Depois de Joel Schumacher ter jogado a última pá de cal na franquia, com seus risíveis dois filmes mais artificiais e coloridos que uma bala Juquinha, os fãs de muitos anos do menino rico e órfão, que a partir de um juramento no túmulo dos pais molda corpo e mente no combate aos criminosos de sua cidade, ficaram, também, órfãos.
No período, enquanto a rival Marvel deitava e rolava com seus longas dos X-men, Homem Aranha e Vingadores, a DC Comics - aliada à Warner Bros. - fazia um mais que enfadonho filme do seu herói maior - o Superman - e a franquia Batman caía no esquecimento.
Só que a Warner é, historicamente, um estúdio de Hollywood produtor de obras autorais, onde o peso da visão do diretor e a liberdade criativa dada a ele para tocar a produção fazem a diferença.
Oito anos se passaram da pá de cal de Joel Schumacher, até que, em 2005, o cineasta Christopher Nolan conseguiu resgatar a saga do milionário que se veste de morcego para aterrorizar os criminosos.
Em "Batman Begins", Nolan, como o próprio título do filme já entregava, recontou a saga de Bruce Wayne desde o seu início, investindo numa estratégia narrativa instigante que buscava mostrar o herói num universo realista e cruel.
Quase na época de sua estreia nas telonas, fomos informados que aquele longa era apenas o primeiro de uma trilogia, para sermos brindados, três anos depois, em "Batman - O Cavaleiro das Trevas", com a melhor interpretação já feita para o maior vilão das HQs do herói, o Coringa - Heath Ledger -, capaz de colocá-lo no olimpo dos vilões, ao lado de Darth Vader e do Dr. Hannibal Lecter, de Sir Anthony Hopkins.
Nolan sabia que nada conseguiria superar o Coringa de Heath Ledger, que terminava finalmente preso ao final do longa.
Mas o que, nem Nolan - e nem nós - conseguiria prever é que Ledger morreria pouco antes do filme estrear nas telonas.
Estava mais do que evidente que o personagem seria novamente usado na terceira e última parte da trilogia, e, então, todos se perguntavam: o que fazer agora?
Usando da criatividade e do talento já visto em outros longas anteriores e tão autorais quanto, Christopher, seu irmão Jonathan Nolan e o co-roteirista David Goyer ousaram ao trazer para as telonas o personagem responsável por quebrar o herói nas histórias em quadrinhos, o terrorista Bane.
Tom Hardy como Bane, em cena do longa |
Em "Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge", que estreia hoje em todo o país em
903 salas de cinema (897 salas convencionais e seis IMAX), Nolan começa a fechar sua trilogia com uma extensa sequência de ação de tirar o fôlego - o sequestro de um avião por outro, maior, em pleno voo - sem truques ou efeitos especiais, e onde já somos apresentados ao vilão Bane - Tom Hardy -, estabelecendo de forma objetiva sua força descomunal, sua inteligência e a fidelidade que é capaz de inspirar em seus capangas.
Na cena seguinte, já em Gotham City, descobrimos que oito anos se passaram desde a morte de Harvey Dent (Aaron Eckart) – morte que, atribuída ao Batman, inspirou a criação de uma lei - a "Lei Dent" que, associada aos esforços do comissário Gordon - Gary Oldman -, acabou com a criminalidade na cidade.
Gary Oldman como Gordon, em cena do longa |
Sem a necessidade da sua presença, o Batman sumiu, e ninguém sabe dele, exceto nós, que vemos Bruce - Christian Bale - vagando pela reconstruída mansão Wayne, com aparência desleixada e apoiando-se numa bengala - o que enfatiza ainda mais o fato de que ele é um homem comum, não dotado de nenhum superpoder ou armadura cheia de armas, raios e parafernálias à la Iron Man.
Bruce conta somente com a companhia do fiel mordomo Alfred - Michael Caine - que mais que um serviçal, é o pai, o melhor amigo e o responsável por tentar traze-lo à realidade.
Bruce e Alfred: relação de pai e filho |
É na mansão Wayne, sendo usada para uma festa beneficente, que vemos pela primeira vez a ladra Selina Kyle - Anne Hathaway - em ação: infiltrando-se como garçonete do evento, ela consegue abrir um cofre e dele tirar um colar de pérolas - que muito provavelmente pertenceu à mãe de Bruce, Martha.
