Proprietário pede o imóvel de volta; uma loja ocupará o lugar de um dos últimos cinemas de rua da cidade
Rodrigo Capote/Folhapress
Fachada do Belas Artes, na Rua da Consolação
O Belas Artes, um dos mais antigos cinemas de São Paulo, se prepara para as últimas sessões.
No dia 30 de dezembro, uma notificação judicial avisou: o imóvel, na esquina da avenida Paulista com a rua da Consolação, tem de ser entregue até fevereiro.
Terminará, assim, uma história iniciada em 1943.
Terminarão assim os "Noitões" que, nos últimos anos, chegaram a reunir, madrugada adentro, mil pessoas - era uma das baladas que eu mais curtia.
A ameaça de fechamento do cinema veio a público em março de 2010, quando o HSBC pôs fim ao patrocínio. André Sturm, o proprietário, começou então a bater à porta de algumas empresas, atrás de nova parceria.
Conversa daqui, conversa dali e, em novembro passado, foi acertado novo apoio.
A minuta do contrato estava sendo finalizada quando veio a surpresa.
"O proprietário disse que queria o imóvel de volta porque ia abrir uma loja lá", diz Sturm.
Sturm conta que havia se comprometido a pagar um novo valor de aluguel, de R$ 65 mil, assim que fechasse o patrocínio.
"Tínhamos um acordo, mas ele não cumpriu", diz o dono do cinema.
Flávio Maluf - não é o filho do político ladrão - passou a responder pelo imóvel há dois anos, quando seu pai morreu.
"Venceu a visão mesquinha", diz Sturm.
Ontem, os 32 funcionários receberam o aviso prévio.
Sturm assumiu o cinema em 2002, quando os antigos proprietários decretaram o negócio inviável -
o espaço, de fato, estava com as instalações decadentes e a programação descaracterizada.
Vieram a seguir a sociedade com a O2, produtora do cineasta Fernando Meirelles e, em 2003, o apoio do HSBC.
A ameaça do fim, em 2010, fez com que, no ano passado, a cidade se mobilizasse para salvar o Belas Artes: campanha tanto deu resultado que o patrocínio chegou.
Dentre as marcas que esta última fase deixará estão o "Noitão" e a longa permanência de alguns filmes -
pelo menos quatro títulos ficaram mais de um ano em cartaz: "O Filho da Noiva", "Bicicletas de Belleville", "2046 - os Segredos do Amor" e "Medos Privados em Lugares Públicos".
A tradição cinéfila do espaço firmou-se na década de 70: o cinema pertencia ao grupo francês Gaumont que, além de exibidor e distribuidor, era produtor de cineastas autorais, como Fellini e Antonioni.
Na década de 80, foram muitos os cineastas brasileiros a escolher o Belas Artes como tela preferencial para suas estreias e foram muitos os espectadores a formar filas na Paulista, para conseguir um lugar nas sessões de "Daunbailó", de Jim Jarmusch, e "Terra dos Bravos", de Laurie Anderson.
Para evitar que toda essa memória se esvaia do dia para a noite, Sturm fará, a partir do dia 14, duas retrospectivas: uma trará clássicos do cinema, e outra, clássicos do Belas Artes.
E não é só, pois Sturm avisa: "Meu compromisso é abrir outro cinema do mesmo tipo. Já tenho lugares em vista."
Hoje, o Facebook amanheceu com muitas mensagens lamentando o fechamento.
E eu pergunto: onde o povo que chora a perda de patrimônios culturais como o Bela Artes está, quando esses patrimônios culturais precisam de verba pra sobreviver?
Pagando ingresso e indo lá sempre, para prestigiar e dar audiência, garanto que não é.
Cultura precisa de grana - é fato.
Vocês, que estão tão tristinhos, poderiam enxugar suas lágrimas, aproveitar o pessoal que os "curte" e "comenta", e partir para um abaixo-assinado, uma manifestação na porta do cinema...
Será "uma grande perda" - como alguns escreveram - se ninguém fizer nada.
Tiremos nossas bundas das cadeiras confortáveis de onde teclamos, e vamos à luta!
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