"As pessoas às vezes acham que, na hora de filmar, sigo um tipo de lista de compras, 'preciso de imagens de corpos, horror corporal, tecnologia etc.'", diz o diretor David Cronenberg, por telefone, de Toronto.
Essa visão, é claro, deriva de uma carreira marcada por filmes como Videodrome (1983), A Mosca (1986) e eXistenZ (1999).
Ao escolher os projetos, o diretor canadense diz que "não penso nos meus outros filmes nem no que as pessoas esperam de mim. É intuitivo. Então, o público pode se surpreender por eu fazer um filme sobre Freud e Jung, um filme de época".
Ele se refere a A Dangerous Method, sua obra mais recente e que será exibida no Festival do Rio e que ele chama de "um projeto de ressurreição".
"Quis trazer esses personagens de volta à vida para vê-los e ouvi-los. Foi um período maravilhosamente estimulante, o início da psicanálise."
Na entrevista a seguir, Cronenberg fala da carreira e diz que, após usar câmera digital, "nunca mais" quer filmar em película.
Joel Ryan/Associated Press
O diretor David Cronenberg posa para foto antes da exibição de seu novo filme no Festival de Veneza, em agosto
Pergunta- A mostra de seus filmes que aconteceu recentemente em São Paulo se chamou "Cinema em Carne Viva David Cronenberg: Corpo, Imagem e Tecnologia".
O sr. acha essa uma boa maneira de resumir sua carreira?
O sr. acha essa uma boa maneira de resumir sua carreira?
David Cronenberg - Quando você faz uma retrospectiva, precisa atrair o público, e esse é um nome atraente e suficientemente preciso, até onde ele vai. Para mim, é apenas uma parte do que eu faço com meu cinema, mas tudo bem. Por exemplo, se você for assistir a "A Dangerous Method" com esse título em mente, vai ficar desapontado, porque ele é um filme biográfico bem direto, você não vai ver o mesmo tipo de coisa que viu em "Mistérios e Paixões" ou nos meus filmes de horror, então pode ser enganador. Mas mesmo em "A Dangerous Method", se você pensar nas teorias de Sigmund Freud, elas sempre foram muito relacionadas ao corpo, ele insistia na realidade do corpo, falava sobre sexualidade, mesmo sexualidade infantil, coisas que as pessoas achavam perturbadoras e não queriam ouvir. Então você poderia dizer que, tematicamente, há uma ligação muito forte entre este filme e os meus anteriores, só são retratados de forma diferente na tela, abordagens dramáticas diferentes para temas semelhantes.
O sr. já disse que nunca faz um filme pensando em temas determinados, para retratar conceitos abstratos.
Os críticos e jornalistas que analisam filmes confundem o que eles fazem com o que eu faço. Eu consigo me afastar, após ter terminado um filme, e analisá-lo como os críticos fazem, vendo as conexões temáticas com outros filmes, mas não tenho, antes de começar a filmagem, uma lista de temas que eu deva tratar. As pessoas às vezes acham que, na hora de filmar, sigo um tipo de lista de compras, "tenho de ter imagens de corpos, horror corporal, tecnologia, isso e aquilo". É tudo intuitivo, eu penso nos aspectos visuais e de diálogo, nos personagens, penso se o filme vai manter meu interesse pelo longo tempo que eu precisarei dedicar a ele. Não penso nos meus outros filmes nem no que as pessoas esperam de mim. Então o público pode se surpreender por eu fazer um filme sobre Freud e Jung, um filme de época, um drama histórico, uma cinebiografia, você pode chamá-lo de tudo isso. Para mim, era um projeto de ressurreição, eu queria trazer esses personagens de volta à vida, para vê-los e ouvi-los. Foi um período maravilhosamente estimulante intelectualmente, o início da psicanálise. Essas são as coisas que têm apelo para mim, não penso em temas ou nas conexões com meus outros filmes. Ouvi pessoas dizerem que "A Dangerous Method" não é "um filme cronenberguiano". Ouvi o mesmo sobre "M.Butterfly" e "Marcas da Violência", que as pessoas diziam que era um filme de gângster. Nem sei o que dizer sobre isso porque não penso no que seria um "filme cronenberguiano", isso para mim é qualquer filme que o Cronenberg fez, nada mais.