Flagrada pelo milionário recluso, ela consegue escapar, dando um belo salto de uma janela.
Anne Hathaway como Selina Kyle, em cena do longa |
É neste contexto - a criminalidade que chegou até à sua casa - que Bruce acaba sendo levado a reassumir o papel de herói, ainda mais depois que a presença de Bane em Gotham é revelada e o comissário Gordon é ferido, tentando captura-lo.
Nas tramas paralelas, vemos o jovem policial Blake - Joseph Gordon-Levitt - em ação e a bela e milionária Miranda Tate - Marion Cotillard - conseguindo ser eleita presidente das empresas Wayne - que já não andam mais tão bem financeiramente.
Lucius Fox - Morgan Freeman - e Miranda Tate - Marion Cottilard - ex e atual presidente das empresas Wayne |
Como em tantos capítulos finais de trilogias, o longa - longo mesmo, tem 165 minutos! - traz vários e vários personagens em diversas subtramas, o que acaba por estender, e às vezes, cansar a narrativa um pouco mais do que o necessário, comprometendo o ritmo em alguns momentos e sacrificando o desenvolvimento de algumas figuras importantes.
Por exemplo, por mais interessante sedutora e bela que seja a Mulher-Gato de Anne Hathaway, seria perfeitamente possível excluí-la da história sem prejudicar o roteiro, já que suas ações poderiam ser omitidas ou executadas por outros personagens.
Apesar de tudo, a personagem poderia nem existir no longa |
Se formos comparar, a Mulher-Gato de Hathaway perde feio para a gata de Michelle Pfeiffer - de "Batman Returns" (1992), dirigido por Tim Burton.
Aliás, nem "gata" ela é: só as manchetes dos jornais da cidade a chamam assim.
Com um elenco composto por vários nomes recorrentes na "panela" de Nolan, o destaque fica mesmo com o policial John Blake - Joseph Gordon-Levitt, que veio do longa anterior de Nolan, "A Origem".
Joseph Gordon Levitt como o policial Blake |
Corajoso e idealista, Blake funciona como estopim para que Bruce Wayne volte à ativa - ele diz, na lata a Bruce, que Gotham precisa do Batman de volta - e, mais que isso, confie nele tanto quanto Gordon confiava no começo do filme.
Não é à toa que as cenas finais do personagem mostram que seu verdadeiro nome é "Robin Blake" e o mostrem descobrindo a batcaverna.
Marion Cotillard - outra que veio de "A Origem" - é muito prejudicada pela indefinição de sua personagem, Miranda Tate, durante a maior parte da trama.
Marion Cottilard: Miranda Tate é Thalia |
Quando finalmente entendemos toda essa indefinição, o filme está praticamente no fim - ela é, na realidade Thalia, filha de Ra's Al Ghul - Liam Neeson - é a cabeça pensante por trás de Bane e quer a derrocada, tanto de Bruce, tanto do Batman enquanto símbolo - e de Gotham, como seu pai queria na primeira parte da trilogia.
Cottilard não foi tão sub aproveitada como Anne Hathaway, mas merecia um desdobramento melhor da personagem.
Os veteranos Gary Oldman - como Lucius Fox - e Michael Caine - como Alfred - dão show e se estabelecem de vez como as bússolas morais da narrativa.
Enquanto o primeiro jamais consegue relaxar mesmo sabendo que Gotham encontra-se num período de paz, o segundo mostra-se sempre preocupado com seu querido “master Bruce”, permitindo a Caine protagonizar os dois momentos mais tocantes - e sensacionais - do longa.
Michael Caine como Alfred: sen-sa-cio-nal! |
Enquanto isso, o mais que magnífico Christian Bale volta a exibir sua facilidade para se ajustar fisicamente aos personagens que vive.
Se no começo do longa, seu Bruce surge magro e fragilizado, vai ganhando força e agilidade ao longo da história.
Quando volta a vestir a armadura do Batman, o espectador sente, graças à sua composição como Bruce Wayne, o sacrifício representado por aquele retorno, o peso do símbolo no qual se tornou e sua decisão de manter a voz gutural sempre que "está Batman" – mesmo quando conversando com alguém que conhece sua identidade secreta – é o instrumento do ator para fique evidente que, para Wayne, aquele não é um mero disfarce, mas uma personalidade alternativa usada para exorcizar seus demônios pessoais.
