sábado, 14 de maio de 2011

CANNES 2011: "TRABALHAR CANSA" FAZ MARATONA, MAS CRÍTICA INTERNACIONAL NÃO GOSTA - PEDOFILIA E COMÉDIA, BRASILEIRO E IRANIANO, DESTAQUES DO SÁBADO

A MARATONA DO BRASILEIRO "TRABALHAR CANSA" - E CRÍTICA INTERNACIONAL NÃO GOSTA

Depois de três dias absolutamente intensos, os jovens diretores brasileiros Juliana Rojas, 29, e Marco Dutra, 31, puderam, enfim, respirar.

Aconteceu no sábado (14) a quarta projeção de "Trabalhar Cansa", único filme brasileiro da seleção oficial de Cannes 2011.

Aconteceram também as últimas rodadas de entrevistas e, além disso, foram publicadas as críticas, não só nos jornais brasileiros, mas também na imprensa internacional.

O filme teve sua primeira exibição mundial na quinta (12), durante uma sessão de gala da mostra "Um Certo Olhar" - que também tem filmes de Gus Van Sant, Robert Guédiguian e Hong Sangsoo, entre outros.

Ontem, com olheiras que denunciavam a noite passada quase em claro e a tensão acumulada, Rojas e Dutra não se cansavam de lembrar o som dos aplausos ao fim da sessão, e mais agitada que a dupla estava a produtora Sara Silveira, que já estivera com eles aqui, em 2007, apresentando o curta "O Ramo".

Divulgação
Marat Descartes e Helena Albegaria em cena de 'Trabalhar Cansa', único longa brasileiro na seleção oficial de Cannes 2011

De tanto falar nas últimas 24 horas, Silveira quase não tinha mais voz - na noite de quinta-feira, ela, que é piadista e despachada, perdeu o traquejo e foi tomada pela emoção, ao apresentar o filme no palco do Grand Théâtre Lumière.

Dutra, por sua vez, confessou, meio sem jeito, que o momento de maior nervosismo foi a passagem pelo tapete vermelho, e Rojas sentiu as lágrimas saltarem quando, no palco, foi agradecer os pais, que estavam na plateia.

A emoção à flor da pele se justifica: a mostra "Um Certo Olhar" - a segunda mais importante de Cannes depois da competição - é um daqueles funis pelos quais pouquíssimos diretores conseguem passar.

Além de concorrer ao prêmio "Um Certo Olhar", "Trabalhar Cansa" disputa o
"Camera d'Or" - que premia filmes exibidos em todas as seleções e destina-se a realizadores que estão aqui com seu primeiro longa-metragem - e o presidente do júri da Camera d'Or 2011 é o sul-coreano Bong Joon-ho, autor de "O Hospedeiro" e "Mother", filmes que, claramente, têm algum parentesco com o estilo que a dupla brasileira, desde seu primeiro curta, vem desenvolvendo.

Filme arriscado, por brincar com o cinema de gênero e desafiar as convenções do realismo - mesmo sendo realista -, "Trabalhar Cansa" foi, de modo geral, recebido com respeito, mas com algumas ponderações, pela crítica internacional.

Ajay Wissberg, da "Variety", leu o filme pela chave simbólica: para ele, o filme brasileiro traz implícita - e até explícita - uma mensagem contra os efeitos do capitalismo sobre as relações sociais e pessoais.

"Incapaz de induzir a verdadeiros calafrios [como aqueles que os espectadores dos filmes terror espera sentir] com sua filosofia econômica, o filme terá dificuldades para encontrar seu público", antevê o crítico da "Variety".

Apesar de a indefinição de gêneros - "entre o horror o comentário social" - também ter sido vista com certo pé atrás por Wissberg, ele elogiou os aspectos visuais do filmes, capazes de criar uma atmosfera de opressão, e também a música, utilizada com o máximo cuidado.

O texto da "Screen" chama a atenção para a história bem construída, "cheia de paralelos e espelhos irônicos", e para a qualidade do elenco, mas faz algumas ponderações.

"[O filme] é, simplesmente, menos envolvente e menos urgente que outros filmes de arte que lidam com o real e o sobrenatural, como 'Deixe Ela Entrar' ou 'O Hospedeiro", escreveu Lee Marshal.

Dentre os grandes veículos dedicados ao cinema, o único que parece ter realmente torcido o nariz para "Trabalhar Cansa" é a "Hollywood Reporter": para o crítico da revista, trata-se de um "filme ambicioso", que "promete mais do que é capaz de entregar".

Mas, para Juliana Rojas e Marco Dutra, o simples fato de terem merecido uma avaliação crítica desses veículos "já deve ter sido mais do que eram capazes de imaginar" para seu primeiro (e barato) filme.


DRAMA SOBRE PEDOFILIA E COMÉDIA ISRAELENSE, OFUSCADOS POR BLOCKBUSTER HOLLYWOODIANO

Dois filmes polêmicos conquistaram os holofotes no tapete vermelho de Cannes 2011 no sábado (14): o austríaco "Michael", retrato de um pedófilo do diretor Markus Schleinzer, e "Footnote", uma comédia israelense sobre a competição intelectual e familiar.

