A carreira de José Renato, fundador do Teatro de Arena, se confunde com a história do teatro brasileiro moderno.
Ele inseriu o nacionalismo em cena, num tempo em que os palcos brasileiros eram uma extensão dos europeus e norte-americanos.
Mesmo após deixar o Arena, em 1962, continuou debruçado sobre dramaturgia brasileira, com autores como Dias Gomes e Millôr Fernandes, entre outros.
José Renato estava num momento especial, já que estava em cartaz com "12 Homens e Uma Sentença" - espetáculo que marcou sua volta à atuação, após um hiato de 55 anos.
Por ter se tornado uma lenda dos palcos como diretor, provava agora o reconhecimento direto das plateias, como um dos jurados de "12 Homens...".
"Nos sete meses de temporada, testemunhamos seu reconhecimento como ator, que ele experimentou com uma alegria juvenil", disse o ator Oswald Mendes, seu companheiro de cena.
À Folha, em novembro de 2010, José Renato não escondeu a satisfação: "Estou fascinado com a possibilidade de voltar (a atuar)".
DivulgaçãoJosé Renato em cena de "12 Homens e Uma Sentença"
Em sua última aparição no palco, no domingo (1), José Renato trocou uma palavra de seu texto.
Em vez de dizer que "o velho queria um pouco de atenção", disse: "O velho queria um pouco mais de tempo".
"Tanto ele como todos nós queríamos um pouco mais de tempo para nosso encontro. Fica a saudade, que dói demais. Fica também a certeza de que José Renato marcou definitivamente o teatro brasileiro -e, em particular, a vida e o caminho de cada um de nós", diz Mendes, que ainda conta que, depois da apresentação, foram jantar no "Planeta's", na região central de São Paulo, restaurante frequentado por muitos artistas.
De lá, uma amiga levou José Renato ao terminal rodoviário do Tietê, onde ele pegaria o ônibus da meia-noite para o Rio.
Pouco depois, ela recebeu uma ligação de uma enfermeira do Pronto Socorro de Santana, que a informou sobre a morte do artista - José Renato morreu às 0h50 da madrugada de ontem, aos 85, vítima de parada cardiorrespiratória.
"Acho que foi um belíssimo fechar de cortina para ele, com enorme sucesso pessoal. Uma geração inteira o descobriu por meio dessa peça", disse o diretor Eduardo Tolentino, que confirmou na noite de hoje que o ator Rogério Marcico, 81 anos, será o substituto de Zé Renato na peça a partir da próxima quinta-feira (5).
O enterro de Zé Renato aconteceu na manhã de hoje (3), no Cemitério Morumbi.
Divulgação
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JOSÉ RENATO CONDUZIU TRAJETÓRIA IMPAR COMO HOMEM DE TEATRO
Por Luiz Fernando Ramos - Crítico da Folha
Uma vida plena de realizações.
Se existe boa morte, é aquela que colhe o ser humano feliz no desfecho do arco percorrido.
José Renato estava felicíssimo, atuando em um espetáculo premiado, depois de 55 anos sem pisar no palco como ator.
A oportunidade coroou uma trajetória ímpar como homem de teatro, em que exerceu por várias décadas a condição de encenador e se sobressaiu como fomentador de um teatro popular.
Entre as 75 direções que realizou, desde 1951, há espetáculos antológicos, sempre de textos dos principais dramaturgos brasileiros que lhe foram contemporâneos.
A primeira, e talvez a mais marcante de todas, ocorreu no Teatro de Arena, que ele idealizou ao lado de Décio de Almeida Prado e inaugurou em 1953.
Foi "Eles Não Usam Black-Tie", do jovem Gianfracesco Guarnieri, na abertura da sala própria do Arena -atual Eugenio Kusnet- em 1958.
Em 1960 viria "Revolução da América do Sul", de Augusto Boal.
Em 1961, dirigindo o Teatro Nacional de Comédia do Rio de Janeiro, fez a principal montagem de "Boca de Ouro", de Nelson Rodrigues.
Em 1963, encenou "O Pagador de Promessas", de Dias Gomes, e em 1979, fez a estreia de "Rasga Coração", de Oduvaldo Viana Filho.
Sem preconceitos ideológicos, dirigiu também alguns sucessos comerciais como "Um Edifício Chamado 200", de Paulo Pontes, em 1971, e "O Dia em que Raptaram o Papa", de João Bethencourt, em 1981.
