A atriz espanhola Carmen Maura é uma mulher livre.
É livre para gargalhar alto num restaurante de luxo, para dar de ombros aos relógios alheios que controlam seu tempo e para atravessar o tapete vermelho da Berlinale com o esmalte das unhas lascado.
Carmen Maura é livre, até, para brigar com Pedro Almodóvar.
"Quero me divertir, viver bem, não conseguiria ser uma estrela intocável", disse a atriz espanhola, um dia após ter apresentado, no último festival de Berlim, a inofensiva e simpática comédia francesa "As Mulheres do 6º Andar".
Para desespero dos assessores, Maura desandou a falar.
Não parecia haver gesto capaz de contê-la.
"Quando começa a promoção de um filme e me dizem 'Você tem que ir a Berlim', é um sacrifício. Penso na mala, no que tenho que trazer, mas na hora de conversar, me divirto."
Como boa comediante, a ex-musa de Almodóvar sabe fazer o interlocutor rir.
As expressões, os gestos, as palavras em espanhol que mete no meio das frases em francês - "Chica!" -, tudo nela acaba por divertir.
"Ah, adoro fazer pobres porque é mais confortável", diz, sobre o filme exibido em Berlim, em que vive uma empregada doméstica.
"Já fiz muitas empregadas. Elas não usam salto, maquiagem..."
Mas a verdade é que Maura, desde que estreou no cinema, em 1971, foi rica, pobre, boa, megera, neurótica e até fantasma.
"Me transformo em qualquer coisa."
Só não lhe venham com psicologismos.
"Se vou viver uma louca, não vou ficar um mês num hospício. Em casa, vou ler o roteiro e entender."
Essa lição ela aprendeu com Almodóvar, o diretor mais marcante, o amigo com quem rompeu.
John Macdougall/AFPA atriz espanhola Carmen Maura fala a jornalistas na última Berlinale
Maura e Almodóvar se conheceram no final da década de 1970 - estavam fazendo a mesma peça de teatro em Madri.
No primeiro filme com ele, "Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão" (1980), a atriz passou figurino e ajudou a conseguir dinheiro para a produção.
"Não tínhamos nada, mas era muito divertido", conta.
"O Pedro mudou muito", diria, mais adiante.
Antes de ele mudar, vieram ainda os longas "Maus Hábitos" (1983), "Que Fiz Eu para Merecer Isto?" (1984), "Matador" (1986), "A Lei do Desejo" (1987) e "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos" (1988).
Foi na entrega do Oscar, no ano em que "Mulheres" foi indicado, que o rompimento dos dois veio a público.
Passou, então, a ser tratado com tintas de melodrama.
O auge da cena pública se deu na entrega de um prêmio Goya, em 1990, quando Maura era apresentadora e Almodóvar foi convidado para homenageá-la.
Ela recebeu um pedaço do muro de Berlim, e os fotógrafos deliraram.
"No dia seguinte, estávamos na primeira página dos jornais", afirma.
"E era um momento em que todo mundo dava pedaços do muro. Eu tinha vários em casa!".
Duas décadas depois de "Mulheres", o diretor convidou-a para fazer a matriarca fantasma de "Volver" (2006).
Ela topou e o resultado foi brilhante.
"Nossa relação profissional não mudou."
"O que me chamou a atenção é que ele virou um rei. Quando ele chegava ao set, todo mundo falava baixo, com medo", diz, imitando cochichos.
"Não sei se a pessoa que conheci ainda está lá. Ele ficou muito mais sério."
Hoje, eles não se falam.
Mas se acabou a relação com Almodóvar, continua intensa sua história com incontáveis diretores espanhóis, argentinos, franceses e até com Francis Ford Coppola - em 2010, a atriz rodou quatro filmes.
Mas Maura não é da estirpe dos sofredores.
"Cinema é muito fácil", diz.
"É como se você fosse criança brincando. Eles te dão uma casa, um marido, os filhos. E depois tem o milagre da câmera, que faz metade do trabalho."
Segunda ela, o segredo do cinema é o respeito pela câmera.
"Ela pode estar com você ou contra você."
E segredo de viver com tamanha liberdade?
"Nunca quis chegar a um lugar específico, receber tal prêmio. É muito mais difícil viver o sucesso que as dificuldades. Nas dificuldades, todos te confortam. No sucesso..."
Essa frase, a faladora Maura conclui com o silêncio.