Pena que foram ofuscados pelo blockbuster da saga de "Piratas do Caribe" - veja postagem posterior a essa.

Schleinzer, que foi diretor de elenco de "A Fita Branca", premiado com a Palma de Ouro de Cannes 2009, apresenta um projeto que em momentos parece um filme do seu 'tutor' Michael Haneke e que conta também com a interpretação impressionante de Michael Fuith.

Por trás das câmeras, Schleinzer reduz quase totalmente sua narrativa a dois personagens: Wolfgang, uma criança de 10 anos, e Michael, o homem que o sequestrou, mantendo-o preso em um porão para abusá-lo sexualmente com regularidade.

O diretor e roteirista, consciente do delicado do tema, decidiu explorar toda a maldade do mundo, embora siga a máxima lei do diretor de "A Professora de Piano": ensinar o antes e o depois, mas nunca o durante.

Getty ImagesO diretor do filme "Michael" Markus Schleinzer (no centro) em Cannes, acompanhado dos atores Viktor Tremmel, Ursula Strauss, Michael Fuith, David Rauchenberger, Christine Kain e Gisella Salcher

Com fortes semelhanças ao recente escândalo austríaco envolvendo Natascha Kampusch e Josef Fritzl, "Michael" capta com fidelidade a apavorante realidade sobre crimes, segredos e por outro lado, a cultura do respeito à intimidade.

"Em 'Michael' evitei deliberadamente qualquer julgamento ou explicação moral. Simplesmente é um homem e uma criança interagindo", diz o diretor na coletiva de imprensa.

O julgamento, no entanto, foi feito pela plateia e ficou dividido: recebendo tantos aplausos como vaias, talvez pela escolha de um tema tão indigesto ou porque investe em diversos elementos fortes no início e a partir da metade da projeção, o filme se movimenta por inércia.

"Michael" talvez seja o melhor filme sobre a pedofilia até hoje, por abordar o tema de forma fria e distanciada, sem simpatizar nem condenar o personagem.

A rotina de Michael com Wolfgang, o menino, é mostrada no seu dia-a-dia: lavam o banheiro juntos, montam um quebra-cabeça, às vezes saem para algum passeio de fim de semana.

O menino às vezes vê TV.

Nenhuma cena mais explícita é mostrada.

"A pedofilia é quase sempre tema dos jornais sensacionalistas. Essa constatação me assustou e quis tentar buscar novas respostas e abordar o tema de maneira franca, o que a ficção no cinema permite", explicou o diretor.
"Reconhecer a existência do pedófilo no meu filme não significa nem perdoar, nem condenar. Isso é tarefa da justiça".

O estilo seco e cortante do filme remete diretamente ao mais célebre diretor austríaco, Michael Haneke, para o qual Schleinzer trabalhou como diretor de elenco em filmes como

"A Professora de Piano".


Foi ele também o responsável pela preparação impecável das crianças do filme "A Fita Branca", de Haneke, que venceu a Palma de Ouro em Cannes em 2009.

Seu primeiro filme é uma grande estreia e deve marcar seu batismo de fogo nas trilhas negras e tortuosas do cinema austríaco.

Confira o trailer de "Michael":


Em paralelo, está a exibição da comédia israelense "Footnote", dirigida por Joseph Cedar, que também não foi recebida com alvoroço porque também teve suas razões para a reprovação e para a admiração.

Cedar, que vinha de uma carreira de filmes politizados e premiados - como "Beaufort", sobre a Guerra do Líbano - aguça o gênero e se arrisca em outro tipo de guerra, entre um pai e um filho, pelo sucesso profissional em um mesmo campo: o estudo do Talmude, peça central da literatura rabínica.

Por assim dizer, uma novela de Philip Roth, mas com menos silêncios, o choque de egos surge quando o pai recebe por engano os cumprimentos do primeiro-ministro por ter conseguido um Prêmio Israel que na realidade tinha sido outorgado a seu filho.

Por sua vez, a pouca ambição formal cede espaço aos diálogos engenhosos e a um brilhante retrato da competição que se esconde após todo grupo intelectual.

Confira teaser de "Footnote":



BRASILEIRO QUE CUSTOU R$ 74 MIL É EXIBIDO NA SEMANA DA CRÍTICA

"Permanências",
média-metragem de 34 minutos realizado, com R$ 74 mil pelo brasileiro Ricardo Alves Júnior, foi exibido na tarde de sábado (14) na Semana da Crítica, uma das mostras paralelas do Festival de Cannes e considerada uma janela para a produção experimental e para a descoberta de novos diretores.

O filme terá ainda uma segunda exibição no domingo (15).

Divulgação

Cena de "Permanências"

Confira entrevista do diretor à Folha de S.Paulo:


Folha - Como você inscreveu seu filme e como soube que tinha sido selecionado?

