terça-feira, 7 de setembro de 2010

DOM PEDRO 1º É O PERSONAGEM PRINCIPAL DE NOVO LIVRO DE AUTOR BEST-SELLER

Figura central da Independência do Brasil, Dom Pedro 1º desperta paixões e dúvidas entre os historiadores.

Mesmo a historiografia oficial o retrata de maneira controversa – um príncipe caprichoso, exímio músico, amante da equitação e um mulherengo inveterado.
No entanto, era abstêmio.

Imagem: Arquivos do Klau
Retrato do primeiro Imperador do Brasil Dom Pedro I, pintado por Benedito Calixto

“Dom Pedro foi um meteoro que cruzou os céus da história numa noite turbulenta. Deixou para trás um rastro de luz que ainda hoje os estudiosos se esforçam por decifrar. Viveu pouco, apenas 35 anos, mas seu enigma permanece nos livros e nas obras populares que inspirou”, descreve o jornalista Laurentino Gomes - autor do best-seller "1808" e que agora lança sua continuação, "1822", uma grande reportagem sobre o processo de independência do Brasil.

“Nasceu e morreu no mesmo quarto no Palácio de Queluz. Um quarto simbolicamente chamado ‘D. Quixote’. E não haveria local mais adequado para um personagem tão quixotesco quanto D. Pedro”, teoriza.

“Além das duas mulheres oficiais – as imperatrizes Leopoldina e Amélia – teve mais de vinte amantes conhecidas, que incluíam escravas do palácio, senhoras da corte, mulheres casadas, dançarinas e atrizes, uma vendedora de louças e até uma freira do Convento da Esperança da Ilha Terceira, no Arquipélago dos Açores”, conta Laurentino, que pesquisou entre mais de 80 livros, além das 150 fontes que utilizou para escrever "1808", seu primeiro título.

Em entrevista ao UOL, Laurentino também contou que o grande amor da vida do primeiro imperador brasileiro foi a Marquesa de Santos - a paulista Domitila de Castro de Canto e Melo.
“Grande namorador”, como o jornalista se refere ao primeiro imperador, ele também teve um caso com a irmã de Domitila, Maria Benedita, que depois ganharia o título de Baronesa de Sorocaba.

Com suas mulheres oficiais e as amantes, sabe-se que Dom Pedro teve pelo menos uma dúzia e meia de filhos.
“Mas, curiosamente, assumiu e reconheceu todos eles, incluindo os bastardos”, diz o autor.
“Dom Pedro era um pai amoroso e atento às necessidades dos filhos, como mostram as cartas e bilhetes que trocava com eles. Alguns eu reproduzo no meu livro.”

Para Laurentino, o imperador foi “um personagem à frente do seu tempo”.
Admirador de Napoleão – o mesmo que fizera com que a Família Real fugisse para o Brasil em 1808 – “tinha um discurso liberal, mas uma índole autoritária”.

“Fechou a constituinte em 1823 porque os deputados não se curvaram à sua vontade e, no ano seguinte, outorgou ao Brasil uma das constituições mais liberais e avançadas da época”, exemplifica o autor, que retrata Dom Pedro como “um homem de idéias próprias e bem diferentes daquelas defendidas pelo seu pai, D. João VI, e a mãe, Carlota Joaquina”.

Questionado sobre a importância de José Bonifácio, conhecido como o Patriarca da Independência, Laurentino diz: “Com a ajuda dele, o jovem príncipe de apenas 23 anos conseguiu manter o país unido naquele momento em que os riscos de uma guerra civil e de separação das diferentes províncias eram enormes”.

Confira outros trechos da entrevista do autor ao UOL EDUCAÇÃO:

UOL Educação - "1822" é um livro apenas para quem gosta de histõria?
Laurentino Gomes - No livro eu mostro que em 1822 o Brasil tinha tudo para dar errado. De cada três brasileiros, dois eram escravos, negros forros, mulatos, índios ou mestiços. O analfabetismo era geral. Os ricos eram poucos e, com raras exceções, ignorantes. O isolamento e as rivalidades entre as províncias prenunciavam uma guerra civil, que poderia resultar na divisão do território, a exemplo do que já ocorria nas vizinhas colônias espanholas. Sem dinheiro, o novo país nascia falido. Curiosamente, esse Brasil improvável conseguiu se manter unido e se firmar como nação independente por uma notável combinação de sorte, acaso, improvisação, e também de alguma sabedoria. O Brasil de hoje deve sua existência à capacidade de vencer obstáculos que pareciam insuperáveis em 1822. E isso, por si só, é uma enorme vitória, mas de modo algum significa que os problemas foram resolvidos. Ao contrário. A Independência foi apenas o primeiro passo de um caminho que se revelaria difícil, longo e turbulento nos dois séculos seguintes. As dúvidas a respeito da viabilidade do Brasil como nação coesa e soberana, capaz de somar os esforços e o talento de todos os seus habitantes, aproveitar suas riquezas naturais e pavimentar seu futuro persistiram ainda muito tempo depois da Independência.

UOL - Dom Pedro 1º é de fato, o protagonista da histõria da Independência do Brasil?
Laurentino - D. Pedro foi um meteoro que cruzou os céus da história numa noite turbulenta. Deixou para trás um rastro de luz que ainda hoje os estudiosos se esforçam por decifrar. Viveu pouco, apenas 35 anos, mas seu enigma permanece nos livros e nas obras populares que inspirou. Raros personagens passaram para a posteridade de forma tão controversa. Era uma força viva da natureza.