Nos últimos anos, conduziu o pequeno Teatro dos Arcos a partir de projetos apoiados pela Lei de Fomento ao Teatro em São Paulo e tornou-se referência de vitalidade para uma nova geração de criadores.
Se, na parceria com os mais notórios dramaturgos dos últimos 60 anos, muitas vezes José Renato esteve à sombra, sua personalidade e sua correção profissional sempre o mantiveram como um exemplo de dedicação ao ofício do teatro.
*****
Fotos: Internet"A existência do Arena se deve ao Zé Renato, e não ao Augusto Boal (1931-2009). É dele também o marco de incluir classes menos favorecidas na dramaturgia brasileira."
Juca de Oliveira, ator
"A partir de 1958, praticamente entregou o seu local de trabalho a um grupo de estudantes com toda a liberdade para fazer o que bem entendessem. Desse grupo, o Teatro Paulista do Estudante, faziam parte Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974), Guarnieri e eu (que não era estudante, mas um agregado, um "faz tudo')."
Flávio Migliaccio, ator
"O teatro brasileiro tem um grande limite marcado pela montagem de Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006) de "Eles Não Usam Black-Tie", idealizada e dirigida por Zé Renato."
Chico de Assis, ator, diretor e dramaturgo
"É uma perda muito grande que será sentida porque ele tentou aproximar o teatro culto à cultura popular com o Arena, criação dele, que não precisava de muito cenário. Era solto e livre."
David José, ex-ator do Arena
"Comecei no teatro com uma peça do Zé. A primeira dele. No elenco éramos nós dois e a Lélia Abramo (1911-2004). Foi uma experiência maravilhosa trabalhar com ele como diretor. O Zé era uma delícia de pessoa, um homem muito querido por todos."
Sérgio Britto, ator
"Tive o privilégio de ter um terço da minha carreira teatral dirigida por ele. Era uma pessoa de uma desenvoltura impressionante. Ao mesmo tempo em que fundou o Arena, dirigia grupos experimentais."
Marcos Caruso, ator
"Zé pegava no pé dos atores, tínhamos brigas homéricas, mas éramos amigos e tínhamos grande liberdade um com o outro. Por muito tempo ele ficou esquecido, mas nesses últimos dois anos voltou a ter o reconhecimento que merecia."
Miriam Mehler, atriz
Ele inseriu o nacionalismo em cena, num tempo em que os palcos brasileiros eram uma extensão dos europeus e norte-americanos.
Mesmo após deixar o Arena, em 1962, continuou debruçado sobre dramaturgia brasileira, com autores como Dias Gomes e Millôr Fernandes, entre outros.
José Renato estava num momento especial, já que estava em cartaz com "12 Homens e Uma Sentença" - espetáculo que marcou sua volta à atuação, após um hiato de 55 anos.
Por ter se tornado uma lenda dos palcos como diretor, provava agora o reconhecimento direto das plateias, como um dos jurados de "12 Homens...".
"Nos sete meses de temporada, testemunhamos seu reconhecimento como ator, que ele experimentou com uma alegria juvenil", disse o ator Oswald Mendes, seu companheiro de cena.
À Folha, em novembro de 2010, José Renato não escondeu a satisfação: "Estou fascinado com a possibilidade de voltar (a atuar)".
DivulgaçãoJosé Renato em cena de "12 Homens e Uma Sentença"
Em sua última aparição no palco, no domingo (1), José Renato trocou uma palavra de seu texto.
Em vez de dizer que "o velho queria um pouco de atenção", disse: "O velho queria um pouco mais de tempo".
"Tanto ele como todos nós queríamos um pouco mais de tempo para nosso encontro. Fica a saudade, que dói demais. Fica também a certeza de que José Renato marcou definitivamente o teatro brasileiro -e, em particular, a vida e o caminho de cada um de nós", diz Mendes, que ainda conta que, depois da apresentação, foram jantar no "Planeta's", na região central de São Paulo, restaurante frequentado por muitos artistas.
De lá, uma amiga levou José Renato ao terminal rodoviário do Tietê, onde ele pegaria o ônibus da meia-noite para o Rio.
Pouco depois, ela recebeu uma ligação de uma enfermeira do Pronto Socorro de Santana, que a informou sobre a morte do artista - José Renato morreu às 0h50 da madrugada de ontem, aos 85, vítima de parada cardiorrespiratória.
