Recentemente, o cabeleireiro Vasco Pedro da Gama, 40 anos, de Catanduva (SP), perguntou à filha:
"As crianças costumam mexer com você por minha causa?".
"Sim, algumas vezes. Na perua escolar", ouviu como resposta.
"E o que elas dizem?", continuou.
"Dizem que você é gay, que tem namorado. Eu respondo que é verdade, e algumas dão risada".
Vasco insiste: "E você se incomoda com isso?".
"Não, porque é verdade. E se vocês se gostam, qual o problema? Vai saber se na casa delas os pais gostam das mães".
De simplicidade e clareza desconcertantes, o argumento de Teodora, 10 anos, encheu o pai adotivo de orgulho.
Vasco e seu parceiro, o também cabeleireiro Dorival Pereira de Carvalho Jr., 49, foram o primeiro casal homossexual a adotar uma criança no Brasil, em 2006.
Pioneiros, portanto, de um novo arranjo familiar que só tende a crescer nas estatísticas.
"É claro que sinto receio de ver a minha filha como alvo de preconceito ou agressões, mas tento ensiná-la no dia a dia a viver com verdade. Expliquei tudo desde que percebi que ela tinha condições de assimilar. Somos homens, nos amamos e a amamos. E essa é a nossa família", afirma.
Os gracejos na perua escolar são, segundo Vasco, episódios isolados e que aconteceram poucas vezes.
Ele garante que Teodora é uma criança feliz e que é respeitado pelos pais dos amigos dela.
Para o jornalista Christian Heinlik, de 38 anos, de São Paulo, é fundamental tratar o assunto com naturalidade, sempre respeitando o tempo da criança.
"No caso do Pedro Vinícius, que foi adotado aos oito anos e hoje tem 12, ele começou a fazer perguntas e a tirar conclusões. E eu nunca omiti nada", garante.
Ag.A Tarde
Vasco e Dorival foram os primeiros gays a terem adotado uma criança no Brasil, em 2006
Embora qualquer cidadão brasileiro que comprove situação financeira e emocional estável possa adotar uma criança, o processo não é fácil.
No caso dos homossexuais, é ainda mais difícil.
O banqueteiro Marcelo Eduardo Sampaio, 43 anos, e o dentista Eduardo Luis Indig, 48, enfrentaram uma batalha árdua até conquistarem a guarda definitiva de Manoel, de quatro anos.
"Assim que o vimos pela primeira vez o amor paterno explodiu. Passamos todos os finais de semana com ele durante seis meses. Até que um juiz nos proibiu de vê-lo", recorda Marcelo.
"Depois que um desembargador adoeceu, todo o grupo julgador foi trocado e vencemos. Foi uma vitória do amor, depois de um ano de sofrimento", desabafa ele.
O casal continua no cadastro nacional de adoção para adotar outra criança.
UOL
Jackson Nascimento foi casado durante oito anos e teve três filhos antes de assumir ser gay
O caminho do cabeleireiro Jackson Nascimento, 37 anos, de São Paulo, também foi árduo.
Ele foi casado durante oito anos e teve três filhos: Kaylla, de 14, e os gêmeos Kaíke e Kaio, 13.
"Tentei levar uma vida de heterossexual, mas não deu certo. Casei para provar a mim mesmo algo que eu não era, mas quando os gêmeos completaram dois anos decidi me separar, sair de casa e assumir minha opção", conta.
A ex-mulher, revoltada, o "obrigou" a ficar com a menina.
"Ela achava que se eu tivesse de cuidar de uma criança não poderia sair, me divertir", diz.
Dois anos depois, ela se casou de novo e se mudou para o Sul e deixou Kaíke e Kaio com o pai.
"Foi um aprendizado. Tive de me virar com futebol, videogame e outras coisas de menino", explica.
Há cerca de quatro anos ele reuniu a prole e revelou ser gay.
"Na época, não entenderam muito bem. Mas depois foram assimilando a informação aos poucos. Hoje, são até amigos do meu ex-namorado. E se dão bem com o atual", destaca Jackson.
Para ele, a melhor coisa que um pai gay tem a fazer é se respeitar, pois assim os filhos o respeitarão.
E como a sociedade sempre vai estar de olho, ainda que de modo sutil, é essencial ser um pai nota 10.
"Nunca faltei a uma reunião na escola e sempre fui elogiado pelas professoras. E acabo de matriculá-los em um curso de espanhol. Quero que tenham um futuro excelente", diz o cabeleireiro, que garante não se arrepender de nada do que fez.
"Tenho orgulho da minha vida".
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Matéria da Jornalista Heloísa Noronha, para o UOL
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