terça-feira, 28 de setembro de 2010

ALESSANDRA NEGRINI E A MULHER DE 40

Em seu "auge feminino", a atriz Alessandra Negrini filma no Rio longa de Karim Aïnouz e diz que é "caretice da porra e machismo" achar que uma pessoa de 40 anos já é velha.

"Nossa, isso aqui é a coisa mais feia", diz a atriz Alessandra Negrini sobre o curativo de mentira que a maquiadora coloca em sua testa. "Mas bota um pouquinho de rímel e um batonzinho, né? A mulher já tá ferrada."

A "mulher" é Violeta, sua personagem no longa de Karim Aïnouz inspirado na canção "Olho nos Olhos", de Chico Buarque. No filme, ainda sem título, Violeta é abandonada pelo marido e, segundo a atriz, "vai perdendo os limites do corpo, se ferrando inteira". "O bom é que no cinema o comprometimento é com a verdade e não com a beleza", diz a atriz.

Fotos: DaryanDornelles/FolhapressA atriz Alessandra Negrini

É domingo à noite em Copacabana, no Rio, onde o filme é rodado. O ponto de encontro da equipe é uma farmácia na esquina da avenida Nossa Senhora de Copacabana com a rua Paula Freitas. Um pequeno caminhão é improvisado como camarim. É lá que Alessandra Negrini está, ainda de jeans, camiseta preta e sandália de salto anabela. No colo, o roteiro com suas falas e um iPod.

Alessandra diz que nunca foi abandonada. "Uma situação igual à dela eu, graças a Deus, nunca vivi. Mas esse peito ardendo eu sei o que é. Todo mundo sabe o que é a falta [de alguém]", diz. Ela já foi casada com o ator Murilo Benício, pai de Antônio, de 14 anos, e com o cantor Otto, pai de Betina, sete anos. Hoje namora o ator Sérgio Guizé.

"Aqui tem um fiozinho levantado", aponta um fio de cabelo para a cabeleireira, depois de fazer, ela mesma, o coque de Violeta. "Esse coque não pode ser assim, senão ele fica fashion", diz a cabeleireira. "Mas esse fio não precisa ficar aqui", reclama a atriz. Alguns minutos depois, chega o diretor de arte. "Querida, por favor, podemos prender seu cabelo?" "Não vou mais tocar nele, podem arrumar. Mas tava muito feio", finaliza Alessandra.

A atriz vai até a porta do caminhão-camarim. Chove. Karim entra no camarim para explicar a primeira cena do dia, que será em outra esquina, não muito longe dali. "Não se esqueça de sentir dor, já que ela está machucada", pede o diretor.

Com 40 anos recém-completados no dia 29 de agosto, no set, achou "legal ter passado a data trabalhando, sem ter precisado pensar em festa". "É bom fazer 40. É um recomeço, você dá uma zerada", fala: "quero fazer isso, quero fazer aquilo'", diz. "Na verdade, aos 40, você começa a se sentir mais poderosa pra fazer algumas coisas, se sente mais forte pra se aventurar. Algumas coisas cansaram, já encheram o saco. Quero alçar novos voos, escrever, voltar a morar em São Paulo, perto da família."

Já com saia preta, legging cinza, blusa rosinha e bota de salto, roupas da personagem, Alessandra entra em um Corolla preto para ir à esquina da rua Djalma Ulrich, onde acontecerá a filmagem. "É muito longe?", pergunta ao motorista, enquanto abre o vidro e observa o bairro, com o roteiro no colo. "Moro no Leblon, mas tô começando a olhar mais pra Copacabana. Tenho alguma coisa com Copacabana. Fiz a novela ["Paraíso Tropical"] aqui, a minissérie "As Cariocas" [fez o episódio "A Iludida de Copacabana", ainda inédito] e, agora, o filme."

A atriz e o diretor Karim Ainouz, nas filmagens em Copacabana

Ela diz que "é uma caretice da porra, machismo" quem acredita que uma atriz possa perder trabalhos com a idade avançando. "Esta é a minha melhor fase. Tô no meu auge feminino. Acho todo o resto uma puta enganação, senso comum, consumismo. Se eu fosse pensar assim, não seria artista. Você acreditar que uma mulher de 40 possa ser velha é bizarro."

