Amor durante golpe Chileno
"Post Mortem", filme chileno exibido no Festival de Veneza neste domingo, conta uma história de amor fadada ao fracasso, entre um funcionário de um necrotério e uma dançarina, no contexto do golpe militar no Chile em 1973 que derrubou o presidente Salvador Allende.
O filme é o último de uma série de produções latino-americanas sobre a ditadura e a inquietação política na região, tema que atraiu a atenção de Hollywood - o filme argentino "O Segredo dos Seus Olhos" venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro neste ano.
O protagonista do filme chileno é Mario Cornejo, que transcreve relatórios de autópsias em um necrotério rapidamente lotado com corpos de vítimas civis nos dias anteriores ao golpe de Augusto Pinochet que derrubou Allende.
Cornejo, um homem desajeitado, recluso e passivo que demonstra poucas emoções diante do que ocorre ao seu redor, se apaixona por sua vizinha Nancy, uma dançarina de cabaré cuja família está envolvida em atividades políticas pró-democráticas.
Quando a casa de Nancy é invadida e vasculhada pelo Exército, Cornejo sai em uma busca para encontrá-la - como muitas famílias fizeram com pessoas que desapareceram no período de violência.
Foto: Getty Images
O diretor Pablo Larraín abraça a atriz Antonia Zegers antes da première de "Post Mortem"
O diretor Pablo Larrain disse que o filme é uma tentativa pessoal de compreender os eventos que ele não viveu pessoalmente, através dos olhos de pessoas comuns e sem assumir uma posição moralista.
"O filme não pretende ser um panfleto ou ser ideológico de alguma forma", disse Larrain, que também teve a era Pinochet como pano de fundo de seu filme "Tony Manero", de 2007.
O longa arrancou aplausos e elogios de vários críticos por sua linguagem inovadora e experimental, e está entre os 24 candidatos ao Leão de Ouro.
O corpo do socialista Allende estendido sobre uma maca do necrotério de Santiago, enquanto o médico se prepara para dissecar seu cadáver diante de uma fila de militares, leva o espectador para um dos momentos mais dramáticos da história da América Latina, e obriga os protagonistas a tomarem uma posição frente ao regime de terror que está sendo imposto.
"Allende é um personagem essencial da história do mundo. Seu nome, condição e categoria humana são universais. Não me pareceu necessário pedir autorização para usar sua imagem, embora tenhamos muito respeito por sua figura e por sua família", disse o diretor chileno à AFP.
"É a primeira vez que o corpo de Allende é visto nessa dimensão, com o crânio arrebentado. É provável que isso gere polêmicas no Chile, mesmo tendo sido feito com muito respeito", reconhece o ator Alfredo Casto, que vive o obscuro funcionário do necrotério que redige o relatório militar.
"A autópsia de Allende é a autópsia do Chile", disse Larraín que, nascido em 1976, três anos depois do golpe, aborda o tema da ditadura militar com um olhar muito pessoal, íntimo, ao tentar captar "esse espaço ambíguo dos vivos e dos mortos".
A transformação - de obscuro funcionário para colaborador dos militares - de Mario Cornejo (Alfredo Casto), um homem só que está apaixonado secretamente por sua vizinha (Antonia Zegers), dançarina de cabaré com um pai comunista, é narrada com imagens desoladoras, em lugares pobres e sombrios.
O longa-metragem é o único filme latino-americano em competição no festival.
Para um dos críticos do jornal italiano Il Manifesto, Roberto Silvestri, o filme tem "uma força considerável, por sua linguagem, que fala com o espectador de forma humana e não de cima para baixo", comentou à AFP.
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"Meek's Cutoff": Faroeste com olhar feminino
A paisagem é a mesma na qual nos acostumamos a ver John Wayne, mas conforme a câmera avança, notamos que, entre alguns homens e seus cavalos, há também mulheres.
Essa é só a primeira estranheza provocada por "Meek's Cutoff", o contemplativo western da diretora norte-americana Kelly Reichardt, concorrente ao Leão de Ouro em Veneza.
As imagens nos transporta para o cenário desértico dos filmes de John Ford, mas são outros os seus personagens, e é outro o tempo de sua câmera.
Reichardt - nome respeitado no cinema independente nos Estados Unidos - coloca em cena três famílias que tentam atravessar as montanhas rochosas do Oregon, em 1845, numa jornada em busca de água.
A cineasta, que veio a Veneza para apresentar o filme, conta que a história teve, como ponto de partida, diários daquele período.
"Os diários mostram que, para as mulheres, essas jornadas eram muito particulares. O sentimento de solidão e de medo era muito maior do que entre os homens", diz.
"Mas, nos westerns, elas foram muito pouco retratadas."
No filme, elas são vistas fazendo tricô, cuidando do filho e interferindo no destino que, conforme a jornada avança, se mostra cada vez mais duro.
Tanto quanto as mulheres, Reichardt quis mostrar a imensidão daquele lugar onde a água não chega.
Para isso, adotou um formato diferente: a tela, em seu filme, é quadrada.
"Achei que, assim, as pessoas poderiam ver a profundidade do deserto e, ao mesmo tempo, manter-se perto dos personagens. Acho que, dessa maneira, é possível sentir o espaço, a dureza imposta pelo lugar", afirmou a cineasta, que é professora de cinema da Bard College, em Nova York.
A onipresença do deserto e o pesado caminhar dos personagens de "Meek's Cutoff" são de tal modo intensos que, ao fim da sessão, a sensação de sede foi o que os espectadores mais sentiram.
Sen-sa-cio-nal!
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Acompanhe as imagens do dia a dia do Festival de Veneza:
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