Um grande pedaço de minha história com a cidade de São Paulo se apagou na noite dessa quinta-feira (17), quando o Cine Belas Artes fechou.
Mas, se depender de uma centena de cidadãos engajados, o cinema voltará a funcionar em breve.
Na noite do último dia, o saguão do cinema esteve lotado, com gente saindo pelo ladrão, enquanto as salas exibiam sua derradeira programação, que incluía clássicos como os italianos "O Leopardo" e "Queimada", e o francês "O Joelho de Clare".
Zanone Fraissat/FolhapressMovimentação na noite desta quinta (17), a última de funcionamento do Cine Belas Artes
Câmeras amadoras - e eu acabei esquecendo a minha! - e profissionais de vários canais de televisão se espremiam no espaço, e a fila da bilheteria chegava à rua.
As pessoas na fila diziam que não importava o filme a que veriam - todo mundo estava lá porquê queriam assistir às últimas sessões do cinema.
Enquanto as TVs entrevistavam freqüentadores e funcionários, um senhor contava empolgado que, quando jovem, seu grupo de estudantes de medicina se reunia ali mesmo, no Belas Artes, todas as sextas-feiras, e uma garota tirava uma foto beijando o pôster do filme “Ricky” - que traz o rosto de um bebê gorduchinho - o longa deverá ser lançado apenas em abril, e não vai entrar em cartaz em nenhuma das salas do cinema, que receberam nomes de artistas - como Candido Portinari e Carmem Miranda.
Outra moça perguntava ao namorado: "Que filme é esse que vamos ver, 'O Águia'?". "Não sei, só sei que deve ser velho. É com o Rodolpho Valentino", foi a resposta.
Num clima de velório de interior - aqueles em que as pessoas contam piadas e rememoram boas lembranças - pessoas compartilhavam suas histórias no espaço culgtural.
A jornalista Cristina contou que seus pais, quando noivos, assistiram a uma reprise de "Cidadão Kane" (1941) - obra prima de Orson Welles - no cinema.
"Minha mãe pegou no sono, e encostou a cabeça no ombro de um rapaz que estava ao lado dela. Só acordou no final. Meu pai - o moço do lado - ri disso até hoje".
Cristina também cpnta que ela mesma frequentou o cinema diversas vezes desde sua adolescência - viu "Medos Privados em Lugares Públicos" (2006), de Alain Resnais, três vezes no Belas Artes - o filme ficou em cartaz no cinema desde meados de 2007 até ontem, último dia.
Mesmo com ingresso na mão, poucas pessoas realmente entravam nas salas - a maioria ficou no saguão, protestando em meio a um mar de faixas e cartazes, que pediam que o Belas Artes não fosse fechado.
"Não queremos que esse espaço vire uma loja. Queremos que seja tombado e voltemos a ter o nosso cinema aqui. Não queremos o Belas Artes em outro lugar. Esse é o endereço!", disse uma manifestante que recebeu aplausos calorosos.
Um jovem prometia passar a noite no cinema.
"Não vou sair daqui. Quando acabar a última sessão, vamos todos ficar aqui dentro. Não vamos deixar que esse cinema seja tirado de nós".
Num canto, galhos pintados de branco e cheio de papeis era uma espécie de árvore em que as pessoas penduravam mensagens de agradecimento ao Belas Artes.
"Eu nunca estive aí, eu nunca te conheci, mas torço para que você sobreviva", dizia um deles, assinado por uma garota do Rio Grande do Sul.
Apesar da morte anunciada, o clima não era de conformismo.
Nessa novela de dois meses, desde quando um dos proprietários do cinema anunciou publicamente que o dono havia pedido o imóvel de volta para ali instalar uma loja, os cinéfilos se manifestaram, fizeram camisetas, bottons e abaixo-assinados - além da Corrente via Facebook onde os usuários trocaram suas fotos de perfil por imagens de ícones do cinema.
A minha foi essa:
Arquivos do KlauMarilyn Monroe em "O Príncipe e a Corista (1957)
Mas nada dobrou a decisão do proprietário, Flávio Maluf - que não tem nenhum parentesco com o deputado federal Paulo - aquele!