"Nossa, que longe, hein?", reclama, bocejando. "O ritmo tá corrido. Temos filmado todos os dias das 18h às 6h da manhã. Me lembra um pouco o ritmo da novela ["Paraíso Tropical", de Gilberto Braga, em que fez gêmeas, em 2007]. A diferença é que aquilo foi um ano inteiro e aqui será só um mês." Ela desce do carro. E reclama: "Por que paramos tão longe?". Anda menos de uma quadra até o set.

Voltar às novelas ainda não é certo. "Primeiro preciso ser convidada", diz. "Tô há dois anos e meio longe da televisão. Foi bom porque fiz cinema, teatro. Mas adoro TV." Alessandra foi convidada para participar de "Passione", atual novela das oito da Globo, de Silvio de Abreu, e recusou. "Não achei que [o papel] era pra mim. Eles [diretores da Globo] também não acharam adequado."

Alessandra, agora Violeta, precisa andar perto dos carros na avenida e atravessar o cruzamento na faixa de pedestres para mais uma cena do filme. Ela vai e vem várias vezes. Do outro lado da rua, algumas pessoas assistem ao movimento. "É novela, né? Ah, é filme? E não tem nome ainda? Posso sugerir? "Uma Mulher Perambulando na Nossa Senhora de Copacabana'", diz uma jovem. "Não é Flávia Alessandra [a atriz]! É a Alessandra Negrini", uma amiga diz à outra. "Ela é metida, passou aqui já várias vezes e nem deu oi", comenta outra.

Uma hora depois, uma viatura passa ao lado de Violeta. A luz da sirene entra no quadro. "Sublime!", diz Karim. "Corta!" Alessandra troca a bota de salto alto por um chinelo. Os fãs se aproximam, e ela, agora, atende a todos. "Cinco minutinhos pra foto, vamos lá pessoal", diz, abraçando as pessoas. "O assédio do público não me incomoda. O que incomoda é o assédio da imprensa, essa apropriação."

Às 21h40, a equipe faz um intervalo para o jantar em um restaurante por quilo. A atriz come legumes, salpicão de frango, picanha, arroz e farofa. Se senta à mesa com Karim e o ator Milton Gonçalves, com quem dividirá a próxima cena. "Sou médio vaidosa. Estou feliz como sou. Tento manter o corpo, malho. Mas como doce, bebo. Vivo com prazer. Não gosto dessa coisa de geração saúde, essas paranoias. Gosto de ser livre. Essa ditadura de alimentação saudável, ah, que encheção de saco."

Posar nua novamente não está em seus planos. "Volta e meia me chamam. Fiz uma "Playboy" [em 2000] da qual me orgulho muito, mas hoje não faz mais sentido", diz a atriz, que ficou marcada como a personagem Engraçadinha na minissérie inspirada na obra do dramaturgo Nelson Rodrigues. "Não sei ver se sou sensual. Acho que sensualidade faz parte da vida. É você estar vivo, respirando, provocando, sentindo o mundo."

Às 23h30, ela se arruma novamente no caminhão-camarim para a próxima cena, dentro de uma farmácia. "Normalmente dou uma dormidinha após o jantar. A produção arrumou um colchão pra mim. Mas hoje tenho que discutir a cena com o Karim e o Milton Gonçalves."

Ela conta que tem planos de voltar à sala de aula. Alessandra abandonou a faculdade de ciências sociais na USP para virar atriz. "Quero estudar cinema, filosofia. E quero produzir uma peça. Você só faz o que quer quando produz." Em outubro, ela estreia em SP a peça "A Senhora de Dubuque", com direção de Leonardo Medeiros.

Alessandra entra na farmácia e ensaia as cenas que serão gravadas de madrugada. A atriz tem cinco filmes, sete novelas e três minisséries no currículo. "Fazer cinema de autor, de experimentação, é um sonho. Me sinto sempre começando", diz ela, antes de pedir licença para se concentrar no texto.
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Matéria da repórter Lígia Mesquita, da coluna "Mônica Bergamo", publicada na "Folha de S.Paulo" de domingo, 26 de setembro

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