terça-feira, 9 de março de 2010

FABRÍCIO CORSALETTI NÃO SEPARA A POESIA DA VIDA


Fabrício Corsaletti acaba de lançar seu oitavo livro - "ESQUIMÓ" - pela Companhia das Letras.

Aos 31 anos, e contando com uma renca de resenhas elogiosas, o poeta parece que já está inteiramente adaptado a São Paulo, a metrópole que o assombrou ao deixar em 1997 a pequena Santo Anastácio, a 600 km da capital, para estudar letras na USP.

O escritor Fabrício Corsaletti

A memória da terra natal marcou o inícioda sua poesia, e explodiu no primeiro livro de prosa, "King Kong e Cervejas" (Cia. das Letras, 2008). Antes disso, em 2007, ganhara uma antologia poética, "Estudos Para o Seu Corpo".
Em 2009 saiu, pela 34, onde trabalha como editor-assistente, "Golpe de Ar", seu primeiro - e urbano - romance.

Corsaletti parece estar mesmo mais "paulistano", mas continua impregnado de Santo Anastácio.

Sua melancolia lírica fez a crítica compara-lo a Bandeira e Drummond, e ele revela que, de fato, na adolescência leu ambos por dois anos sem parar.
Mas a verdadeira revelação, conta, veio antes, ao ler uma antologia de Vinicius de Moraes.

Vinicius era chamado de "Poetinha", alguém que dessacralizou a imagem de poeta, despiu-se da aura romântica. Por esse ponto de vista, Corsaletti é totalmente "Poetinha". Não há fronteira clara entre o que vive e o que escreve - tudo vira literatura.

O escritor é maluco pela atriz francesa Eva Green -a evocação do corpo feminino é outra marca autoral sua. Assim, fez para ela um poema em "Esquimó", um dos mais divertidos do livro, em que planeja aventuras com ela (veja o poema abaixo).

Brincadeirinha de poeta, já que Corsaletti é completamente louco pela namorada, a professora de estilismo Mariana Rocha.
"Depois da poesia, ela é o acontecimento mais importante de minha vida", diz.
Dedica-lhe livros e poemas.
Para ela escreveu "Seu nome", que o autor considera o seu melhor poema até hoje.

Corsaletti anda encantado por Bob Dylan, faz alguns anos.
Estudou inglês para entender as letras. Reunia-se com amigos para traduzir o cantor americano.
Dylan inundou "Esquimó" de referências: "Quinn the Eskimo" é uma música dele, assim como "Everything is Broken", nome do poema de abertura do livro.
(O poeta também compôs rocks para as bandas Barra Mundo e Portnoy, e fez, em parceria com o pai, dentista e compositor, o hino de Santo Anastácio).
Corsaletti acorda cedo para ler e escrever, e escreve todo dia.
Para a prosa ("mais lógica e trabalho braçal") é mais rigoroso, acorda às 6h e se concentra.
Num caderno, registra tudo que lê em prosa ("de poesia não se lê um livro inteiro") - a soma está em 476 títulos.
Adora Rimbaud, Raduan Nassar, Salinger, Cortázar, Faulkner, Angélica Freitas e César Vallejo.

A todo instante joga fora poemas. "Não tenho nenhum apego emocional aos meus textos, somente quando são bons."

Até hoje, uma resenha sobre "King Kong e Cervejas", foi a única que irritou Fabrício.
Em um texto na revista "Sibila", o crítico Rodrigo Gurgel insinuou que o coleguismo era a causa das boas resenhas.
Perguntado sobre o que quis dizer com a insinuação, Rangel diz: "Foi retórica. Hoje no Brasil um sujeito vira genial por vários fatores: amizades, contatos, a pessoa certa para fazer a resenha no lugar certo", disse o crítico.

Autor de algumas das resenhas elogiosas, o professor de literatura da USP Alcides Villaça, que leu a produção de Corsaletti quando ele ainda era seu aluno e o estimulou a seguir, discorda. "Normalmente os jovens expressam de forma direta e prosaica sua experiência de vida, como uma confissão. Ele tem altitude, achou o espaço da sua experiência sem diminui-la nem sobrevalorizá-la."

