quinta-feira, 18 de agosto de 2011

MAURO MENDONÇA FILHO: "'O ASTRO' É UMA NOVELA MAIS ÁGIL, QUE VOCÊ FICA COM VONTADE DE NÃO PERDER UM CAPÍTULO SEQUER"

Dinâmica, curta, com diálogos inteligentes, muitas referências cinematográficas, cenas de sexo, ótimas interpretações e uma atmosfera meio kitsch, meio retrô.

Esta é a novela do futuro. Ou do presente.

O Astro, remake de Janete Clair no ar na faixa das 23h da Globo foi feita para dialogar com um público diferente do da novela das 21h.

É o que diz o diretor geral de O Astro, Mauro Mendonça Filho, na entrevista a seguir, feita pelo Editor-assistente de Entretenimento do UOL, James Cimino, com a colaboração de Diego Palma Fernandes:

Divulgação/TV Globo
Regina Duarte e o diretor geral de "O Astro", Mauro Mendonça Filho, nos bastidores na novela

UOL - Por que você acha que a Globo resolveu investir em novelas no horário das 23h? Teve influência da alta audiência que as reprises do canal “Viva” têm obtido ou é também para concorrer com outras produções de outras emissoras que vão ao ar no mesmo horário?
Mauro Mendonça Filho - Existe uma demanda por uma dramaturgia mais adulta, na qual os autores possam desenvolver temas mais delicados com certa tranquilidade. Uma novela das 21hs tem classificação de 12 anos. A das 23hs, 16 anos. Aliado a isso, percebeu-se que tem muita gente chegando tarde em casa, a fim de ver novelas e séries. A Globo vem sentindo que precisa dialogar com esse público. Outro dia, o Tiago Leifert, do esporte, falou que ‘não somos mais o País do Futebol, mas o País das Novelas’. Acho que ele está certo.”

Então a Globo descobriu um novo segmento de público de novelas, mais jovem, mais sofisticado e com menos paciência para certos clichês da teledramaturgia tradicional?
Acho que esse público é ávido pela renovação do gênero e celebra as mudanças que dão certo. O sucesso de "Cordel Encantado" é um bom exemplo. Mas os clichês nunca deixarão de existir. Clichê só existe porque funciona, senão não seria clichê.

“O Astro” terá 64 capítulos. Você acredita que o futuro das novelas é serem mais curtas?
A novela longa nunca deixará de fazer parte do cotidiano do brasileiro. Ela é como um companheiro, alguém íntimo. Você vai para a casa, sabendo que vai encontrá-lo. Acho, porém, que esse formato de 60 capítulos também chegou para ficar, pois é uma novela mais ágil, mais dinâmica, sem barriga. Você fica com vontade de não perder nem um capítulo sequer.

Alex Carvalho/TV Globo
Fala de Clô Hayalla - Regina Duarte - se inspirou em cena clássica de Bette Davis no filme "A Malvada"

Na cena da festa que antecede o assassinato de Salomão Hayalla, há uma clara referência a “Assassinato em Gosford Park” de Robert Altman, inclusive na maneira em que a câmera desliza por entre os convidados. Clô Hayalla diz, em determinado momento, “apertem os cintos que a noite será turbulenta”, frase de Bette Davis em “A Malvada”. O assassinato de Salomão também lembra cena de “Watchman”. Que outros filmes você usa ou utilizará como inspiração na novela?
Num sentido geral, me inspirei em Pedro Almodóvar, pela renovação do melodrama; em Hollywood dos anos 50, pelo glamour das festas; nas novelas das 22h dos anos 70, pela adequação ao novo horário das 23h; na série “Mad Men”, pelo comportamento sexual no trabalho; em “Hamlet”, pela tragédia após o crime de Salomão; em Quentin Tarantino, que é o rei do retrô; em David Cooperfield, que faz magia com o uso de mídias modernas e em Brian de Palma, que faz suspense, inspirado em filmes do passado. Pincei referências ora aqui, ora ali de filmes como “Ladrões de Bicicleta”, “Lenny”, “Watchmen”, “Caçadores de Emoção”, “Assassinato em Gosford Park”, “Estômago”, “Um Beijo Roubado”. Mas a grande referência é a própria Janete Clair, a lembrança de novelas como “Irmãos Coragem”, “Pecado Capital” e “Pai Herói”.