O prédio está em processo de tombamento, e deve ficar fechado - esperando o seu novo destino - até o mês de abril.
O grupo que se reuniu nessa noite de quinta no Belas Artes protestou, cantou, chorou e prometeu mover o mundo para que o cinema seja reaberto em seu endereço, quase na esquina da Consolação com a Paulista.
"O dono do prédio acha que agora que fechou todo mundo vai esquecer, e ele poderá abrir uma loja. Mas nós não vamos deixar o Belas Artes morrer. Vamos fazer barulho, muito barulho", gritava um manifestante, munido de faixa e apito no saguão do cinema.
Se depender da força das pessoas que estavam reunidas ali, o Belas Artes deverá acender suas luzes novamente - talvez até a tempo de exibir "Ricky" - aquele que teve o cartaz beijado tão afetuosamente pela garota.
Ainda ontem, a página 2 da "Folha de S.Paulo" trouxe um artigo assinado por um dos proprietários do Belas Artes, André Sturm.
É o que você vai ler agora:
O BELAS ARTES NÃO VAI MORRER HOJE!
É um local não apenas com um passado importante mas com um presente vivo e pulsante.
Mas, se depender de uma centena de cidadãos engajados, o cinema voltará a funcionar em breve.
Na noite do último dia, o saguão do cinema esteve lotado, com gente saindo pelo ladrão, enquanto as salas exibiam sua derradeira programação, que incluía clássicos como os italianos "O Leopardo" e "Queimada", e o francês "O Joelho de Clare".
Zanone Fraissat/FolhapressMovimentação na noite desta quinta (17), a última de funcionamento do Cine Belas Artes
Câmeras amadoras - e eu acabei esquecendo a minha! - e profissionais de vários canais de televisão se espremiam no espaço, e a fila da bilheteria chegava à rua.
As pessoas na fila diziam que não importava o filme a que veriam - todo mundo estava lá porquê queriam assistir às últimas sessões do cinema.
Enquanto as TVs entrevistavam freqüentadores e funcionários, um senhor contava empolgado que, quando jovem, seu grupo de estudantes de medicina se reunia ali mesmo, no Belas Artes, todas as sextas-feiras, e uma garota tirava uma foto beijando o pôster do filme “Ricky” - que traz o rosto de um bebê gorduchinho - o longa deverá ser lançado apenas em abril, e não vai entrar em cartaz em nenhuma das salas do cinema, que receberam nomes de artistas - como Candido Portinari e Carmem Miranda.
Outra moça perguntava ao namorado: "Que filme é esse que vamos ver, 'O Águia'?". "Não sei, só sei que deve ser velho. É com o Rodolpho Valentino", foi a resposta.
Num clima de velório de interior - aqueles em que as pessoas contam piadas e rememoram boas lembranças - pessoas compartilhavam suas histórias no espaço culgtural.
A jornalista Cristina contou que seus pais, quando noivos, assistiram a uma reprise de "Cidadão Kane" (1941) - obra prima de Orson Welles - no cinema.
"Minha mãe pegou no sono, e encostou a cabeça no ombro de um rapaz que estava ao lado dela. Só acordou no final. Meu pai - o moço do lado - ri disso até hoje".
Cristina também cpnta que ela mesma frequentou o cinema diversas vezes desde sua adolescência - viu "Medos Privados em Lugares Públicos" (2006), de Alain Resnais, três vezes no Belas Artes - o filme ficou em cartaz no cinema desde meados de 2007 até ontem, último dia.
Mesmo com ingresso na mão, poucas pessoas realmente entravam nas salas - a maioria ficou no saguão, protestando em meio a um mar de faixas e cartazes, que pediam que o Belas Artes não fosse fechado.
"Não queremos que esse espaço vire uma loja. Queremos que seja tombado e voltemos a ter o nosso cinema aqui. Não queremos o Belas Artes em outro lugar. Esse é o endereço!", disse uma manifestante que recebeu aplausos calorosos.
Um jovem prometia passar a noite no cinema.
"Não vou sair daqui. Quando acabar a última sessão, vamos todos ficar aqui dentro. Não vamos deixar que esse cinema seja tirado de nós".
