No último dia 6 de junho, o caderno Folhateen da Folha de S.Paulo, focado nos adolescentes, trouxe como matéria de capa a reportagem Curtindo a Vida Adoidado, que tinha como tema adolescentes que não trabalham, vivem no ócio e pendurados nos bolsos dos papais.
Assinada por Carlos Minuano como "colaboração para a Folha", eufemismo que o jornal usa quando uma matéria é feita por um repórter free-lancer, trazia pérolas como:
"Andréa M., 22, formada em gastronomia, revela sua receita predileta: levar a vida em banho-maria. 'Em plena quarta-feira, fui à praia com uma amiga. Se eu estivesse trabalhando, isso não seria possível', diz.
Andréa admite que os seus pais não concordam muito com sua situação atual.
'Vivem me dizendo para ir trabalhar. Mas agora, no inverno, prefiro é ficar embaixo das cobertas.'
Andréa está entre os 3,4 milhões de brasileiros com menos de 24 anos que não estão nas salas de aula e nem atuando no mercado formal de trabalho.
O número é um estudo recente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas).
A maioria desses jovens, porém, não está longe do mercado de trabalho por preguiça. Há todo tipo de razão: rapazes fora do mercado por causa do serviço militar, jovens mães, portadores de deficiência física ou mental, dependentes químicos e, é claro, gente que procura emprego e não acha.
Andréa, porém, está confortável com a sua situação, ao contrário dos jovens espanhóis, que vão às ruas protestar.
Ela não é, claro, a única jovem com boa formação que optou, com a anuência dos pais, pelo ócio como forma de vida".
E foi aí que o jornal mostrou desatenção e irresponsabilidade na apuração dos fatos, publicando uma matéria tendenciosa e mentirosa.
Na matéria, saiu assim:
"Para Bruno Wolfsdorf, 21, por exemplo, as férias também duram o ano inteiro. 'Meu dia começa às 13h, horário que costumo acordar, depois vou para o videogame ou computador', diz.
Ele acabou de chegar de um mochilão de um ano na Europa.
Ele também estudou gastronomia e fala inglês, espanhol e hebraico. Diz não querer ficar muito tempo sem fazer nada, mas não reclama.
"Não está ruim, o que pega mesmo é na hora da grana."
O jovem costuma sair todos os dias nos bairros Itaim Bibi, Vila Madalena e Morumbi.
A grana, lógico, vem do bolso dos pais.
Ele não tem carro próprio, mas isso não é problema.
'Em casa sempre tem um na garagem que eu posso usar.'"
Poderia passar por mais uma matéria desinteressante do já há muito desinteressante caderno semanal dedicado aos adolescentes da Folha, não fosse um Outro Lado, publicado no mesmo caderno ontem, 11 de julho.
"Em razão do teor ofensivo da reportagem publicada no "Folhateen" em 6 de junho de 2011, sob o título "Profissão preguiça", de autoria do colaborador Carlos Minuano, a Folha de S. Paulo, respeitando os princípios éticos que devem existir em todos os órgãos de imprensa, concedeu-me direito de resposta.
Meu nome é Bruno Wolfsdorf, e sou o jovem que Carlos Minuano qualificou como preguiçoso sem ter realizado uma única entrevista comigo.
Em verdade, a reportagem publicada como de autoria de Carlos Minuano foi realizada por outra jornalista, que me convidou para participar de uma entrevista quando eu estava numa fila de emprego.
A jornalista informou que a reportagem iria mostrar 'um panorama dos jovens que estão à procura de emprego' - justamente o meu caso.
Infelizmente, a matéria elaborada pela entrevistadora foi editada e alterada pelo repórter, que, ao que consta, nem sequer a alertou ou consultou a respeito das absurdas deturpações de conteúdo e do próprio escopo da matéria.
Aliás, não foi solicitada nem autorização para a publicação de meu nome completo.
O que se tem, portanto, é que o repórter maculou meu nome e minha reputação sem nenhum compromisso com a verdade, mesmo porque não constou na matéria o conteúdo real da entrevista.
Não constou, por exemplo, que trabalhei desde os 15 anos e que, após o término da faculdade, viajei para a Irlanda para aprender inglês e trabalhar na minha área, gastronomia.