O sr. costuma assistir a seus filmes antigos?
Não, nunca. Se estou passando pelos canais de TV e de repente aparece um filme meu, só consigo assistir por alguns segundos, mudo de canal. Não consigo vê-los como filmes, para mim são como documentários do que eu estava fazendo naquele ano, só consigo pensar nas pessoas com quem estava trabalhando, que idade eu tinha, em que estado mental estava, o que acontecia no mundo naquela época. Não consigo ser objetivo, não sei porque, não vejo nenhum motivo em particular para isso. Talvez tenha de ficar um pouco mais velho. Mas não sinto nenhuma necessidade de assistir a eles.
Olhando para sua carreira como um todo, que sensação o sr. tem?
Não vejo uma carreira, na verdade. Me lembro de quando meus agentes falavam que eu devia fazer algo porque ia ser bom para a minha carreira, como se ela fosse algo à parte, como se existisse algo que, apesar de não ser bom para mim, seria bom para minha carreira. Como se a carreira fosse um cachorro que você tivesse de alimentar. Sinto que mudei como cineasta, mas isso não tem a ver com minha carreira, tem a ver com meu trabalho como diretor. Meu diretor de fotografia, com quem trabalho desde "Gêmeos - Mórbida Semelhança" [1988], me disse que hoje filmo de maneira muito diferente de quando começamos, e isso é algo que eu sinto, uma sensação de domínio da técnica, de mais confiança. É preciso fazer um bom número de filmes até ter confiança para dizer "não preciso dessa tomada, não preciso filmar aquilo". E é exatamente o que eu sinto, que minha direção ficou muito, muito simples e muito eficiente porque eu tenho a confiança para saber do que eu não preciso. Isso foi uma mudança no meu trabalho de direção, mas não tem nada a ver com minha carreira ou com os projetos que escolho. Outra confusão comum que acontece é as pessoas me perguntarem por que, "nesse ponto em sua carreira", fazer um filme como "A Dangerous Method". Eu respondo que teria feito há 15 anos se soubesse dele e se tivesse conseguido financiamento. Foi a mesma coisa com "Gêmeos", levei dez anos para conseguir fazê-lo, teria feito dez anos antes se pudesse. É lisonjeiro quando as pessoas pensam "bom, com a sua reputação e todos os filmes que você já fez, pode fazer o que quiser agora", mas não posso. Estava conversando com Martin Scorsese sobre isso, as pessoas têm certeza de que ele pode fazer o filme que quiser, mas não, ele ainda precisa lutar por cada filme, e eu também. É comum você não conseguir fazer o filme que queria, por falta de financiamento, e acabar fazendo outro filme. Por isso digo que não há um grande plano sobre a carreira, cada filme é um mundo próprio, você se concentra nele e tenta fazer o melhor.
O sr. é um diretor autodidata. Isso fez diferença na sua direção?