Ricardo Alves Júnior - O filme estreou em novembro de 2010 no Janela Internacional de Cinema do Recife, onde ganhou o prêmio de melhor filme. Nesse mesmo festival, Bernard Payen, programador da Semana da Crítica, viu o filme e sugeriu que eu me inscrevesse em Cannes.
Fiquei sabendo da seleção através de um e-mail, dez dias antes do anúncio oficial. Foram alguns dias de sigilo. Contei só para os parceiros com quem fiz o filme. Ficamos todos muito felizes.
Cada vez mais, o média-metragem perde o espaço de exibição. Essa seleção para Cannes pode fazer com outros festivais de curtas repensem seu critério em relação a duração dos filmes.

Os festivais internacionais são mais abertos a esse tipo de filme que o Brasil?

Meus curtas anteriores "Material Bruto" e "Convite para Jantar com o Camarada Stalin" passaram em festivais importantes como Rotterdam, Oberhausen e Paris Cinema. Comecei a ver então como o interesse pelo cinema brasileiro autoral vinha crescendo.
Só entre os mineiros, tivemos, neste ano, filmes na competição de Rotterdam ("O Céu sobre os Ombros"), na Seção Fórum do festival Berlim ("Os Residentes"), o curta "Ensolarado" no programa Geração também em Berlim e, ainda, uma retrospectiva da Marília Rocha com três longas no festival Vision de Reel.
Mas na maioria dos casos, nosso cinema é mais conhecido fora do Brasil do que aqui dentro. Ainda existe uma nebulosa questão política que tenta afastar o que estamos chamando de cinema autoral brasileiro do próprio público brasileiro, criando uma dicotomia entre mercado e cinema de autor.
Esse cinema está conquistando um mercado internacional e acredito que já é hora do Ministério da Cultura criar uma política interna de distribuição desses filmes que, infelizmente, têm muita dificuldade de chegar ao público brasileiro.
E só assim, tendo espaço para ser visto dentro do próprio país, ele poderá encontrar a sua voz.

"Permanências" foi filmado no conjunto habitacional IAPI, em Belo Horizonte. Por que esse lugar te interessou?

Faz quase 9 anos que me relaciono com esse lugar. Meu primeiro curta, "Material Bruto", foi filmado lá. Esse conjunto habitacional é, para mim, como "um navio naufragado no centro da cidade". Quis fazer um filme que proporcionasse a experiência de habitar o tempo desse espaço fantasmagórico. Para filmar, aluguei um apartamento no conjunto e, com a equipe, morei lá por 45 dias.

Que tipo de esperança ou certeza a vinda para Cannes te dá?

Um curta ou um média metragem, já pelo formato, tem sua dificuldade de projeção. Suas únicas janelas de exibição são os festivais ou a venda para TV e internet. Cannes dá uma grande visibilidade para o meu trabalho.
Além disso, como se trata de um filme de perfil experimental, que propõe uma relação narrativa com o espectador diferente do padrão proposto pela TV, a seleção me dá confiança para seguir apostando numa linguagem própria.


CINEMA IRANIANO MARCA PRESENÇA, COM "GOODBYE"

A reivindicação da liberdade artística no Irã, que está se transformando em uma triste rotina nos festivais de cinema, ganhou espaço neste sábado (14) em Cannes com a projeção de "Goodbye", de Mohammed Rasoulof, outro cineasta preso em seu país.

Na presença da protagonista Leyla Zareh e da esposa de Rasoulof, o filme - que aborda temas proibidos no Irã, como o aborto - foi aplaudido na seção "Um Certo Olhar".

"Vim para passar a mensagem do meu marido, que dedica este filme a todos os presos do Irã",
declarou a mulher do cineasta, enquanto Zerah acrescentou que espera "que esta história acabe bem".

Rasoulof foi acusado junto a Jafar Panahi, de quem foi assistente de direção, por conspiração e propaganda contrária à ditadura de Mahmoud Ahmadinejad.

Em "Goodbye" não há muito espaço para o otimismo, e se a jurada Linn Ullmann dizia na abertura do festival que "muitos membros de júris de arte são políticos sem ser, já que uma história individual pode criar empatia e solidariedade no espectador", no caso do Irã é inevitável que a política interfira de maneira brutal em cada filme produzido no país.

No longa, a personagem principal é uma advogada que tenta conseguir durante toda a trama uma permissão para deixar o país, no entanto precisa da autorização do marido, que se encontra no exterior.

"Se alguém se sente estrangeiro em sua própria terra, é melhor que se sinta estrangeiro em outro país", assegura a personagem em um momento do filme.

A homenagem ao cinema iraniano terá continuidade no próximo dia 20 com a projeção de "This Is Not a Film", de Panahi, que será exibido enquanto o cineasta aguarda o veredicto do tribunal de apelação, após ter sido condenado a seis anos de prisão e ser impedido de trabalhar como cineasta durante 20 anos.

Thierry Frémaux, diretor do Festival de Cannes, e Gilles Jacob, presidente do evento, asseguraram ao anunciar a inclusão destas produções iranianas na programação que "o filme de Rasoulof e as condições nas quais foi feito e o diário de Panahi sobre os dias de sua vida como artista impedido de trabalhar são, por si só, uma resistência às suas condenações".

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Com Reuters, Getty Images, UOL, EFE e Folha de S.Paulo

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