Também não constou que, com a crise na Europa, o trabalho nessa área ficou difícil e que acabei fazendo "bicos" de toda espécie para me manter, tais como pintor, pedreiro, entregador de panfletos e até empregado doméstico.
Em suma, não fui "mochileiro" nem "filhinho de papai", muito menos optei pela preguiça como profissão, como mencionou o texto.
Enfim, todos os dias envio currículos e estou em busca de oportunidade, mas, até o momento, tudo o que consegui foram empregos temporários.
Apesar da formação superior, de falar várias línguas e de participar de trabalhos voluntários, ainda não encontrei trabalho na minha área - esse deveria ser o foco da entrevista concedida!
Infelizmente, nos comentários feitos pelos leitores, fui chamado de vagabundo, fútil, inútil e outras coisas piores.
Vi até meus pais - pessoas sérias, trabalhadoras e cumpridoras dos seus deveres- serem chamados de irresponsáveis e outras barbaridades.
Diante disso, agradeço o espaço concedido e convido a todos os leitores que, antes do exercício da crítica destrutiva, busquem, ao menos, verificar se a notícia mostra os dois lados da história".
E o que a Folha fez a respeito?
Abaixo do Outro Lado do jovem Bruno, o jornal se limitou a publicar uma Nota da Redação:
"A Folha não tinha conhecimento de que o repórter, que é free-lancer, havia delegado a entrevista a outra jornalista free-lancer.
Já foram tomadas providências para que isso não volte a ocorrer".
As alegações de Bruno Wolfsdorf, confirmadas pela Nota da Redação - de que não foi entrevistado por Carlos Minuano - que assinou a matéria -, e que foi, sim, entrevistado por uma repórter quando estava numa fila em busca de emprego, que sempre trabalhou e que não pode ser considerado, nem preguiçoso, nem filhinho de papai - são graves, muito graves, isso no momento em que o jornal conseguiu finalmente se livrar do Coroné Sarney, deu ânimo novo à carreira do Clóvis Rossi e contratou - ou re-contratou - gente da melhor qualidade para escrever.
Fre-Lancer que terceiriza entrevista; repórter quarteirizada que aborda um jovem numa fila de emprego, dizendo que a entrevista era sobre emprego; o jovem, de bom grado, concede a entrevista, e se vê rotulado como vagabundo nas páginas de um dos maiores jornais do mundo.
Isso é UM ESCÂNDALO, uma desfaçatez que me lembra o feitiço virando contra o feiticeiro, no recente episódio do News Of The World inglês.
A Folha deve aos seus leitores e assinantes - eu incluso - um pedido de desculpas, e mais, deve ao jovem Bruno matéria de igual tamanho da PROFISSÃO PREGUIÇA, inclusive como capa do FOLHATEEN, abordando a batalha de quem, mesmo tão preparado quanto ele, por ser jovem, não consegue emprego nesse país.
Jornalismo terceirizado?
É o fim!
Um comentário:
Ih, isso é mais do que normal no meio.
Sou formada em Jornalismo e "oficialmente" não trabalho mais na área, por opção mesmo. Mas muitas vezes ainda pego material repassado por outros colegas. Eles me entregam a pauta, eu escrevo a matéria e eles assinam - e no fim eu só pego meu pagamento. Isso é muito comum e não acontece só na Folha de S.Paulo. E é procedimento normal também no meio editorial. Traduções, adaptações de livros, copidesque... Muita gente terceiriza o trabalho.
Aí você pergunta: por que isso acontece? Por vários motivos... Muitas vezes o freelancer está com trabalho demais e prazos muito apertados (devolver ou recusar trabalhos te deixa numa espécie de "lista negra" entre os editores); às vezes ele não se identifica com o veículo, mas não quer perder a chance de assinar mais uma matéria; às vezes ele não pode aceitar por falta de prazo hábil para fazer, mas precisa firmar o nome no meio; e por aí vai. Muitos editores-chefes não sabem da prática e outros sabem e compactuam com ela.
Bem... O fato é que a Folha não fez nada de muito diferente dos outros veículos. Muitos jornalistas têm seus ghost writers.
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