quarta-feira, 9 de março de 2011

"AMOR E ÓDIO AOS GAYS" É A MATÉRIA DE CAPA DA "ÉPOCA" DESTA SEMANA

A matéria de capa da edição da revista "Época" que está nas bancas destaca a bandeira gay - com a cor vermelha se derramando em referência ao sangue de milhares de homossexuais mortos por homofobia.

Intitulada "Amor e Ódio aos gays", a revista faz a pergunta que todos nós queremos saber a resposta: "No Carnaval, o Brasil aceita, imita e consagra os homossexuais. Por que, no resto do ano, há tanta violência?"

Os repórteres Katia Mello, Carlos Giffoni, Maurício Meireles, Martha Mendonça e Marcelo Rocha, relembram os recentes casos de homofobia ocorridos em São Paulo e no Rio de Janeiro, como o de Alexandre Ivo, 14 anos, assassinado brutalmente no dia 21 de julho do ano passado, por ser homossexual - os três suspeitos pela morte de Alexandre, descritos como skinheads, respondem pelo crime em liberdade.

Reprodução Capa da revista "Época", de 4 de março de 2011

Abordando a liberdade que gays e lésbicas sempre tem na maior festa popular do país, a reportagem entrevistou Carlos Tufvesson, coordenador especial de Diversidade Sexual do município do Rio, sobre a campanha "Rio: Carnaval sem preconceito", feita para este carnaval - os participantes do atual "bbb" usaram a camiseta da campanha, ao vivo, ontem à noite, numa nítida "limpada de barra" da Globo para fazer frente à vigilância do Ministério Público sobre essa edição do reality.

"Muitos dos homens que saem de vestido e maquiagem nos blocos de Carnaval vão agredir homossexuais no resto do ano ou mesmo quando tirarem a fantasia", afirmou Tufvesson, declaração endossada por Maria do Rosário, atual secretária dos Direitos Humanos. "Esses ataques são crimes de ódio e não podem se consolidar como uma prática cotidiana. Isso é inaceitável", disse a secretária.

O deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) e a senadora Marta Suplicy (PT - SP) também são citados como parlamentares que fazem forte pressão no Congresso pela aprovação do PLC 122 - que torna crime a discriminação por orientação sexual .

A matéria não se aprofunda na discussão sobre o projeto de lei, e ainda ouve o badalado advogado Ives Grandra Martins, que diz que a criminalização da homofobia é "desnecessária, já que até piadas contra gays se tornariam crime".

O reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que escreveu que "ensinar e pregar contra a prática do homossexualismo não é homofobia" em um manifesto que se espalhou na internet, também é citado.

A matéria ainda explica porquê um crime é visto pela maioria da população como mais um ato de violência, e não como um crime de ódio: Angélica Ivo, mãe do adolescente gay de 14 anos morto no Rio, é a prova de que nossa sociedade não tem conhecimento do mal que a homofobia causa aos homossexuais, e declara:
"Nunca tinha ouvido falar em crime de ódio, não sabia que alguém era capaz disso. Dói muito imaginar meu filho, uma criança, lutando três horas pela própria vida", conta Angélica.

É justamente por isso, para se colocar todos os pingos nos "is", que o PLC 122/06 deve ser debatido com seriedade, e sem amarras religiosas, morais ou culturais.

Não é uma lei que proíbe "piada contra gays" ou que "incita a homossexualidade", e sim um direito de ir e vir sem ser discriminado, agredido ou morto por sua orientação sexual.

Confira um resumo da matéria da "Época":

Amor – e ódio – aos gays (trecho)

No Carnaval, o Brasil aceita, imita e consagra os homossexuais. Por que no resto do ano há tanta violência contra eles?

Nos próximos dias, eles vão tomar o país.

Nas escolas de samba, nos blocos, nos desfiles de fantasia, os homossexuais dominam o Carnaval.
Durante esse período, se você passear pela Praça General Osório, no início de Ipanema (o bairro mais carioca do Rio de Janeiro), poderá pensar que está numa república diferente – cujo hino é uma marchinha irreverente, a bandeira tem a cor do arco-íris e a língua, quando é usada para falar, traz tantos sotaques quantos havia na mítica Torre de Babel.

Não é à toa. O Rio costuma receber 800 mil turistas homossexuais por ano, um terço deles durante o Carnaval.
Em média, eles gastam três vezes mais que os turistas heterossexuais.