*****
Matéria da repórter Ana Paula Sousa - Folha de S.Paulo
É livre para gargalhar alto num restaurante de luxo, para dar de ombros aos relógios alheios que controlam seu tempo e para atravessar o tapete vermelho da Berlinale com o esmalte das unhas lascado.
Carmen Maura é livre, até, para brigar com Pedro Almodóvar.
"Quero me divertir, viver bem, não conseguiria ser uma estrela intocável", disse a atriz espanhola, um dia após ter apresentado, no último festival de Berlim, a inofensiva e simpática comédia francesa "As Mulheres do 6º Andar".
Para desespero dos assessores, Maura desandou a falar.
Não parecia haver gesto capaz de contê-la.
"Quando começa a promoção de um filme e me dizem 'Você tem que ir a Berlim', é um sacrifício. Penso na mala, no que tenho que trazer, mas na hora de conversar, me divirto."
Como boa comediante, a ex-musa de Almodóvar sabe fazer o interlocutor rir.
As expressões, os gestos, as palavras em espanhol que mete no meio das frases em francês - "Chica!" -, tudo nela acaba por divertir.
"Ah, adoro fazer pobres porque é mais confortável", diz, sobre o filme exibido em Berlim, em que vive uma empregada doméstica.
"Já fiz muitas empregadas. Elas não usam salto, maquiagem..."
Mas a verdade é que Maura, desde que estreou no cinema, em 1971, foi rica, pobre, boa, megera, neurótica e até fantasma.
"Me transformo em qualquer coisa."
Só não lhe venham com psicologismos.
"Se vou viver uma louca, não vou ficar um mês num hospício. Em casa, vou ler o roteiro e entender."
Essa lição ela aprendeu com Almodóvar, o diretor mais marcante, o amigo com quem rompeu.
John Macdougall/AFPA atriz espanhola Carmen Maura fala a jornalistas na última Berlinale
Maura e Almodóvar se conheceram no final da década de 1970 - estavam fazendo a mesma peça de teatro em Madri.
No primeiro filme com ele, "Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão" (1980), a atriz passou figurino e ajudou a conseguir dinheiro para a produção.
"Não tínhamos nada, mas era muito divertido", conta.
"O Pedro mudou muito", diria, mais adiante.
Antes de ele mudar, vieram ainda os longas "Maus Hábitos" (1983), "Que Fiz Eu para Merecer Isto?" (1984), "Matador" (1986), "A Lei do Desejo" (1987) e "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos" (1988).
Foi na entrega do Oscar, no ano em que "Mulheres" foi indicado, que o rompimento dos dois veio a público.
Passou, então, a ser tratado com tintas de melodrama.
O auge da cena pública se deu na entrega de um prêmio Goya, em 1990, quando Maura era apresentadora e Almodóvar foi convidado para homenageá-la.
Ela recebeu um pedaço do muro de Berlim, e os fotógrafos deliraram.
"No dia seguinte, estávamos na primeira página dos jornais", afirma.
"E era um momento em que todo mundo dava pedaços do muro. Eu tinha vários em casa!".
Duas décadas depois de "Mulheres", o diretor convidou-a para fazer a matriarca fantasma de "Volver" (2006).
Ela topou e o resultado foi brilhante.
"Nossa relação profissional não mudou."
"O que me chamou a atenção é que ele virou um rei. Quando ele chegava ao set, todo mundo falava baixo, com medo", diz, imitando cochichos.
"Não sei se a pessoa que conheci ainda está lá. Ele ficou muito mais sério."
Hoje, eles não se falam.
Mas se acabou a relação com Almodóvar, continua intensa sua história com incontáveis diretores espanhóis, argentinos, franceses e até com Francis Ford Coppola - em 2010, a atriz rodou quatro filmes.
Mas Maura não é da estirpe dos sofredores.
"Cinema é muito fácil", diz.
"É como se você fosse criança brincando. Eles te dão uma casa, um marido, os filhos. E depois tem o milagre da câmera, que faz metade do trabalho."
Segunda ela, o segredo do cinema é o respeito pela câmera.
"Ela pode estar com você ou contra você."
E segredo de viver com tamanha liberdade?
"Nunca quis chegar a um lugar específico, receber tal prêmio. É muito mais difícil viver o sucesso que as dificuldades. Nas dificuldades, todos te confortam. No sucesso..."
Essa frase, a faladora Maura conclui com o silêncio.
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Matéria da repórter Ana Paula Sousa - Folha de S.Paulo
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