Leia abaixo alguns poemas de "Esquimó":

Everything is broken

a rua está quebrada
minhas botas
estão quebradas
minha voz
está quebrada
meu pensamento
está quebrado
as portas estão quebradas
o despertador está quebrado
a noite está quebrada
a manhã
será quebrada --
há uma pessoa no mundo
que não está quebrada
e eu estou ao seu lado
como se não estivesse quebrado --
a alegria
está quebrada
o cansaço está quebrado
tudo está quebrado

Variações nº 5

1
o caminho é sempre o mesmo
os pés são sempre os mesmos
os pensamentos e os sapatos são outros
2
o caminho é sempre outro
os pés são sempre outros
os pensamentos e os sapatos são os mesmos

Exílios

o nariz da minha mulher
lembraria o focinho
de uma capivara
de pelúcia
se vivêssemos
numa ilha
selvagem
onde as capivaras
fossem os únicos
animais e corressem
risco de extinção
--
desde que conheci
minha mulher
me sinto exilado
dentro de mim mesmo

Lígia e os idiotas

naquela época eu vivia cercado de idiotas
para onde olhasse enxergava idiotas
no espelho flagrava um perfeito idiota
a multidão do colégio era um desfile de idiotas
Lígia não era idiota
nunca fui seu amigo porque acabei me aproximando de idiotas
e fiquei mais idiota
e Lígia não gostava de idiotas
hoje sei que existem muitas Lígias no mundo
mas sei também que existem idiotas
e por mais que eu tente me dizer que essas coisas andam juntas
que dentro de cada um existe uma Lígia e um idiota
aprendi que é preciso ficar perto de Lígia
e longe dos idiotas

Plano

esperar Eva Green vir a São Paulo
por acaso conhecer Eva Green
convidar Eva Green para uma feijoada
beber com Eva Green cerveja e Salinas
ensinar Eva Green a sambar
no fim do dia ver com Eva Green o sol se pôr na praça do Pôr do Sol
se Eva Green for maconheira é melhor ter um baseado no bolso
falar de Rimbaud com Eva Green
mas Eva Green tem cara de quem prefere Baudelaire
traduzir Bandeira para Eva Green
Tom Jobim para Eva Green
Bocage para Eva Green
em hipótese alguma ler os poemas que escrevi sobre Eva Green
tomar um drinque no Terraço Itália com Eva Green
visitar Betito e Gô com Eva Green
não ir com Eva Green ao La Tartine
a não ser que Eva Green esteja muito nostálgica
ir ao cinema com Eva Green?
à praça Roosevelt com Eva Green?
sei que Eva Green não gosta de boate
apresentar a Eva Green uma boa padaria
amanhecer na Paulista com Eva Greeen
roubar um carro conversível
e descer para Santos com Eva Green
dormir num hotel barato mas limpinho com Eva Green
fazer amor com Eva Green
levantar tarde e comprar um biquíni
e protetor solar para Eva Green
comer mariscos com Eva Green e beber mais cerveja
em algum quiosque da beira da praia
quando Eva Green disser "vou dar um mergulho e já volto"
depressa avisar Eva Green que a água está poluída
consolar Eva Green por esse triste fato
prometer levar Eva Green a Picinguaba
onde o mar é verde como os olhos de Eva Green
agora sim mostrar para Eva Green os poemas que fiz para Eva Green
depois voltar ao hotel com Eva Green
massagear os pés de Eva Green
e deixar de Eva Green durma tranquila
então abrir a janela e tomar uma dose de uísque
olhando as estrelas e relembrando a infância
e sentir a maresia invadir o quarto e a cama
onde Eva Green dorme de lado com minha camiseta
e esfrega um pé no outro enquanto sonha

Esquimó
Autor: Fabrício Corsaletti
Editora: Companhia das Letras
Categoria: Literatura Nacional / Poesia
Quanto: R$ 24,80 - na Saraiva.com

Livros já publicados do autor

"Movediço" (Labortexto, 2001)
"O Sobrevivente" (Hedra, 2003)
"Zoo" (infantil, Hedra, 2005)
"Estudos Para o Seu Corpo" (Cia. das Letras, 2007)
"King Kong e Cervejas" (Cia. das Letras, 2008)
"Golpe de Ar" (34, 2009)
"Esquimó" (Cia. das Letras, 2010)
"Zoo Zureta" (infantil, Cia. das Letras, 2010)


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