NESSE DIA NINGUÉM CHORA
Foliões travestidos aguardam o início do desfile da Banda de Ipanema, no Rio. O Carnaval não apenas tolera, mas celebra o universo gay

Neste verão, a moda foi o cruzeiro gay.
Apenas num fim de semana de janeiro, desembarcaram no Rio 2 mil homossexuais americanos de um transatlântico.
Salvador não fica muito atrás.
Neste ano, a cidade lançou o primeiro trio elétrico gay da Bahia, o Liberty.
Os abadás, camisetas que servem de passaporte para o bloco, se esgotaram em poucos dias.
Florianópolis também entrou na briga para atrair os gays: virou sede da convenção anual do IGLTA – International Gay & Lesbic Association, a ser realizada no ano que vem.

Aos gays que vêm de fora, acrescente-se o contingente nacional.
Não é que eles se multipliquem (não há dados para afirmar que mais gente saia dos armários nesses dias), mas a cultura carnavalesca deve muito de suas características ao universo gay.
E mesmo alguns dos mais renitentes machões saem às ruas travestidos.

Num clima desses, de tamanha tolerância, fica difícil entender que estejamos no mesmo país que vem testemunhando casos chocantes de agressão a homossexuais.
“Muitos dos homens que saem de vestido e maquiagem nos blocos de Carnaval vão agredir homossexuais no resto do ano ou mesmo quando tirarem a fantasia”, diz Carlos Tufvesson, coordenador especial de Diversidade Sexual do município do Rio.
Por isso, Tufvesson lançou na última quarta-feira a campanha “Rio: Carnaval sem preconceito”, que incluirá depoimentos de artistas e treinamento para guardas civis saberem lidar com casos de discriminação ou agressão.

Casos assim não faltam, como pode testemunhar Augusto (nome fictício).
O rapaz de 27 anos, estudante da Universidade de São Paulo (USP), tem tido pesadelos desde o final de janeiro, quando foi atacado, às 4h30 da madrugada, na Rua Peixoto Gomide, na região central de São Paulo.
Ele andava com um amigo quando, do nada, levou uma garrafada no olho.
O amigo foi atingido por socos e pontapés.
Os agressores eram um grupo de oito jovens vestidos de preto.
Um tinha a cabeça raspada, outro era tatuado.
“Não houve uma palavra, uma provocação. Eles simplesmente nos atacaram”, disse Augusto.
Pelo jeito que ele e o amigo falavam e gesticulavam, imagina, era possível perceber claramente que os dois eram gays.
Daí conclui que sofreu um ataque homofóbico.

Em seus pesadelos, Augusto sonha que está com amigos e de repente alguém morre.
O estudante quase perdeu a visão do olho direito.
Depois do ataque, diz ter parado de sair à noite.
Segundo ele, o mais traumatizante não foi a violência, mas como as pessoas reagiram a ela.
“Alguns disseram que eu tinha mesmo de apanhar por ser gay.”

Estima-se que no ano passado o Brasil teve 252 assassinatos motivados por ódio aos homossexuais

Essa região de São Paulo parece ter se tornado foco de ataques.
Em novembro, houve dois do mesmo tipo.
Um grupo de cinco rapazes atacou quatro jovens em diferentes locais da Avenida Paulista.
Como uma das agressões foi filmada pela câmera de segurança de um banco, o caso ganhou os noticiários de TV.
Os cinco agressores foram identificados.
Quatro deles, menores, passaram um mês na Fundação Casa (ex-Febem).
O único maior de idade do grupo, Jonathan Domingues, de 19 anos, foi indiciado por lesão corporal.

Uma das vítimas desse ataque foi Luís Alberto Betonio, de 23 anos, estudante de jornalismo.
Ele caminhava com amigos gays quando foi atingido no rosto, sem nenhum aviso, com uma lâmpada fluorescente.
Betonio também passou a ter medo de sair de casa.
Faz terapia, mas diz ainda não ter conseguido superar o medo.
“Ando na rua olhando para trás o tempo inteiro, desconfio de todo mundo.”

A poucos metros de onde Betonio apanhou, os cinco rapazes fizeram mais vítimas. Sérgio, de 38 anos, gay assumido, levou sete golpes de soco-inglês.
Quase perdeu a visão.
Enfrentou duas cirurgias de reparação, uma delas de dez horas.
“Tive medo de ficar cego”, disse.
O olho ficou bom, mas o trauma permanece.
“Chorei muito. Demorei três meses para sair com meus amigos de novo. Naquela região da cidade, eu não ando mais.”

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