Christian Bale como o Batman: ator à altura do personagem |
Se não chega a ser a explosão de composição que foi o Coringa de Ledger, o Bane de Hardy consegue - e bem - dar conta do recado, até mais difícil por conta da máscara que lhe cobre quase que o rosto todo, e não deixa o ator mostrar sua expressão facial.
Assim, usando o corpo musculoso, os olhos e a voz gutural - à la Darth Vader - Hardy consegue transmitir toda a maldade e falta de escrúpulos do terrorista, num desempenho memorável.
Bane enfrenta Batman nas escadarias da prefeitura de Gotham: embate final |
A composição vocal é elemento chave na performance de Tom Hardy como o vilão Bane, já que é através de sua inflexão estudada e que oscila entre o sarcasmo, a maldade, o desprezo e o cálculo que percebemos seu caráter, já que seu rosto encontra-se encoberto por uma imensa máscara.
Se você optar por assistir ao longa na versão dublada perderá esses elementos, importantíssimos da composição do ator para o personagem.
Como se não bastasse, sua imponência física, associada à decisão de Nolan de filmá-lo constantemente a partir de ângulos baixos, convencem o espectador de que Bane é uma ameaça constante.
O roteiro tem grandes buracos em alguns pontos importantes:
* O plano de Bane, em dar “esperança” a Gotham para depois destruí-la nos faz perguntar que tipo de esperança os cidadãos da metrópole podem ter em um mundo como aquele criado pelo vilão, que praticamente destrói a cidade e a mantém sob terror constante?
* Bane quebra o Batman e o manda para uma prisão, aparentemente a mesma que Bruce esteve em "Batman Begins", ou seja, na Ásia.
Como Bruce Wayne consegue retornar em menos de um mês a Gotham se não tinha um centavo (ou sua identidade) no bolso?
Bruce na prisão: como ele voltou a Gotham sem grana? |
* Como entrou na cidade, já que Gotham se encontrava sitiada, com suas pontes de acesso destruídas?
Apesar de tudo, "O Cavaleiro das Trevas Ressurge" vai arrebatar o espectador por sua construção narrativa, que jamais ignora se tratar do terceiro capítulo de uma longa história – e é admirável que o filme crie pontes não só com o segundo, mas também com o primeiro longa da trilogia, já a filha de Ra’s Al Ghul tem um fim semelhante ao do pai.
Se ao final de "O Cavaleiro das Trevas" a destruição de Harvey Dent criava as condições simbólicas para o renascimento de Gotham, aqui é a partida de Batman que ocasiona isso - ambas são baseadas em mentiras: Dent não morreu como herói e o Batman possivelmente não morreu ao final da trilogia.
Batman e Selina: relação tumultuada |
O roteiro se preocupa em incluir uma cena que traz Lucius Fox descobrindo que Wayne consertara o piloto automático do The Bat - o mais que magnífico veículo voador inventado por ele - o que explicaria a escapada do herói – mesmo que possamos perguntar como ele teria sobrevivido à explosão da bomba nuclear que The Bat carregou para longe de Gotham.
The Bat em ação: novo veículo do herói |
Até as cenas finais, com Robin Blake descobrindo a batcaverna, o testamento de Wayne transformando a mansão em um lar de órfãos e deixando toda sua - e agora pouca - fortuna para Alfred já bastaria para a Warner Bros. seguir adiante com o Morcego e seu universo.
Só que Nolan nos dá mais: a cena em Florença, onde um aposentado Alfred vê Bruce Wayne e Selina Kyle e acena, de longe, pode ser um desejo do velho ou a realidade?
Bruce e Selina estão vestidos com cores alegres, o que destoa dos figurinos que ambos usaram durante todo o longa.
As reações de Wayne e Alfred - um leve aceno de cabeça seguido pela partida deste último - é no mínimo implausível considerando o carinho que sentem um pelo outro e o que aquele encontro representa - eles estavam rompidos.
Assim, dizer que tudo se resume a uma fantasia do velho empregado da família Wayne não é um absurdo tão grande – e, mais do que isso, representa um desfecho dramaticamente eficaz.
E Alfred pode ter se afastado para respeitar a privacidade do antigo patrão, já satisfeito em saber que ele está vivo e o desfecho claramente enxerga um futuro otimista para seu protagonista.