UOL - E o Dom Pedro chefe de Estado, como era? Tinha ideias próprias ou sempre estava sob as asas de José Bonifácio?
Laurentino - Nas idéias políticas, D. Pedro foi um personagem à frente do seu tempo. Era admirador de Napoleão Bonaparte, o homem que havia obrigado seu pai, D Pedro, a fugir de Portugal. Tinha um discurso liberal, mas uma índole autoritária. Fechou a constituinte em 1823 porque os deputados não se curvaram à sua vontade e, no ano seguinte, outorgou ao Brasil uma das constituições mais liberais e avançadas da época. Depois de abdicar ao trono brasileiro, em 1831, voltou a Portugal para defender as idéias liberais numa guerra épica contra o irmão, D. Miguel, que havia usurpado o trono português em um golpe absolutista. A vitória de D. Pedro nessa guerra foi celebrada pelos liberais no mundo todo. Era, portanto, um homem que idéias próprias e bem diferentes daquelas defendidas pelo seu pai, D. João VI, e a mãe, Carlota Joaquina, que os últimos soberanos absolutos de Portugal.

UOL- Qual é a importância de José Bonifácio em todo o processo?
Laurentino - O Brasil que emergiu das Margens do Ipiranga em 1822 tem a inconfundível assinatura de José Bonifácio. Foi o grande conselheiro e braço direito de D. Pedro na Proclamação da Independência. Com a ajuda dele, o jovem príncipe de apenas 23 anos conseguiu manter o país unido naquele momento em que os riscos de uma guerra civil e de separação das diferentes províncias eram enormes. Bonifácio esteve à frente do ministério de D. Pedro por escassos dezoito meses, de janeiro de 1822 a julho de 1823, mas nenhum outro homem público brasileiro realizou tanto em tão pouco tempo. Sem ele, o Brasil de hoje provavelmente não existiria. Na Independência, Bonifácio era “um homem com um projeto de Brasil”, na definição do historiador e jornalista Jorge Caldeira. Na sua visão, a única maneira de impedir a fragmentação território brasileiro após a separação de Portugal seria equipá-lo com um “centro de força e unidade” sob o regime de monarquia constitucional e a liderança do imperador Pedro I. Foi essa a fórmula de Brasil que triunfou em 1822.

UOL - Pouco depois da Independência, iniciado o Primeiro Reinado, não demorou a ocorrer um desentendimento entre o poder Executivo, exercido por dom Pedro, e os parlamentares, de modo que nossa primeira Assembleia Constituinte foi fechada e nossa primeira Constituição outorgada (em vez de promulgada). Pode-se dizer que o estigma dos governos autoritários no país nasceu simultaneamente ao próprio país?
Laurentino - Os riscos do processo de ruptura com Portugal eram tantos em 1822 que a elite brasileira, constituída por traficantes de escravos, fazendeiros, senhores de engenho, pecuaristas, charqueadores, comerciantes, padres e advogados, se congregou em torno do imperador Pedro I como forma de evitar o caos de uma guerra civil ou étnica que, em alguns momentos, parecia inevitável. Conseguiu, dessa forma, preservar os seus interesses e viabilizar um projeto único de país no continente americano. Cercado de repúblicas por todos os lados, o Brasil se manteve como monarquia por mais de meio século. Como resultado, o país foi edificado de cima para baixo. Coube à pequena elite imperial, bem preparada em Coimbra e outros centros europeus de formação, conduzir o processo de construção nacional, de modo a evitar que a ampliação da participação para o restante da sociedade resultasse em caos e rupturas traumáticas. Alternativas democráticas, republicanas e federalistas, defendidas em 1822 por homens como Joaquim Gonçalves Ledo, Cipriano Barata e Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, este líder e mártir da Confederação do Equador, foram reprimidas e adiadas de forma sistemática.

UOL - Portugal só reconheceu a Independência do Brasil em 1825, mediante uma indenização de dois milhões de libras. Teria sido esse o primeiro “arranjo entre as elites” da história do Brasil?
Laurentino - A assinatura do tratado com Portugal, em 1825, abriu o caminho para que todas as demais monarquias europeias reconhecessem o Brasil independente. A primeira foi a Inglaterra, em janeiro de 1826. Depois, Áustria, França, Suécia, Holanda e Prússia. Os termos da negociação com Portugal, no entanto, causaram revolta entre os brasileiros e contribuíram para desgastar a imagem de D. Pedro, em especial quando se tomou conhecimento de uma cláusula secreta pela qual o Brasil se comprometia a pagar aos portugueses a quantia de dois milhões de libras esterlinas a título de indenização. Parte desse dinheiro seria destinado a cobrir empréstimos que Portugal havia contraído na Inglaterra com o objetivo de mobilizar tropas, navios, armas e munições para combater a emancipação do Brasil entre 1822 e 1823. Propriedades e outros bens portugueses confiscados durante os conflitos também seriam devolvidos aos seus donos originais. Em resumo, depois de ganhar a guerra caberia aos brasileiros ressarcir os prejuízos dos adversários derrotados. Os adversários acusaram D. Pedro de “comprar a independência”.

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