚSTRIA CINEMATOGRÁFICA VEM DE OUTRAS RECEITAS, E NÃO DAS BILHETERIAS


O repórter Adam Davidson, do "The New York Times", explica na matéria a seguir de onde vem os fabulosos lucros da indústria cinematográfica - bilheterias são importantes, mas são uma pequena parte desses lucros.

"Estou tentando compreender dois fatos aparentemente inconciliáveis. 
Primeiro, "Homens de Preto 3" já faturou mais de US$ 550 milhões nas bilheterias de todo o mundo. 
Segundo, embora um representante da Columbia Pictures, a produtora do filme, tenha me dito recentemente que o filme "agora está no azul", parece que até recentemente o estúdio podia perder dinheiro com ele. 
Como isso é possível?

Divulgação - Sony Pictures
Will Smith, em cena de "Homens de Preto 3"
Não é tão complicado. 
O custo de produção ficou perto dos US$ 250 milhões; as despesas mundiais de marketing devem ter sido parecidas; e uma grande proporção do dinheiro arrecadado com a venda de ingressos vai para as salas de cinema e as distribuidoras locais.

Deve haver uma maneira mais fácil de ganhar dinheiro. 
Pelo custo de produzir "Homens de Preto 3", por exemplo, o estúdio poderia se tornar um dos maiores fundos mundiais de capital para empreendimentos, e deter participações em centenas de empresas iniciantes promissoras. 
Mas, em lugar disso, adquiriu os direitos sobre uma propriedade intelectual, pagou uma fortuna para contratar um grande astro e não tem como saber se o filme dará ou não grande lucro. 

Por que as pessoas continuam a operar na indústria do cinema?

Todos os negócios requerem certa dose de adivinhação, mas prever as futuras bilheterias de cinema é um ramo especialmente opaco.

Se uma empresa deseja lançar um carro novo, pode basear suas previsões, ao menos em parte, em fatores como as tendências de preço do petróleo. 
Já os executivos de cinema desenvolvem diversas teorias a cada verão sobre o que a audiência realmente deseja - filmes em 3D, filmes em 2D, filmes de vampiros, filmes baseados em quadrinhos, jogos de tabuleiro e assim por diante - e mesmo assim, de vez em quando, os resultados de um final de semana fazem com que disparem na direção de uma nova teoria.

Será que o desempenho apenas morno de "Homens de Preto 3" significa problema para "O Espetacular Homem Arranha", o grande lançamento deste final de semana? Ninguém sabe.

TEORIAS DO SUCESSO

Ao contrário de outras indústrias criadas décadas atrás, Hollywood tem dificuldades não só para prever resultados como para analisar os resultados do passado.

Por que "Jogos Vorazes" foi tamanho sucesso? 
Porque tinha uma audiência pré-interessada? 
Por que a estrela do filme é Jennifer Lawrence
Por que foi lançado no feriado de primavera das universidades norte-americanas?

O cinema conta com inúmeros analistas que se vangloriam dos seus poderes de previsão, mas a vasta maioria dos filmes fecha as contas no vermelho, o que prova que ninguém tem certeza de coisa alguma.

O que complica ainda mais as coisas é que o setor está repleto de profissionais - a começar dos agentes mais inexperientes - que se declaram responsáveis pelo sucesso de um projeto.

Essas bazófias têm impacto econômico real. 
A maioria das grandes marcas gasta muito dinheiro para garantir que as associações que seus nomes despertam nos consumidores sejam positivas, mas a maioria dos espectadores não percebe que estúdio produziu determinado filme (a Disney e sua subsidiária Pixar representam notáveis exceções, apesar de "John Carter: Entre Dois Mundos" - o fracasso do ano.

Na verdade, os estúdios de cinema se saem melhor ajudando marcas que não controlam --alguns astros, diretores, produtores e fontes de conteúdo, a exemplo dos livros da série "Jogos Vorazes" - a faturar muito dinheiro.

RECEITAS AUXILIARES

O motivo pelo qual a maioria dos estúdios termina no azul quase todos os anos é que encontraram maneiras de, no jargão do setor, monetizar os fluxos auxiliares, vendendo direitos de TV e de distribuição no exterior, criando videogames, atrações de parque de diversões e outros produtos vinculados aos seus filmes.

E os grandes sucessos, por raros que sejam, continuam a bancar o custo de muitos fracassos. 
Mas os lucros não são enormes. 
Matthew Lieberman, diretor da PricewaterhouseCoopers, estima que cresçam em 0,6% ao ano pelo futuro previsível.

Hollywood é um setor econômico estável, o que surpreende um pouco. 
Ao longo dos últimos 80 anos ou pouco mais, seu modelo básico, que envolve o financiamento de produções criativas em Los Angeles por capital de investimento vindo de Nova York, existe sem grandes alterações.

Em parte por conta disso, os maiores estúdios atuais (Columbia, Disney, Paramount, Warner Brothers, Universal, 20th Century Fox) estão na liderança desde os anos 50.

Essa estabilidade é intrigante, à primeira vista, porque os estúdios não contam com grandes ativos. 
Pior: cada um de seus projetos é uma colaboração de curto prazo entre protagonistas independentes.

O principal ativo de um estúdio moderno, no entanto, é sua capacidade de aproximar esses elementos díspares. 
Eles sabem como convencer Tom Cruise a fazer um filme, como levar a produção a salas de cinema em todo o país e quem contatar para organizar um evento em Doha.

Também conhecem o idioma do poder no setor, e as regras sempre mutáveis quanto aos astros, restaurantes e roteiros bacanas e nem tanto a cada momento. 
É fácil parodiar o processo, mas ele movimenta bilhões.

Editoria de Arte - Folhapress

NEGÓCIO ARRISCADO

Outro motivo para que os estúdios continuem no topo é que desafiá-los não vale o risco, para a maioria dos empresários (mesmo os maiores sucessos precisam de anos, às vezes uma década, para recuperar seus custos).

"Se eu tivesse US$ 2 bilhões, investiria em um estúdio de Hollywood?", indaga Anita Elberse, professora na escola de administração de empresas na Universidade Harvard, pesquisadora do setor de entretenimento. 
"Muitos outros setores oferecem retornos mais elevados sobre o investimento."

Bilionários como Anil Ambani, sócio do DreamWorks Studios, de Steven Spielberg, presumivelmente investem porque o glamour os ajuda em seus outros negócios.

Há quem preveja o fim da indústria do cinema desde que surgiu a TV, e mais tarde os vídeos, a TV a cabo e a pirataria digital.

Fabrizio Perretti, professor de administração de empresas na Università Bocconi, na Itália, diz que Hollywood agora está mesmo se destruindo. 
Porque obter financiamento e audiências se tornou mais difícil, as empresas concorrem para produzir filmes maiores e mais caros enquanto eliminam os riscos, o que explica o motivo para que cada vez mais filmes dependam de propriedade intelectual existente.

Dos cem filmes de maior faturamento em todos os tempos (levando em conta a inflação), 18 são continuações, e mais de metade foi lançada depois de 2000.

A previsibilidade pode conquistar os finais de semana, diz Perretti, mas vai acabar cansando as pessoas.

Enquanto isso, Lieberman vê avanços significativos em outro negócio de entretenimento que está experimentando com modelos, métodos de distribuição e formas de contar histórias diferentes. 
Talvez a TV venha mesmo a destruir o cinema, afinal".
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The New York Times
Tradução de Paulo Migliacci

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