O diretor de fotografia por Wally Pfister optou pelo uso de cores frias e levemente desfocadas, que transforma as imagens em cenas belas de se ver, porém tristes e desbotadas, ainda mais nas cenas externas - filmadas no verão, mas ambientadas num inverno com muita neve.
A opção de Christopher Nolan de só usar em efeitos visuais mecânicos na maior parte do tempo, evitando a mentira digital que tem prejudicado tantas produções contemporâneas é das mais acertadas.
Além disso, o diretor demonstra o talento habitual ao conceber sequências de ação grandiosas - com milhares de figurantes – impressionando pela escala, o que pode ser comprovado nos planos gerais que revelam explosões múltiplas por Gotham.
Da mesma maneira, Nolan continua a exibir um talento especial para construir um forte clima de tensão através de montagens paralelas que justapõem incidentes envolvendo diversos personagens em situações de risco crescente.
Sua corajosa decisão, de usar apenas o hino nacional dos Estados Unidos cantado por uma criança para embalar uma sequência especialmente eficaz - a destruição do estádio de Gotham durante uma partida de futebol americano, onde o prefeito também morre - sem um acorde da ótima trilha sonora composta por Hans Zimmer - é desde já, uma das cenas mais relevantes do cinema contemporâneo, assim como a cena em que Bane quebra a espinha dorsal de Bruce, onde os sons dos ossos sendo esmagados e o barulho dos socos tornam a cena, até que curta, uma das mais violentas nas telonas em todos os tempos.
Ponto também para o design de produção - de Nathan Crowley e Kevin Kavanaugh - impecável tanto na concepção realista de uma Gotham cinzenta e arruinada quanto na ideia de transformar o tribunal improvisado pelos marginais e onde o juiz é o Espantalho - Cillian Murphy - em uma imagem quase expressionista.
Mantendo a coerência na atmosfera sombria e fatalista dos três filmes, Christopher Nolan encerra sua incursão ao universo do Batman como começou: demonstrando que um longa baseado em super-heróis pode ser adulto, investir no realismo e representar um passatempo escapista sem, com isso, menosprezar a inteligência do espectador.
Ah, sim: vá ver nas salas Imax - a experiência será inesquecível.
Confira o trailer do filme:
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Curiosidades sobre a produção:
* O diretor Christopher Nolan escolheu Tom Hardy para o papel de Bane por ficar impressionado pela atuação dele em Bronson.
* Keira Knightley, Blake Lively , Eva Green, Naomi Watts, Charlotte Riley, Gemma Arterton, Kate Mara e Jessica Biel estavam na disputa do papel de Mulher-Gato, que acabou ficando com Anne Hathaway.
* Kate Winslet, Naomi Watts, Rachel Weisz e Marion Cotillard foram cotadas para interpretar Miranda Tate/Thalia - Cotillard ganhou o papel.
* Christopher Nolan é a segunda pessoa a dirigir uma trilogia de filmes de super-heróis, depois de Sam Raimi (Homem-Aranha).
* Doug Jones, Joseph Gordon-Levitt, David Tennant, Johnny Depp, Neil Patrick Harris, Michael C. Hall, Hugh Laurie, Leonardo DiCaprio e James Franco foram cotados para interpretar o Charada, mas o personagem foi retirado do roteiro.
* O filme teve mais de uma hora de cenas filmadas com as câmeras de 65 mm, próprias para a exibição em salas Imax.
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"BATMAN - O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE"
Título Original:
The Dark Knight Rises
Diretor:
Christopher Nolan
Elenco:
Christian Bale, Gary Oldman, Morgan Freeman, Michael Caine, Anne Hathaway, Joseph Gordon-Levitt, Liam Neeson, Tom Hardy, Cilliam Murphy, Marion Cotillard
Produção:
Produção:
Christopher Nolan, Charles Roven, Emma Thomas
Roteiro:
Christopher Nolan, Jonathan Nolan
Fotografia:
Wally Pfister
Trilha Sonora:
Hans Zimmer
Duração:
165 min.
Ano:
2012
País:
EUA, Reino Unido
Gênero:
Ação
Cor:
Colorido
Distribuidora:
Warner Bros.
Estúdio:
DC Entertainment / Legendary Pictures / Syncopy / Warner Bros.
Classificação:
12 anos
Cotação do Klau:
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