"Acho que foi um belíssimo fechar de cortina para ele, com enorme sucesso pessoal. Uma geração inteira o descobriu por meio dessa peça", disse o diretor Eduardo Tolentino, que confirmou na noite de hoje que o ator Rogério Marcico, 81 anos, será o substituto de Zé Renato na peça a partir da próxima quinta-feira (5).
O enterro de Zé Renato aconteceu na manhã de hoje (3), no Cemitério Morumbi.
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JOSÉ RENATO CONDUZIU TRAJETÓRIA IMPAR COMO HOMEM DE TEATRO
Por Luiz Fernando Ramos - Crítico da Folha
Uma vida plena de realizações.
Se existe boa morte, é aquela que colhe o ser humano feliz no desfecho do arco percorrido.
José Renato estava felicíssimo, atuando em um espetáculo premiado, depois de 55 anos sem pisar no palco como ator.
A oportunidade coroou uma trajetória ímpar como homem de teatro, em que exerceu por várias décadas a condição de encenador e se sobressaiu como fomentador de um teatro popular.
Entre as 75 direções que realizou, desde 1951, há espetáculos antológicos, sempre de textos dos principais dramaturgos brasileiros que lhe foram contemporâneos.
A primeira, e talvez a mais marcante de todas, ocorreu no Teatro de Arena, que ele idealizou ao lado de Décio de Almeida Prado e inaugurou em 1953.
Foi "Eles Não Usam Black-Tie", do jovem Gianfracesco Guarnieri, na abertura da sala própria do Arena -atual Eugenio Kusnet- em 1958.
Em 1960 viria "Revolução da América do Sul", de Augusto Boal.
Em 1961, dirigindo o Teatro Nacional de Comédia do Rio de Janeiro, fez a principal montagem de "Boca de Ouro", de Nelson Rodrigues.
Em 1963, encenou "O Pagador de Promessas", de Dias Gomes, e em 1979, fez a estreia de "Rasga Coração", de Oduvaldo Viana Filho.
Sem preconceitos ideológicos, dirigiu também alguns sucessos comerciais como "Um Edifício Chamado 200", de Paulo Pontes, em 1971, e "O Dia em que Raptaram o Papa", de João Bethencourt, em 1981.
Nos últimos anos, conduziu o pequeno Teatro dos Arcos a partir de projetos apoiados pela Lei de Fomento ao Teatro em São Paulo e tornou-se referência de vitalidade para uma nova geração de criadores.
Se, na parceria com os mais notórios dramaturgos dos últimos 60 anos, muitas vezes José Renato esteve à sombra, sua personalidade e sua correção profissional sempre o mantiveram como um exemplo de dedicação ao ofício do teatro.
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Fotos: Internet"A existência do Arena se deve ao Zé Renato, e não ao Augusto Boal (1931-2009). É dele também o marco de incluir classes menos favorecidas na dramaturgia brasileira."
Juca de Oliveira, ator
"A partir de 1958, praticamente entregou o seu local de trabalho a um grupo de estudantes com toda a liberdade para fazer o que bem entendessem. Desse grupo, o Teatro Paulista do Estudante, faziam parte Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974), Guarnieri e eu (que não era estudante, mas um agregado, um "faz tudo')."
Flávio Migliaccio, ator
"O teatro brasileiro tem um grande limite marcado pela montagem de Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006) de "Eles Não Usam Black-Tie", idealizada e dirigida por Zé Renato."
Chico de Assis, ator, diretor e dramaturgo
"É uma perda muito grande que será sentida porque ele tentou aproximar o teatro culto à cultura popular com o Arena, criação dele, que não precisava de muito cenário. Era solto e livre."
David José, ex-ator do Arena
"Comecei no teatro com uma peça do Zé. A primeira dele. No elenco éramos nós dois e a Lélia Abramo (1911-2004). Foi uma experiência maravilhosa trabalhar com ele como diretor. O Zé era uma delícia de pessoa, um homem muito querido por todos."
Sérgio Britto, ator
"Tive o privilégio de ter um terço da minha carreira teatral dirigida por ele. Era uma pessoa de uma desenvoltura impressionante. Ao mesmo tempo em que fundou o Arena, dirigia grupos experimentais."
Marcos Caruso, ator
"Zé pegava no pé dos atores, tínhamos brigas homéricas, mas éramos amigos e tínhamos grande liberdade um com o outro. Por muito tempo ele ficou esquecido, mas nesses últimos dois anos voltou a ter o reconhecimento que merecia."
Miriam Mehler, atriz
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