Não conte para ninguém, porque ainda é segredo, mas o dinamarquês Olafur Eliasson está tentando criar um tornado num quartinho...
O espaço fica no seu estúdio, instalado em uma antiga fábrica de cerveja de 1842, num prédio de três andares em Prenzlauer Berg, o bairro intelectual da ex-Berlim Oriental, hoje em dia uma das áreas mais efervescentes da cidade.
Numa mescla do laboratório de cientista maluco com um estúdio de arte e fábrica, Olafur, 45, um dos artistas contemporâneos mais conceituados do mundo, transfigura o banal em experiências que parecem mágica: tem 45 funcionários, entre arquitetos, engenheiros e designers.
A primeira coisa que se vê ao entrar no prédio é uma cozinha para 40 pessoas, dedicada à culinária vegetariana experimental.
E ele,é vegetariano? "Não, mas acho que é preciso experimentar nessa área. Chamo grandes cozinheiros para discutir aqui. Alice Walker foi uma delas", disse à Eliasson à revista Serafina, referindo-se à chef do Chez Panisse, em Berkeley, na Califórnia.
Gareth McConnell
O artista dinamarquês Olafur Eliasson no jardim de seu estúdio na Alemanha
Experimentar é preciso, parece ser o seu lema.
Em uma de suas maiores ousadias, colocou um sol gigante dentro da Tate Modern, em Londres, em 2003.
A obra era tão sedutora e inusitada que os visitantes deitavam-se no chão da galeria para receber a luz e o calor que vinham da imensa bola amarela, como se estivessem em uma praia.
Em 2008, instalou cachoeiras artificiais em Nova York, num projeto que custou US$ 15,5 milhões. O espanto das pessoas fazia pensar que tinham visto um milagre, não uma obra de arte.
O sol não virá, pela falta de um espaço adequado, mas a cachoeira, os labirintos de cores, espelhos imensos e névoa criada com luzes serão algumas das dez obras do artista que chegam a São Paulo a partir de 30 de setembro, nos Sescs Pompeia e Belenzinho e na Pinacoteca.
Haverá até um trabalho de Olafur com o cineasta brasileiro Karim Aïnouz, de
Madame Satã (2002) e O Céu de Sueli (2006).
É a primeira vez que o dinamarquês faz um trabalho com imagens reais, captadas por uma câmera no Minhocão.
Como brinca Aïnouz, é uma mistura de Bauhaus, o concreto duro de São Paulo e o brutalismo de Paulo Mendes da Rocha - o Minhocão nunca mais será visto da mesma forma.
A vinda de Olafur a São Paulo marcará uma virada histórica do Videobrasil, que deixa de ser um festival de uma só linguagem (o vídeo) e se abre para todo tipo de arte.
"A obra do Olafur é paradigmática desse movimento. Não tem qualquer limitação, se impõe como experiência sensorial", diz Solange Farkas, curadora-geral do festival, que realiza neste ano sua 17a edição.
A ideia de criar um tornado artificial talvez resuma as intenções estéticas desse dinamarquês educado na Academia Real de seu país e radicado em Berlim desde 1995.
Ele é profundamente erudito, dá aulas numa das escolas de arte mais famosas do mundo, Künste de Berlim - na Universidade de Artes -, e quase todas as suas questões já foram discutidas na história da arte -o modo como se percebe a cor, a maneira como o movimento altera a forma, o jeito que a luz muda o espaço.
Seria um bê-á-bá não fossem as estratégias do artista.
A primeira delas é estudar bem a cidade onde as obras estarão expostas.
Há quatro meses, ele esteve em São Paulo e ficou fascinado com lugares para os quais ninguém dá a mínima, como as lojas de luzes da rua da Consolação, na região central, e teve duas ou três ideias - a mais chocante é para quem acha o espaço público da cidade um lixo.
"Há uma tradição muito grande de dividir os espaços em São Paulo. Apesar de megalomaníaca, a cidade promove boas relações entre o público e o privado. Há camadas íntimas, como esquinas, escadas, becos, em pleno espaço público."
Olafur criou obras pensando nessas tensões, característica "de uma cidade que se reinventa todo dia".
A primeira providência é desprezar a oposição: "Tento não contrapor hospitalidade e hostilidade".
É uma posição política sua - a de não facilitar a difusão de contrastes simplórios.
Olafur também tirou o peso da arte, inatingível para a maior parte das pessoas comuns - e essa talvez seja a chave do seu sucesso.
Trabalhos como Seu Corpo da Obra, um labirinto de cores que será montado no Sesc Pompeia, só existe com a participação do público.
É uma forma de transformar a audiência, ou seja, o objeto da arte, em parte da obra - isso não é novidade, mas o modo como ele promove essa mudança de ponto de vista é bem diferente.
"Tento ligar a sensibilidade estética com a sensibilidade ética."
Parece coisa de quem não gosta de confronto.
Ele concorda: "Prefiro a ideia de parlamentarismo, de renegociar valores. Que linguagem pode transformar conceitos em realidade?", questiona.
E responde: "Literatura, arte, dança. A criatividade faz perguntas que o resto da sociedade não faz".
A ideia de colocar os valores em xeque chega às pessoas por meio de luzes e espelhos.
Os trabalhos têm a ambição não declarada de fazer o público olhar para si mesmo de um jeito novo.
"Gosto de reverter a perspectiva", diz.
"Você vê a própria sombra e a imagem criada pela lâmpada faz você pensar no seu corpo.Conforme a luz muda, sua sombra torna-se imprevisível.É bom pôr o seu corpo em perspectiva quando se vive num mundo que cultiva o ego", explica.
Essa política da sutileza é bem característica da Escandinávia, recentemente abalada pelo massacre de Oslo, e também parece ser de Olafur.
Nada é imposto, nada é definitivo.
No filme que fez com Aïnouz, chamado Sua Cidade Empática (2011), Olafur usa o conceito de "after image", a imagem que se forma no cérebro segundos após a projeção.
É quase circense, e o cineasta brasileiro adora que um artista do porte de Olafur, com entrada no museu que bem entender, use mecanismos mambembes dos séculos 19 e 20.
"Ele tem um quê de ilusionista", afirma Aïnouz.
Olafur se diverte com a comparação, mas põe freios na imagem: "Gostaria de ser um mágico sem segredos, que revelasse o mistério antes de cortar a cabeça da mulher".
Há também uma vertente política nisso.
"É uma experiência muito individual. Só você vê aquilo, ninguém mais. É só seu. O contrário dos filmes de Hollywood."
Apesar de expressar tão bem suas ideias e conceitos e sonhar com um número de mágica sem segredos, o artista fala com reserva de sua vida privada.
Não dá para saber qual é a sua fortuna, mas seus trabalhos costumam ser vendidos por mais de US$ 5 milhões, e já fez parcerias com grifes como Louis Vuitton e BMW.
Um dos fatos mais surpreendentes é o que ele mais procura esconder: criou um orfanato em Adis Abeba, na Etiópia.
O projeto chama-se 121 Ethipopia, e é mantido pela Fundação Hekla, criada por Olafur e sua mulher, a historiadora de arte Marianne Krogh Jensen.
Foi da Etiópia que vieram as duas filhas adotivas do casal, mas desse assunto ele não fala.
E não reclama de pagar 45% do que ganha de impostos, como ocorre na Alemanha.
Considera a taxa justa e acha que é preciso dar um pouco mais ao mundo.
Aguardando a exposição com extrema ansiedade.
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