Num canto, galhos pintados de branco e cheio de papeis era uma espécie de árvore em que as pessoas penduravam mensagens de agradecimento ao Belas Artes.
"Eu nunca estive aí, eu nunca te conheci, mas torço para que você sobreviva", dizia um deles, assinado por uma garota do Rio Grande do Sul.
Apesar da morte anunciada, o clima não era de conformismo.
Nessa novela de dois meses, desde quando um dos proprietários do cinema anunciou publicamente que o dono havia pedido o imóvel de volta para ali instalar uma loja, os cinéfilos se manifestaram, fizeram camisetas, bottons e abaixo-assinados - além da Corrente via Facebook onde os usuários trocaram suas fotos de perfil por imagens de ícones do cinema.
A minha foi essa:
Arquivos do KlauMarilyn Monroe em "O Príncipe e a Corista (1957)
Mas nada dobrou a decisão do proprietário, Flávio Maluf - que não tem nenhum parentesco com o deputado federal Paulo - aquele!
O prédio está em processo de tombamento, e deve ficar fechado - esperando o seu novo destino - até o mês de abril.
O grupo que se reuniu nessa noite de quinta no Belas Artes protestou, cantou, chorou e prometeu mover o mundo para que o cinema seja reaberto em seu endereço, quase na esquina da Consolação com a Paulista.
"O dono do prédio acha que agora que fechou todo mundo vai esquecer, e ele poderá abrir uma loja. Mas nós não vamos deixar o Belas Artes morrer. Vamos fazer barulho, muito barulho", gritava um manifestante, munido de faixa e apito no saguão do cinema.
Se depender da força das pessoas que estavam reunidas ali, o Belas Artes deverá acender suas luzes novamente - talvez até a tempo de exibir "Ricky" - aquele que teve o cartaz beijado tão afetuosamente pela garota.
Ainda ontem, a página 2 da "Folha de S.Paulo" trouxe um artigo assinado por um dos proprietários do Belas Artes, André Sturm.
É o que você vai ler agora:
O BELAS ARTES NÃO VAI MORRER HOJE!
É um local não apenas com um passado importante mas com um presente vivo e pulsante.
Por isso decidimos manter o cinema aberto até o limite.
Em algum momento dos anos 70, quando eu era bem novo, meus pais me levaram a um cinema para assistir a um filme diferente, no qual quase ninguém falava.
Foi a primeira vez que fui ao Belas Artes e o filme era o magnífico "Meu Tio".
Nos anos 80, foi lá que virei cinéfilo, assistindo ao melhor do cinema mundial.
Em 1984, comecei a participar do Cineclube da GV.
A partir daí, minha vida sempre esteve ligada aos filmes.
Participei da criação dos cineclubes Oscarito e Veneza, da restauração do Vitrine, da implantação da Sala Cinemateca.
Mas meu sonho sempre foi o Belas Artes.
A oportunidade surgiu no final de 2002, quando soube que o cinema fecharia suas portas.
Procurei o dono e propus uma parceria.
Ele pensava em sair da atividade, mas me deu tempo para conseguir parceiros.
Foi quando meus amigos Andréa Barata Ribeiro, Fernando Meirelles e Paulo Morelli entraram na aventura e conseguiram trazer um importante patrocínio para fazermos as reformas necessárias.
Nesses oito anos, foram muitas histórias divertidas e emocionantes.
E a alegria de ver o antigo cinema vivo e ativo.
O "Noitão" virou um hit, com suas sessões lotadas varando a madrugada.
Tivemos o cineclube e os filmes em cartaz por muito tempo.
Em março passado, nosso patrocinador avisou que não renovaria o contrato.
Em maio, anunciei à imprensa a necessidade de um patrocínio, pois as contas não fechavam.
Começaram então as manifestações de apoio.
Na imprensa, na internet, no cinema, pessoas querendo ajudar.
Uma fã criou um blog que em poucos dias tinha mais de mil pessoas inscritas.
O La Casserole liderou junto a outros excelentes restaurantes da cidade a campanha "Tudo pode dar certo".
Um grupo de frequentadores e alguns funcionários criaram um abaixo-assinado.