Não. Você pode ir a quantas escolas de cinema quiser, mas quando está fazendo um filme de verdade é muito diferente. Não há escola que possa ensinar a experiência real de fazer um filme, elas só podem ir até certo ponto. É verdade que nunca frequentei uma, mas acho que a melhor escola é fazer o filme. Meus anos na Cinépix, em Montreal, onde fiz "Calafrios" [1975] e "Enraivecida - Na Fúria do Sexo" [1977], foram minha escola. Foi a melhor escola de cinema possível, porque eu aprendi fazendo os filmes, cercado de pessoas muito boas que me ajudavam a entender o que significava fazer cinema. Eu havia feito dois filmes underground antes ["Stereo", 1969, e "Crimes do Futuro", 1970], mas é algo completamente diferente de uma produção profissional, com a pressão do tempo e do dinheiro. Então eu digo que isso foi uma escola para mim, e acho que depois de alguns filmes você está no mesmo nível de qualquer outro, é uma questão de descobrir que tipo de cineasta você é. Eu digo aos estudantes de cinema que há infinitas maneiras de ser um diretor, não há regra. Recebo jovens com frequência nos meus sets, e eles me dizem que não vão conseguir ser diretores porque não são suficientemente cruéis, nervosos ou exigentes, não gritam. Eu digo a eles que isso é ridículo, que é uma mitologia do que é ser um cineasta que algum professor lhes ensinou. Na verdade, você desenvolve um modo de dirigir que se encaixe no seu temperamento. Se você for doce e gentil, ainda pode ser um diretor, assim como pode se for cruel e bravo.
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O ator Viggo Mortensen interpreta Sigmund Freud em "A Dangerous Method", novo filme de David Cronenberg
O ator Viggo Mortensen interpreta Sigmund Freud em "A Dangerous Method", novo filme de David Cronenberg
E que tipo de diretor o sr. é?
Sou doce e gentil. Gosto de me divertir, temos muito humor no set. Fazendo um filme você se lembra da infância, há um sentido de brincadeira, você se fantasia, coloca roupas engraçadas, um bigode, finge ser pessoas que não é, isso se parece com brincadeiras de criança, e eu gosto de manter esse sentimento.
O sr. crê que seus primeiros filmes passaram por uma espécie de revisionismo neste século? Os críticos passaram a valorizar mais as obras do início da sua carreira?
Acho que essas coisas acontecem. Devo dizer que "A Mosca" [1986] recebeu críticas muito boas quando foi lançado, ao menos na América do Norte, o que foi uma certa surpresa, porque muitos dos meus filmes anteriores não tiveram boas críticas. Mas isso varia de país para país. Acho que é importante viver muito tempo se você quer ser apreciado, se fizer algo fora do comum, algo que não é óbvio ou, em outras palavras, se você trabalha com um gênero que é considerado desrespeitoso, que tem má reputação. Quando comecei, não havia grande estúdio distribuindo um filme de horror, você só conseguia pequenos distribuidores. Quando "Halloween" [1978], do John Carpenter, rendeu muito dinheiro, os estúdios começaram a pensar que talvez devessem fazer filmes do gênero. Para as pessoas que gostavam de filme de horror, o fato de serem considerados underground era algo positivo, a ideia de que éramos fãs de algo que não era do gosto normal, mainstream, e que era considerado perigoso, isso agradava aos fãs. Eventualmente, no entanto, os filmes precisam se sustentar como cinema. E, quando são tirados do contexto daquele tempo, as pessoas podem começar a vê-los com um olhar novo. Então não é incomum que haja uma reavaliação constante. Houve um tempo em que Shakespeare era considerado um dramaturgo muito ruim. Acho que é bom poder ter uma carreira longa, porque você provavelmente verá todo tipo de altos e baixos, e isso te dá uma boa perspectiva. Você pode lançar um filme que não é tão bem recebido e ao menos esperar que um dia a crítica volte a ele e veja algum valor.
O sr. acredita que as cenas violentas e chocantes de seus filmes podem distrair o espectador da história, prejudicando a interpretação do filme?
Tenho certeza de que isso é verdade com relação a alguns dos filmes. O interessante é que, quando você tem fãs do gênero assistindo a filmes de horror, eles não ficam tão distraídos com isso, porque estão acostumados, esperam aquele tipo de imagem, a apreciam e a entendem. Eles têm um conceito para ela, mesmo em termos de cinema. Mas, quando é um crítico mainstream vendo um filme de horror, acho que é uma distração muito grande. Mesmo em, por exemplo, "Senhores do Crime". Um crítico da [revista] "New Yorker" adorou a luta na sauna, mas achou que fui longe demais quando mostrei a faca entrando no olho do cara, achou que era um erro de minha parte.
