quarta-feira, 11 de maio de 2011

VIVENDO NUM MUNDO EXTREMAMENTE MACHISTA, LACRAIA SOUBE QUEBRAR TUDO!

Quem não conheceu a frase: "Vai, Lacraia, vai, Lacraia", onipresente nos nossos ouvidos, certamente não estava aqui no Brasil nos últimos dez anos.

O refrão de um dos mais tocados funks cariocas foi feito sob medida para a dançarina Lacraia, uma pessoa que tinha tudo para ser alvo de bullying - ou coió, na gíria gay.

Feia, preta, favelada, gay e sem glamour, Lacraia, a musa do funk carioca, carregava sobre si quase tudo o que gera preconceito pesado.

Ser gay assumidíssimo em um ambiente machista como o do funk já seria a "desculpa" para que ela tomasse garrafadas quando subia para dançar nos bailes do Jacarezinho, zona norte do Rio, onde foi criada.

Só que - felizmente - nada disso aconteceu, e ela acabou virando uma das maiores rainhas do funk da favela carioca e convidada para formar dupla com o talentoso MC Serginho.

Se o povo da comunidade onde nasceu e se criou aceitou Lacraia, faltava para essa pessoa muito simples e doce conquistar o mundo.

Começou atravessando o túnel, e logo virou musa também na zona sul carioca - e imediatamente depois no Brasil inteiro.

Quando finalmente chegou à televisão e ficou conhecida do público que não vai a bailes funk, Lacraia já era famosa, frequentava o meio artístico com uma simplicidade desenvolta e virou orgulho da família e dos vizinhos - os mesmos que a hostilizavam quando criança.

Relembre Lacraia, DJ Marlboro e MC Serginho no Nokia Trends em 2004:


E tudo isso ainda era pouco para ela, que continuou rompendo barreiras ao entrar no fechado e preconceituoso mundo da moda - aquele que sempre faz questão de dizer que odeia pretos, feios e pobres.


Diferentemente das badaladas drag queens de SP, não usava peças incríveis e exclusivas feitas por algum estilista badalado e muito menos roupas de grife - "Eu a-do-ro bolsa Louis Vuitton de camelô", - disse ela certa vez, para depois desfilar sua moda absolutamente pessoal, com roupas compradas em sua maioria no Saara, o equivalente carioca da nossa 25 de Março, principalmente as leggins, quando essa calça de lycra justíssima ainda nem era moda como agora.

Lacraia foi recebida de braços abertos em ambientes que, em outra situação fechariam as portas na sua cara, e, se riam do seu corpo esquisito, das suas roupas colantes, ela parecia nem mesmo se importar.

Ao contrário, ela ria de quem ria dela - e ainda fazia uma dancinha.

Coluna do José Simão, na Folha de S.Paulo de hoje:
A Eguinha Pocotó morreu! A Lacraia virou purpurina! Vai, Lacraia. Não, não! VOLTA, LACRAIA! O Brasil tá careta!
Uma amiga minha quando viu a Lacraia dançando no Faustão, deu alta na terapia: "Isso que é ser feliz sem culpa". A Lacraia rebolava mais que minhoca em anzol. Alias, a Lacraia rebolava mais que o Mick Jagger! A Lacraia era a versão funk do Mick Jagger. Rarará!
Eu adorava a letra de Eguinha Pocotó: "Minha eguinha pocotó, pocotó, pocotó". Letra é pro Bob Dylan! Aquelas letras de três metros de papel! E no Rio tinha uma boate gay chamada O Buraco da Lacraia. Vai Lacraia! A Lacraia era um desenho animado! E já imaginou São Pedro dançando o funk do "Levanta o Camisolão"?! Rarará!

O sucesso foi tanto que ontem, quando sua morte - por tuberculose - foi noticiada aos precoces 33 anos pelo amigo David Brazil - outro gay feio e pobre que deu certo - no Twitter, a tag #Lacraia era o assunto mais comentado entre os brasileiros.

Lógico que teve gente que pelo microblog a mandava para o inferno e a chamava de feia.

Felizmente, a esmagadora maioria escreveu coisas tipo "que triste, vai com Deus".

Lacraia, mesmo após morrer, continuou quebrando e requebrando preconceitos.

Descanse em paz? O caralho Lacraia!


Agite e rebole muito onde quer que você esteja, pois fica a certeza de que é em um lugar bem divertido, como divertida era você.

Rogério Cassimiro-Folhapress

Um comentário:

Unknown disse...

Uma pena ter morrido, pois era mais um "não enquadrado dentro desta "normalidade" inventada homem x mlher

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