terça-feira, 14 de setembro de 2010

A ABERTURA DE CUBA FINALMENTE COMEÇOU

Por que Fidel Castro escolheu uma revista americana para dar sua segunda entrevista - a primeira foi ao
"La Jornada" mexicano - desde que ressurgiu das cinzas depois de longa reclusão por motivo de saúde?

E por que ele fez questão de declarar nessa entrevista que o antigo modelo cubano "não funciona nem sequer" para Cuba?

Primeiro, pela revista "The Atlantic" ser considerada liberal.

Segundo, se sabe agora que o repórter Jeffrey Goldberg não viajou a Havana sozinho, foi a Cuba em companhia da acadêmica americana Julia Sweig - especialista em Cuba do Council on Foreign Relations.

Fidel convidou os dois, o que resultou numa empreitada não só jornalística, mas também diplomática.

Foto: jornal "Granma"
O ex-ditador cubano Fidel Castro

Só para constar: o Council tem relações íntimas com o poder americano, e costuma estar em dia com os ventos que sopram na capital dos EUA.

A secretária de Estado, Hillary Clinton, o visitou recentemente e oficialmente, e Julia certamente foi portadora de algum tipo de recado dos americanos para Cuba.

Na longa entrevista, Fidel recordou acontecimentos traumáticos - como a crise dos foguetes em 1962 - e não titubeou em fazer um "mea-culpa".

Disse que já não pediria, como pediu, que a ex-União Soviética atacasse os EUA com armas nucleares, desde que houvesse riscos de uma invasão de Cuba, e que sabe hoje que isso de nada adiantaria.

O recado de Fidel - transmitido por meio da "Atlantic" e do Council on Foreign Relations é: Havana está pronta para conversar, com abertura externa e interna, com o esperado anúncio da redução do papel do Estado na economia cubana.

E essa nova proposta veio mais rápido do que se esperava: ontem, o governo cubano anunciou que vai demitir até março de 2011 ao menos 500 mil trabalhadores estatais, ou cerca de 1 em cada 8 integrantes de sua inchada máquina pública.

Mais meio milhão seria "excedente" no país, e provavelmente será demitido numa segunda etapa.

O corte é uma das mais importantes e delicadas medidas econômicas do país, em pelo menos 20 anos.

A demissão em massa foi comunicada pela Central de Trabalhadores de Cuba (CTG), ligada ao governo, em informe no jornal estatal "Granma".

A previsão é que os cortes ocorram de maneira escalonada na ilha, e comecem no mês que vem.

A dura nota da CTG, em sintonia com os discursos do ditador de plantão da ilha, Raúl Castro - irmão de Fidel - , prega contra o "paternalismo" do Estado e fala que Cuba "não pode nem deve" manter um funcionalismo inflado, que gera perdas e "maus hábitos".

O texto fala em redução "de vultuosos gastos sociais", eliminação de "subsídios excessivos" e o "estudo como fonte de emprego e aposentaria antecipada".

Segundo a CTG, os demitidos serão inseridos no setor "não estatal" da economia - e apenas as vagas "imprescindíveis" serão repostas no Estado, em áreas como agricultura e educação.

Para ampliar as vagas no setor privado, o governo incentivará o "arrendamento, o usufruto de terras, cooperativas e trabalho por conta própria".

O ditador já tinha anunciado em agosto que o Estado facilitaria licenças para pequenos negócios - hoje restritas - de barbearias a pequenas oficinas mecânicas, que esses negócios passarão a pagar impostos, e que poderiam, pela primeira vez, contratar funcionários.

A central anunciou que a medida faz parte do plano de "atualização do modelo econômico" cubano - os dirigentes comunistas rejeitam a palavra "transição".

O Estado paga apenas US$ 17 mensais em média, e a opção de trabalho por conta própria é considerada mais atrativa.

Cuba tem pouco mais de 5 milhões de ocupados, 4,2 milhões no Estado.

ANÁLISE

A demissão em massa é considerada uma medida necessária há anos para aumentar os baixos índices de produtividade da ilha, mas é arriscada politicamente, uma vez que as vagas desaparecerão quando as liberalizações no pequeno sistema privado apenas engatinham.

A reestruturação trabalhista é a mais significativa reforma de Raúl, que prometeu fazer modificações "estruturais e de conceito" quando assumiu o poder em fevereiro de 2008.

Naquele ano, o governo fez a outra reforma maior, com a distribuição de terras ociosas do Estado a cem mil pequenos produtores.

"É uma medida necessária, mas preocupante. Em abril, serão 500 mil pessoas sem trabalho sem que o governo tenha feito as reformas para absorvê-los. O que foi feito até agora é muito tímido. O modelo não precisa de atualização, mas de mudança radical", diz o economista dissidente Oscar Chepe.

PARA OS EUA, DEMOROU

O governo norte-americano reagiu com ironia às mudanças econômicas anunciadas em Cuba.

"Nós vimos o que Fidel Castro disse, que o modelo não funciona mais em Cuba. Há algum tempo tentamos dizer isso a ele", disse um porta-voz do Departamento de Estado.

Julia Sweig, do Council on Foreign Relations, afirmou em conferência telefônica que o anúncio representa um risco político, mas é um enorme passo econômico.

"É o tipo de coisa que gera críticas ao governo caso façam ou não façam", disse ela, que se reuniu recentemente com Fidel em Havana, com um jornalista da revista americana "The Atlantic".

Para Sweig, a mudança, como outras do dirigente máximo Raúl Castro, não é uma "submissão" ao capitalismo.

ENTREVISTA: GILBERTO PIÑEDA

Para o mexicano Gilberto Piñeda - autor de "As reformas econômicas em Cuba: de um modelo de planificação centralizado à planificação descentralizada" - , a ilha segue planos traçados no 4º Congresso do Partido Comunista, em 1991.

Na época, o governo decidiu reabrir o mercado interno, permitir associação econômica com capital estrangeiro e possibilitar o financiamento interno com dinheiro estrangeiro.

Folha - As mudanças do 4º Congresso se aceleraram?
Gilberto Piñeda - As tendências são as mesmas, com modificações para ajustes monetários e mercantis. Mas o sistema político cubano tem muitas limitações para se abrir por causa do confronto com o imperialismo norte-americano.
As condições para abertura estão praticamente descartadas.

Já se passaram 20 anos.
A abertura estava muito focada nas relações econômicas que havia com a Venezuela, onde o PIB vem caindo nos últimos anos. As esperanças cubanas estavam colocadas na economia venezuelana.

Em 1991, não havia Hugo Chávez.
Mas era uma necessidade [propor abertura] por causa do colapso da União Soviética. O regime cubano não apostava nisso. Foram obrigados a utilizar esse sistema monetário mercantil.

Mas a abertura está acontecendo ou são apenas declarações?
Não é uma abertura generalizada. São ajustes, apesar da magnitude dessa demissão. É mais a crise interna da economia cubana do que uma orientação. Querem dar uma saída rápida.

O que acontece quando a pessoa é demitida em Cuba?
Continua tendo todos os direitos. Não fica sujeita às forças do mercado.

*****

Os ventos da mudança - para melhor - finalmente sopram na ilha, e, sinceramente, torço muito para ver o povo cubano, tão parecido com o brasileiro, feliz, produtivo e próspero num futuro não tão distante.

Fontes:
*Agências Internacionais
*jornal "La Jornada"
*revista "The Atlantic",
*Folha de S.Paulo (entrevista de Gilberto Piñeda ao repórter André Lobato)

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