Em seus primeiros filmes, o senhor escrevia todos os roteiros, mas a partir de "A Hora da Zona Morta" (1983), basicamente só adaptou textos de outras pessoas, com exceção de "eXistenZ" (1999). O que aconteceu, o sr. perdeu o interesse em escrever?
Não foi isso, é que pode levar um ano ou mais para escrever um roteiro original, é uma questão de tempo e pressão. Se você pensar, caras como o Coppola e o Brian De Palma também costumavam escrever seus roteiros, e aí suas carreiras atingiram um certo ritmo e eles pararam, não porque perderam o interesse, mas porque teriam que decidir tirar um ano de férias, não olhar nenhuma proposta, nenhum roteiro, livro ou adaptação. É difícil fazer isso se você está com sua carreira em movimento. Fora isso, tenho um ou dois roteiros que nunca foram produzidos. Não é porque você escreveu que conseguirá financiamento. Há alguns roteiros sobre os quais você talvez não tenha ouvido falar e que não se transformaram em filmes, por várias razões.
O sr. fez muitos filmes nas primeiras duas décadas da sua carreira, e nos anos 90 desacelerou um pouco. Foi um movimento natural?
Não, acontece de você se envolver em projetos que caem. Agora, por exemplo, já rodei outro filme, "Cosmopolis", e foi a primeira vez que fiz dois filmes em sequência, quase ao mesmo tempo, em dois anos. E fiquei feliz, tenho energia para fazer isso, foi divertido, mas foi acidental, na verdade, porque funcionou em termos de financiamento, roteiro, reunir os atores.
Há tantas coisas que têm de funcionar para fazer um filme. Por exemplo, um dos roteiros que eu fiz e não foram filmados era para "O Vingador do Futuro" [baseado num conto de Philip K. Dick, acabou com outros roteiristas]. Passei um ano escrevendo 12 versões do roteiro e acabei não fazendo aquele filme [foi dirigido por Paul Verhoeven em 1990], por diversas razões. Foi um ano em que ganhei algum dinheiro e não fiz um filme. Nos anos 70, você ganhava o dinheiro antes mesmo de fazer um filme, você nem precisava ter um roteiro, e é claro que isso mudou. A outra coisa que você deve notar é que fazer filmes é um negócio, depende da economia. Quando aconteceu a crise recente, isso derrubou um bom número de filmes independentes. Certamente o dinheiro que receberiam não estava mais lá, porque quem os apoiava faliu. Então você não é completamente senhor do seu destino, você não faz filmes no vácuo. Todas essas coisas provavelmente são razões para essa desaceleração que você menciona.
A partir de "eXistenZ" (1999) o sr. parece ter se afastado do universo fantástico que lhe deu fama e passado a fazer filmes cada vez mais clássicos nos temas e nos tratamentos. As mutações que a tecnologia e a biologia impuseram ao mundo em que vivemos ultrapassaram sua imaginação?
Escrevi nesse período alguns roteiros que não foram filmados e que se encaixariam nessa categorização, então não acho que seja correto dizer isso. É verdade que em certos momentos você está interessado em explorar diferentes formas dramáticas, mas não é como se eu tivesse me afastado delas, é que eu sinto que já as explorei da melhor forma que podia e contribuí tanto quanto pude, seja para o gênero do horror ou da ficção científica. Se eu sentisse que tenho algo novo a oferecer, não hesitaria em fazê-lo, não é como se eu tivesse dito a mim mesmo "não devo mais fazer filmes fantásticos". À medida que você envelhece, sua sensibilidade e sua cabeça mudam, é um outro momento. Por outro lado, "Gêmeos - Mórbida Semelhança" e "M. Butterfly" [ambos anteriores a "eXistenZ"] não são filmes fantásticos.
Como o sr. vê a evolução da tecnologia no mundo e no cinema em particular?