Rafael França/TV Globo
Cena do assassinato de Salomão Hayalla, inspirada em "Assassinato em Gosford Park"

Quando você foi criticado no Twitter por suas referências, disse que essa patrulha da originalidade é muito chata. Por quê?
Quando falo da “patrulha da originalidade” não quero dizer que sou contra a criação original. Falo desse movimento que vem da internet, essa coisa de não deixar passar nada de ninguém, de tudo ser comentado, dissecado e por vezes execrado. Também não sou contra a liberdade da internet, mas sempre onde há excessos, aparece a polícia, o clima de denúncia, de patrulha, que quando não atinge, soa até ingênua. A verdade é que todo o audiovisual trabalha com referências, seja filme, TV, comercial, clipe etc. É uma eterna cadeia. A própria cena do “Watchmen”, na qual me inspirei, vem de uma cadeia. Vou provar: sou fã absoluto do Alan Moore, não do filme, mas li a HQ umas quatro vezes. Veja o caso do personagem Comedian, o mesmo que é jogado pela janela. Ele foi inspirado em outro personagem de um quadrinho dos anos 1950, chamado Peacemaker. A associação Comedian/Joker (o Coringa do Batman), é fácil de ser feita. Esse Peacemaker foi provavelmente inspirado em algum Flash Gordon ou similar dos anos 30, que se inspirou em Meliés, que se inspirava na literatura infantil do século 19. Que nome dão para a cena da escadaria em “Os Intocáveis”, de Brian de Palma, totalmente igual à cena do “Encouraçado Potemkim” ou a “Dublê de Corpo”, do mesmo Brian de Palma, inspirado em “Janela Indiscreta”? Que nome dão para “Kill Bill”, que é totalmente igual ao original do Bruce Lee? No fundo, soa até engraçado, uma cena de morte de uma novela no Brasil causar essa pequena polêmica, pois ainda estamos a anos-luz dos efeitos especiais das produções do cinema Sci-fi americano. No fim das contas, nada disso tem a menor importância.

Há muitas cenas de festa em “O Astro” e muitas em outras novelas. Por que as cenas de festa funcionam tão bem?
Os autores adoram uma festa, onde todos estão reunidos e coisas constrangedoras podem acontecer. Mas a verdade é que dá um trabalho danado gravá-las, pois os atores são muito brincalhões, ficam muito tempo sem fazer nada, a figuração fala alto, toda hora temos que pedir silêncio, ordem. A direção e a equipe ralam em dobro. Mas percebo que funciona. Gosto de fazer uma festa, com a câmera dentro dela, perdida entre os convidados. Em uma festa boa, na vida real, depois de uns goles, a gente perde a referência do tempo e do espaço (e, às vezes, de si mesmo). Procuro passar esse clima.

A polícia entrou no caso Salomão Hayalla e, ao contrário de outras novelas, parece mais realista. Foi uma opção estética de ter diálogos e policiais menos estúpidos?
A gente esbarra no clichê policial, pela tangente. Não acho que estamos tentando ser realistas e sim fazer um Poirot moderno, com o investigador vivido pelo Daniel Dantas, obcecado com a solução do crime. Algo como um “Zodiac”, sem perder o romance, a tragédia. Márcio Hayalla também vai ficar também obcecado com a solução desse crime e se portará como um Hamlet, inconformado. Não faltarão emoções.

Não espero que você conte quem será o assassino de Salomão Hayalla, mas espero que você me responda que não vai ser o Felipe [como na versão original], estou certo?
Isso é segredo de Estado. Só posso adiantar é que haverá surpresas.

REFERÊNCIAS CINEMATOGRÁFICAS USADAS EM "O ASTRO"

Assim como "Assassinato em Gosford Park" (2000), a misteriosa morte de "O Astro" acontece no meio de uma luxuosa festa. Também há semelhanças na forma como a câmera se movimenta.
"Apertem os cintos porque teremos uma noite turbulenta", diz Clô Hayalla. Originalmente, a fala foi proferida pela personagem de Bette Davis em "A Malvada" (1950).
Salomão Hayalla é arremessado por uma janela de vidro e na queda deixa um botão no chão. No filme "Watchmen" (2009), um destino semelhante é guardado para Comediante. A diferença é que no lugar de um botão, o que fica no chão é um broche.
A peça "Hamlet" de Shakespeare foi levada ao cinema em diversas ocasiões. Como "O Astro", a história é de um jovem (Márcio) cujo pai (Salomão) é assassinado e a sua mãe (Clô) se casa com seu tio malvado (Samir).
No filme "Caçadores de Emoção" (1991), Patrick Swayze e Keanu Reeeves interpretam surfistas que se envolvem em golpes. Seus personagens são semelhantes a Henri e Fernando de "O Astro".
O protagonista de "Estômago" (2007) faz artimanhas dentro da cadeia para se tornar poderoso. Em "O Astro", foi na prisão que Herculano Quintanilha aprendeu os truques de ilusionismo que o levaram à fama.
O diretor Mauro Mendonça diz que o filme "Um Beijo Roubado" (2007) foi uma das referências. É possível ver semelhanças entre o casal formado por Jude Law e Norah Jones e o par vivido por Thiago Fragoso e Alinne Moraes.
O diretor também garante que a investigação da morte de Salomão será parecida com do filme "Zodíaco" (2007). Portanto, o desempenho de Daniel Dantas em "O Astro" deve ser parecido com Mark Ruffalo no filme.

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