Com a refilmagem de "Bravura Indômita" pelos irmãos Coen, a grande estrela da recém-lançada lata "Coleção John Wayne" torna-se a primeira versão da história, de 1969, que deu ao velho caubói o prêmio de melhor ator.
TRAILER DO FILME ''BRAVURA INDÔMITA''
O filme é bom, mas o pacote de seis discos traz dois ainda melhores, "O Homem que Matou o Facínora" ("The Man Who Shot Liberty Valance", 1962), uma obra-prima, e "El Dorado" (1966), quase. Todos são da fase madura de Wayne (1907-1979), que apareceu em mais de 150 filmes e fez pelo menos um por ano entre 1926 e 1976.
Wayne sobreviveu como astro e atração de bilheteria cerca de 15 anos a mais do que seus contemporâneos, que já nos anos 60 estavam mortos, aposentados ou decadentes.
Até o fim "Duke", como era chamado pelos amigos e fãs, conseguiu manter o poder de transmitir autoridade, do alto de seus 1,93 metro e mais de 100 quilos, mesmo interpretando um delegado bêbado, briguento e irresponsável como o Rooster Cogburn de "Bravura Indômita". Nem mesmo o fato de ser o mais desbocado dos direitistas de Hollywood, um meio majoritariamente liberal, tirou-lhe a respeitabilidade.
E foi justamente numa época de intenso sentimento antibelicista e espírito de contestação que Wayne recebeu seu Oscar.
Naquele ano concorriam em várias categorias produções anti-estabilishment como "Sem Destino", "Meu Ódio Será Sua Herança", "Perdidos na Noite" (o grande vencedor) e "Z".
Wayne, que falava mal de quase todos esses filmes, foi mesmo assim aplaudido de pé quando subiu ao palco.
O clima era altamente favorável ao ator: o crítico do "New York Times", Vincent Canby, havia escrito que "Bravura Indômita" era "uma clássica fábula do oeste que consegue ser extremamente divertida até quando está sendo mais reacionária".
Apenas um ano antes havia sido lançado "Os Boinas Verdes", segundo e último filme dirigido por Wayne e o único do período inteiramente a favor da participação dos Estados Unidos na guerra do Vietnã.
Daquela vez, a crítica do "New York Times", assinada por Renata Adler, começava dizendo que o filme era "tão inominável, tão estúpido, tão podre e falso em cada detalhe que passa por piada". Mesmo assim, "Os Boinas Verdes" foi um sucesso de bilheteria.
Fotos: Arquivos do Klau
Wayne em "Bravura Indômita" (1969)
Em seus anos de juventude, Wayne encarnava a imagem que os americanos gostavam de ter a de si mesmos, individualista e viril.
Com Wayne, a figura do caubói cinematográfico (que já existia antes dele) passou a ter uma conformação sólida, lacônica, direta, com um andar ressabiado e pálpebras tão pesadas que nem sempre é possível distinguir perfeitamente sua expressão facial (para não falar da sombra do chapéu).
Era sobretudo um homem solitário, impaciente com a vida de família, mais à vontade ao ar livre e no lombo de um cavalo do que na rotina doméstica ou no trabalho sedentário.
Na fase dos filmes que agora estão saindo em DVD e blu-ray, Wayne se aproximou cada vez mais de uma figura paternal, mesmo que esse pai pudesse ser completamente fanfarrão e sequer reconhecesse seus filhos, como em "Jake Grandão" ("Big Jake", 1971), o mais recente, escrachado (no bom e no mau sentido) e violento do conjunto.
O velho pistoleiro passa o filme dando lições de macheza e cinismo aos dois herdeiros, que são socados regularmente (dois atores muito ruins: Patrick Wayne, que era realmente filho de John Wayne, e Christopher Mitchum, filho do ator Robert Mitchum).
Wayne em "Jake Grandão" (1971)
No filme mais antigo dos seis, "Caminhos Ásperos" ("Hondo", 1954), Wayne consegue se unir à mulher amada (Geraldine Page), que mora sozinha com um filho pequeno no meio do território apache, conquistando a confiança do garoto e matando, sem saber, o marido malfeitor e fujão.
Este filme tem a curiosidade de ter sido rodado originalmente em 3D e de ser o único da lata que inclui extras, vários extras, até demais para sua reduzida importância - já "O Homem que Matou o Facínora" vem apenas com o trailer.
A idade madura do ator acentua em todos esses filmes o tom de elegia, pelo fim do herói e de uma era, que impressionou tanto em "Bravura Indômita".