Vivemos num mundo de ficção científica, sem dúvida. Os ataques dos drones [aviões-robô militares] no Paquistão, comandados por americanos em Nevada, isso é inacreditável, vai além de Philip K. Dick. É claro que sempre há aspectos assustadores na tecnologia, mas eu a adoro. Acabei de fazer "Cosmopolis" com câmera digital, foi a primeira vez que a usei em um longa e nunca mais quero filmar em película. Me sinto muito confortável, as ferramentas que temos hoje em dia são fantásticas, muito mais flexíveis do que os velhos meios analógicos. A edição de filmes já é digital há muitos anos e não há muita gente disposta a editar como nos velhos tempos.
E o que acha do cinema 3D?
Parece déjà vu para mim, é algo que eu vi nos anos 1950. Foi desenvolvido naquela época porque os estúdios estavam com medo de perder público para a televisão, então tiveram de criar coisas novas como o Cinemascope, o som estereofônico e o 3D. Assisti a muitos filmes 3D nos anos 50, como "Museu de Cera" e "Bwana Devil", e eles eram muito eficientes, mas, por razões diversas, a técnica não durou. E hoje, como então, não tenho certeza de que vá durar. Algumas coisas se tornam inevitáveis em cinema, como a cor e o som estéreo, mas não creio que seja o caso do 3D. Ele é uma possibilidade, não é essencial. Assisti a "Avatar" em Imax 3D e pensei "ok, legal", mas não achei que fez o filme ser melhor. Ainda não estou convencido sobre o 3D, em termos criativos. Conversei com Martin Scorsese sobre isso, ele estava fazendo "Hugo" em 3D e estava muito animado, me disse que há várias coisas que você pode fazer e que é muito interessante. Mas, de certa forma, é um retrocesso, torna a filmagem mais desajeitada e difícil, você precisa lidar com câmeras grandes. É claro que isso pode mudar, elas gradualmente ficarão menores, mas no momento há muitos movimentos de câmera que não é possível fazer em 3D. E é também muito mais caro, o que para mim significa ter menos chance de fazer algo criativo e interessante em termos da trama e dos temas do filme, porque ele terá de ser mais convencional já que é mais caro, você acaba tendo de fazer um filme mainstream de estúdio, não tem a chance de fazer algo experimental.
Como o sr. lida com a internet?
Uso a internet desde 1985, quando era apenas um message board, só palavras. Me sinto muito familiarizado e confortável com a internet, é um fenômeno incrível, uma das mudanças tecnológicas mais importantes da história. Como toda tecnologia, tem um enorme potencial para coisas boas e ruins, e temos visto ambas, juntas. As pessoas às vezes falam de tecnologia como se fosse algo vindo do espaço, mas obviamente vem de nós, é um reflexo do que somos como criaturas, e como temos potencial para coisas boas e ruins, assim é com a tecnologia. Ela é uma projeção nossa, uma extensão do nosso corpo, do nosso sistema nervoso.
E como lida com o fato de seus filmes serem pirateados na rede?
Quando fui à China para promover "M. Butterfly" [1993], me lembro de ter conhecido artistas que disseram ter assistido a meus filmes em versões piratas, e achei ótimo porque pelo menos meus filmes tiveram uma vida na China e essas pessoas puderam conhecê-los apesar da censura do governo. Me disseram que o mesmo aconteceu em Cuba. Ou seja, há um aspecto desse mundo de filmes piratas que é positivo. Por outro lado, eles realmente são piratas, estão roubando dinheiro de mim. Não em casos como o de "From the Drain", que é um dos primeiros curtas que eu fiz [e que está disponível no YouTube], porque não havia dinheiro ali. Mas no caso dos meus filmes mais recentes, é realmente furto, e é difícil porque você está tentando sobreviver como cineasta, o que já é suficientemente difícil, pode acreditar. As pessoas pensam nas estrelas ricas de Hollywood, mas elas não são cineastas. Você provavelmente ganharia mais sendo um advogado.
