Nunca deixa de ser um espanto, para quem está acostumado à cracolândia paulistana - formada aparentemente por batalhões de mendigos e meninos de rua, a tal "gente diferenciada" - ver a derrocada de alguém de classe alta, da sociedade, da cena pop, da "intelligentsia".
Pois foi justamente o que aconteceu com Bill Clegg, 40, um promissor agente literário de Nova York, que se afundou num redemoinho de autodestruição ao se viciar em crack no início dos anos 2000.
A experiência quase matou Clegg, que perdeu mais de 20 quilos - as cenas em que ele vai abrindo novos furos em seu cinto são especialmente marcantes - até aceitar se internar numa clínica de recuperação.
A história virou livro, publicado nos EUA no ano passado e agora no Brasil.
Retrato de um Viciado quando Jovem é uma narrativa de uma honestidade brutal, com vários momentos humilhantes para o autor.
Traz vivas descrições das paranoias causadas pela droga, um mapeamento do circuito do crack em Nova York e encontros sexuais com garotos de programa - inclusive um de São Paulo, conforme ele relata numa conversa telefônica com a Folha de S.Paulo em 19. 3 último.
Ozier Muhammad - 17.mai.2010/The New York Times
O agente literário Bill Clegg, que relatou descida ao submundo do crack em livro, em seu apartamento nos EUA
Pergunta - Seu livro parece bem honesto na descrição de até onde um viciado está disposto a chegar. Você chegou a cortar algo por considerar muito degradante?
Bill Clegg - As únicas cenas que não entraram no livro são as que invadiam a privacidade de outras pessoas ou as que simplesmente repetiam incidentes já relatados.
Nada do meu comportamento foi cortado por medo de julgamento ou de humilhação. A única razão de um livro desse tipo é sua honestidade, sua capacidade de conseguir com que o leitor se identifique por meio de coisas específicas.
Passei muito tempo pensando que seria banido pelos que me conhecem se soubessem o que fiz. Minha esperança ao ser franco é que as pessoas possam se sentir menos solitárias e talvez evitar que cheguem ao comportamento suicida e de calamidade que eu cheguei.
Um dos garotos de programa que você chama ao seu quarto de hotel é Carlos, um brasileiro de São Paulo. Ainda tem contato com ele?
Encontrei Carlos diversas vezes depois. Ele me ligou meses depois de eu voltar para Nova York, após a reabilitação, para saber se eu estava bem. Disse que se preocupou comigo porque teve um sonho em que eu tinha morrido. É um cara muito meigo.
Outros caras com que me droguei, os traficantes, Mark, eu vejo de vez em quando nas ruas, no metrô, na padaria (Manhattan é uma pequena ilha). Sempre dou um alô e me mando. Mas faz tempo que não vejo nenhum deles.
E você conheceu outros brasileiros no circuito do crack nova-iorquino?
Conheci outros brasileiros, sim. Não muitos, mas uns dois ou três. Em geral jovens que trabalhavam como garotos de programa e haviam sido pegos pela droga. O vício é algo que afeta todas as nacionalidades, etnias, idades e classes sociais. Eu me droguei com gente que tinha todos os tipos de educação.
Você está livre do crack agora? E da vodca e dos cigarros?
Estou sóbrio, livre de crack e álcool, há quase seis anos agora. Nunca fumei cigarros, graças a Deus, então pelo menos esse é um vício que não tive que largar.
Há um trecho não publicado de seu livro no site The Huffington Post. Por que cortou?
Essa parte sobre fumar crack em Paris era um capítulo inacabado. Nunca achei que era necessário para o livro porque repetia muito do que já estava descrito em capítulos anteriores e não trazia nada de novo além de um lugar diferente. Depois que o livro foi publicado, voltei a esse texto e o completei.
Algo daquela viagem, envolvendo o taxista que me deu de graça um saquinho de haxixe, ressurgiu na minha mente e foi o suficiente para eu querer escrever um pouco mais sobre a experiência.
A memória daqueles dias em Paris mostram o quão extremo meu comportamento era e quanto risco eu estava correndo ao usar drogas.
Há planos de transformar o livro em filme?
Diversos produtores e diretores têm entrado em contato. Só recentemente um deles descreveu uma ideia para um filme que parece ser, não apenas artisticamente substancial, como também possivelmente útil para as pessoas. Então, estamos em conversação. Veremos.
Título:
Retrato de um Viciado Quando Jovem
Autor:
Bill Clegg
Tradução:
Julia Romeu
Editora:
Companhia das Letras
Edição:
1
Ano:
2011
Idioma:
Português
Especificações:
Brochura | 216 páginas
Quanto:
R$ 34,85
Cotação do Klau:
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