Nele, a garota de 14 anos que contrata Cogburn para caçar o assassino de seu pai é uma monótona defensora da lei, da sobriedade e dos valores familiares em contraste com os métodos do velho caubói.
Wayne em "Caminhos Ásperos" (1954)
Embora num tom radicalmente oposto, esse é também o antagonismo central de "O Homem que Matou o Facínora".
No filme, o senador, advogado e alfabetizador Ramson Stoddard (James Stewart) e o rancheiro alcoólatra e justiceiro Tom Doniphon (Wayne) são empurrados para a missão de enfrentar um bandido cruel, Liberty Valance (Lee Marvin).
Em sua inteireza e integridade, o faroeste dirigido por John Ford, um dos mais bonitos de todos os tempos, consegue ao mesmo tempo construir e demolir o mito (ou os mitos) do oeste.
Este é o filme que termina com a famosa frase dita por um jornalista:
"Quando a lenda se torna fato, imprima-se a lenda."
Wayne e Ford fizeram 22 filmes juntos, entre eles marcos históricos como "No Tempo das Diligências" (Stagecoach, 1939) e "Rastros de Ódio" ("The Searchers", 1956).
O astro via o diretor como "um pai ou um irmão mais velho", e um ajudou o outro a formar suas respectivas personalidades artísticas, apesar das muitas diferenças entre eles, inclusive políticas (Ford foi, na maior parte da vida, um "liberal").
O diretor sempre enfatizou a ambiguidade da situação do herói solitário, patriota, imbuído de profundo sentido moral, mas desiludido e resignado diante da hipocrisia
Wayne em "O Homem que Matou o Facínora"
O outro diretor com quem Wayne mais se identificou, Howard Hawks, era de uma estirpe diferente.
Duas das colaborações entre eles estão na presente lata da Paramount: além do citado "El Dorado", "Rio Lobo" (1970), o último filme do diretor.
Se Hawks era menos questionador do que Ford, nem por isso demonstrava menos ânimo na hora de filmar.
Cineasta da ação cotidiana por excelência, Hawks infundia nos personagens de Wayne uma segurança de dar medo.
Nos filmes da dupla, o caubói era um cara que não procurava encrenca, mas nunca recuava diante de uma afronta, nem de um serviço a ser feito.
Consensualmente, considera-se "Onde Começa o Inferno" ("Rio Bravo", 1959) a melhor colaboração Wayne-Hawks.
O filme foi feito como uma resposta a "Matar ou Morrer" ("High Noon", 1952), dirigido por Fred Zinnemann, que havia causado furor entre a crítica como um metáfora do macartismo.
Gary Cooper fazia um xerife relutante à procura de apoio numa cidade acovardada para reagir a uma ameaça externa.
Wayne o considerava "a coisa mais antiamericana" que já tinha visto, e decidiu reagir com um filme em que o herói não foge de sua missão, mesmo que seja para agir sozinho ou com um bando de párias.
"El Dorado" e "Rio Lobo" são praticamente refilmagens de "Onde Começa o Inferno".
O primeiro, em que Wayne se une a um xerife afundado na bebida (Robert Mitchum) e um jovem caubói que não sabe atirar (James Caan), mantém intactos o ritmo, o humor e uma encenação de mestre, chegando perto da qualidade do "original".
"Rio Lobo" é um pouco menos parecido com "Onde Começa o Inferno" e um pouco menos bom, embora traga uma história mais instigante do que os demais ao bagunçar as noções de lealdade e justiça entre correligionários (ianques e sulistas durante a Guerra Civil Americana).
Wayne em "Rio Lobo" (1970)
Todos os filmes lançados ou relançados agora são faroestes, mas John Wayne não se limitou ao gênero.
Fez vários filmes de guerra, melodramas e comédias, como o célebre "Depois do Vendaval" ("The Quiet Man", 1952), dirigido por John Ford e ambientado na Irlanda.
Mas é como caubói que ele some no horizonte no fim de "Bravura Indômita"...
Imprima-se a lenda.
Coleção John Wayne (lata)
Distribuidora: Warner
Filmes: "Caminhos Ásperos", "O Homem que Matou o Facínora", "El Dorado", "Bravura Indômita", "Rio Lobo", "Jake Grandão"
Gênero: faroeste
Preço: R$89,90
Onde Comprar: Livraria Saraiva, pelo link: http://goo.gl/7w5M9
COTAÇÃO DO KLAU:
Nenhum comentário:
Postar um comentário