O sr. já recusou a direção de filmes hollywoodianos como "Flashdance", "Top Gun" e "Entrevista com o Vampiro". Não gosta de Hollywood?
Houve uma era em Hollywood, nos anos 40, 50 e também nos 70, que foi fantástica. Eu não diria que odeio Hollywood, é só que não me achava o diretor certo para filmes como "Top Gun". E certamente não queria viver em Los Angeles, porque acho que lá você perde a perspectiva, é uma cidade de uma única indústria, que é Hollywood, e você perde a perspectiva que tem no Canadá. Em Toronto, me sinto no meio do caminho entre a Europa e Hollywood, há muita influência europeia na minha maneira de filmar e eu gosto disso, não gostaria de perder isso me mudando para Los Angeles. Quanto mais você adentra LA, mais se afasta da Europa. Mas não odeio Hollywood, sei que, se você trabalha para um estúdio, é um jogo diferente do de fazer um filme independente. Mas se você conhece o jogo que está jogando e quer jogá-lo, não deve haver problema. Você sabe que, quando está trabalhando para um estúdio, não terá a liberdade que teria fazendo, por exemplo, um filme independente com Jeremy Thomas, o produtor de "A Dangerous Method". Mas terá provavelmente mais dinheiro, então é uma troca. Você tem de decidir se quer jogar esse jogo.
O que aconteceu com "Maps to the Stars", seu filme sobre a indústria de Hollywood?
Não consegui fazê-lo, era muito extremo, acho que as pessoas estavam com medo dele. Era um roteiro maravilhoso do Bruce Wagner, um escritor e roteirista que é meu amigo e que escreve muito sobre Hollywood e Los Angeles. Achei a história fantástica, mas ela é muito extrema, muito cruel, acho que foi considerada muito chocante e por isso não tivemos a chance de fazê-lo. Mas nunca se sabe, pode ser que ainda saia, é um roteiro de que gosto.
O sr. conhece o Brasil?
Não, nunca estive na América do Sul, é bizarro. Conheci Ayrton Senna, estive com ele no México e na Austrália em 1986, assistindo aos GPs, porque queria fazer um filme sobre corridas de Fórmula 1, então o encontrei algumas vezes, e isso é o mais próximo que já estive do Brasil. Gostei muito de Senna, era muito doce e gentil, conversamos sobre corridas e perguntei se ele sonhava com as pistas, porque eu fui corredor não profissional e sempre sonhava com as pistas, era como se praticasse durante meus sonhos. Ele me disse que também sonhava assim às vezes, que via as corridas em detalhe e era como se estivesse treinando. Eu era um grande fã de Senna, assim como de Gilles Villeneuve, o melhor piloto canadense.
E o que conhece de cinema brasileiro?
Alguns diretores brasileiros dos anos 1970, de filmes de arte, causaram um grande impacto em mim. Não me lembro dos nomes, minha memória é ruim para isso. Quem dirigiu "Antonio das Mortes" [título internacional de "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, de Glauber Rocha]? [Ao ouvir a resposta] É, isso.
Viu algo da produção mais recente?
Sim, "Cidade de Deus" é um filme incrível. Conheço Fernando Meirelles, o encontrei algumas vezes e assisti a vários de seus filmes, inclusive "Ensaio sobre a Cegueira", que é uma coprodução entre Brasil e Canadá e também é muito bom. E conheço Walter [Salles] também, assisti a alguns de seus filmes, ele também trabalhou com Viggo Mortensen [ator dos últimos três filmes de Cronenberg], em "On the Road", e eu fiz "Mistérios e Paixões" ["Naked Lunch" no original, que, assim como "On the Road", é uma adaptação de clássico da literatura beat], então temos essa estranha conexão.
Confira o trailer de "A Dangerous Method":
Confira o trailer de "A Dangerous Method":
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Entrevista a Marco Aurélio Canônico, para a Folha de S.Paulo
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