O cara sempre foi chupeta da cabeça.
Desde que começou a fazer filmes - com o movimento Dogma, nos 90 - o dinamarquês Lars Von Trier sempre nos apresentou obras no mínimo insólitas, tão desconfortáveis como a já famosa entrevista em Cannes 2011 em que se declarou fã de Hitler, o que motivou a sua expulsão do festival.
Foi justamente em Cannes 2011 que o público pode conhecer essa sua obra, que estreia hoje aqui no Brasil.
Melancolia começa em ultra slow motion, numa espécie de introdução do que veremos mais adiante.
Divulgação
kisten Dunst, em cena do filme
Como resultado, temos um filme visualmente muito elaborado, com inspiração em pinturas pré-rafaelitas e alemãs, música de Richard Wagner e traduzindo a habitual visão niilista do diretor sobre a vida, as relações humanas, sobre tudo, enfim - não escapa nem o destino do planeta.
Premiada em Cannes 2010 como melhor atriz - por Anticristo, filme anterior de Von Trier - a francesa Charlotte Gainsbourg retorna neste novo trabalho como Claire, uma das irmãs protagonistas da história.
A outra é Justine, interpretada pela norte-americana Kirsten Dunst, que acabou vencendo, por sua vez, o prêmio de melhor atriz este ano em Cannes - onde a discussão do filme em si, que concorria à Palma de Ouro, foi bastante prejudicada devido a declarações do diretor, dizendo que "entendia Hitler" - um tema que nada tinha a ver com a obra e acabou custando a Von Trier ser declarado "persona non grata" no festival que o consagrou.
Melancolia é dividido em duas partes: na primeira, dedicada a Justine e a segunda, a Claire, materializando a dualidade de uma reflexão sobre a irmandade, um dos temas do filme.
No início, uma enorme limusine quase atolada num caminho estreito demais para as suas dimensões sinaliza o início dos tropeços desta trajetória.
Dentro, está o par de noivos Justine e Michael - interpretado por Alexander Skarsgard, da série
True Blood - ainda rindo de toda a situação, atrasadíssimos para sua grande festa, que não esconde as profundas dúvidas da moça quanto ao passo que está dando.
A partir dos discursos à mesa, dos pais divorciados das irmãs - John Hurt, magnífico e
Charlotte Rampling mordaz e esplêndida -, as aparências que os anfitriões Claire e o marido, John - Kiefer Sutherland, da série 24 horas - estão tentando tão arduamente manter, começam a rachar.
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Kisten Dunst e Charlotte Gainsbourg, em cena do filme
A partir daí, vemos uma lenta e sistemática demolição das crenças convencionais de que o casamento, o sucesso profissional e financeiro possam sustentar qualquer tipo de estabilidade, seja pessoal ou coletiva.
Melancolia é a consequência de Anticristo - obra que marcou o auge da depressão do diretor - uma espécie de ritual de saída da depressão, mas que nem por isso conduz ao otimismo.
No mundo de Von Trier, não há alívio nem segurança possíveis na família, no amor, nas instituições, na cultura, na arte, no dinheiro, na infância - e, para piorar, estamos sós no imenso universo e, ainda assim, não vamos durar muito.
Não contente de arremessar toda a sua potente munição criativa, mais uma vez, contra a sociedade constituída e desautorizar quaisquer utopias, o diretor encena a destruição da Terra, diante do iminente choque contra outro planeta, Melancolia - azul como a Terra, como um enigmático duplo do nosso, ele ficou escondido atrás do sol todo este tempo, por isso, até agora invisível.
Quando sai da sombra, porém, é para valer.
Se há um porta-voz de Von Trier no filme, ele é Justine, que, invocando uma espécie de onisciência mágica - a única que a história permite - num dado momento garante à irmã que não há vida em outros planetas.
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Alexander Skarsgard e Kisten Dunst, em cena do filme
É esse tipo de pessimismo que o diretor destila todo o tempo, da forma mais estética possível - o
Lars Von Trier despojado do Dogma 95 ficou definitivamente para trás, a não ser por uma câmera na mão no banquete de casamento, imagens algo trêmulas.
Mais do que o fim do mundo, a história tematiza a condição humana.
Que as personagens principais sejam duas mulheres, irmãs cujos nomes identificam as duas partes do filme, é outra afirmação do diretor sobre a própria ambiguidade da espécie.
Claire é a racional, adaptada às convenções, esposa e mãe; Justine é a irmã rebelde, insatisfeita, insegura, que busca apoio no cerimonial do casamento, mas nada encontra e, mesmo que não houvesse a colisão de planetas, este mundo também desabaria de qualquer modo, a qualquer momento.
Se a obra de Von Trier é um retrato nítido de suas obsessões, não resta dúvida de que ele procura sempre novas ferramentas, técnicas e fórmulas para dizer o que tem a dizer.
Visualmente, Melancolia é um esplendor, com a fotografia de Manuel Alberto Claro - chileno radicado na Dinamarca - e os efeitos visuais de Peter Hjorth, criando momentos especiais, como a fascinante sucessão de stills que abre o filme.
Pelo clima de elegia com um quê futurista,o filme às vezes lembra Stanley Kubrick, especialmente neste começo, como uma espécie de releitura pelo avesso de 2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968), só que em outro tempo e contexto.
É uma porrada no estômago, de sair todo dolorido do cinema.
E Kirsten Dunst tem aqui o papel da sua vida.
Ela está simplesmente magnífica, e merecidamente amealhou muitos prêmios por essa sua interpretação.
Confira o trailer do filme:
*****
MELANCOLIA
Título original:
Melancholia
Diretor:
Lars von Trier
Elenco:
Kirsten Dunst
Charlotte Gainsbourg
Kiefer Sutherland
Charlotte Rampling
John Hurt
Alexander Skarsgård
Brady Corbet
Stellan Skarsgård
Produção:
Meta Louise Foldager
Louise Vesth
Roteiro:
Lars von Trier
Fotografia:
Manuel Alberto Claro
Duração:
136 min.
Ano:
2011
País:
Alemanha/ Dinamarca/ França/ Itália/ Suécia
Gênero:
Drama
Cor:
Colorido
Distribuidora:
Califórnia Filmes
Estúdio:
Zentropa Entertainments
Memfis Film
Slot Machine
Zentropa International Köln
BIM Distribuzione
Trollhättan Film AB
Classificação:
14 anos
Cotação do Klau:
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