Numa tarde, tomando café com uma amiga, notei uma senhora que convidava as pessoas a assinar.
ntão ela se virou para nós e perguntou, muito severa:
"Jovens, vocês já assinaram?".
Fiquei sem graça de dizer quem eu era e de perguntar o nome dela, mas fica aqui meu muito obrigado a essa senhora e a todos os que colocaram seus nomes no abaixo-assinado.
Em dezembro, quando finalmente tudo estava acertado com o novo patrocinador, fui informado pelo proprietário de que ele queria o imóvel de volta.
Foi duro, depois de tanto esforço com o novo patrocínio, ver tudo perdido.
E imaginar o Belas Artes fechado.
No início de janeiro, tive um dos dias mais tristes da vida quando comuniquei aos funcionários que o cinema fecharia.
Decidi fazer naquele mês uma celebração do "espírito" Belas Artes, e não um funeral.
No dia 6, a Folha fez a primeira matéria sobre o fechamento.
Foi um "tsunami".
Toda a mídia passou a falar do assunto.
Foi o tema mais citado no Twitter por dois dias.
Houve passeatas e mais abaixo-assinados, além de uma mobilização popular como eu nunca havia visto por um tema cultural.
Em poucos dias, vimos o seguinte cenário: o prefeito, vereadores, entidades, pessoas e empresas ligando para saber como ajudar, o Compresp votando estudo para o tombamento do imóvel onde o cinema está e mais de 70 mil pessoas no Facebook em defesa do cinema.
Eu sabia que o Belas Artes era querido, mas esse apoio foi muito além do que eu poderia imaginar.
É um local não apenas com um passado importante mas com um presente vivo e pulsante. Por isso decidimos manter o cinema aberto até o limite, na data de hoje.
Teremos as últimas sessões nesta noite.
Esperamos todos os amigos e apoiadores.
Gostaria de agradecer a todos que tanto ajudaram.
Fecharemos as portas, mas não o cinema.
Se o tombamento for aprovado e o proprietário nos procurar, reabriremos o cinema em seu endereço tradicional.
Se não, o Belas Artes renascerá em outro endereço para os amantes do bom cinema.
O Belas Artes não morre hoje!
Em algum momento dos anos 70, quando eu era bem novo, meus pais me levaram a um cinema para assistir a um filme diferente, no qual quase ninguém falava.
Foi a primeira vez que fui ao Belas Artes e o filme era o magnífico "Meu Tio".
Nos anos 80, foi lá que virei cinéfilo, assistindo ao melhor do cinema mundial.
Em 1984, comecei a participar do Cineclube da GV.
A partir daí, minha vida sempre esteve ligada aos filmes.
Participei da criação dos cineclubes Oscarito e Veneza, da restauração do Vitrine, da implantação da Sala Cinemateca.
Mas meu sonho sempre foi o Belas Artes.
A oportunidade surgiu no final de 2002, quando soube que o cinema fecharia suas portas.
Procurei o dono e propus uma parceria.
Ele pensava em sair da atividade, mas me deu tempo para conseguir parceiros.
Foi quando meus amigos Andréa Barata Ribeiro, Fernando Meirelles e Paulo Morelli entraram na aventura e conseguiram trazer um importante patrocínio para fazermos as reformas necessárias.
Nesses oito anos, foram muitas histórias divertidas e emocionantes.
E a alegria de ver o antigo cinema vivo e ativo.
O "Noitão" virou um hit, com suas sessões lotadas varando a madrugada.
Tivemos o cineclube e os filmes em cartaz por muito tempo.
Em março passado, nosso patrocinador avisou que não renovaria o contrato.
Em maio, anunciei à imprensa a necessidade de um patrocínio, pois as contas não fechavam.
Começaram então as manifestações de apoio.
Na imprensa, na internet, no cinema, pessoas querendo ajudar.
Uma fã criou um blog que em poucos dias tinha mais de mil pessoas inscritas.
O La Casserole liderou junto a outros excelentes restaurantes da cidade a campanha "Tudo pode dar certo".
Um grupo de frequentadores e alguns funcionários criaram um abaixo-assinado.
Numa tarde, tomando café com uma amiga, notei uma senhora que convidava as pessoas a assinar.
ntão ela se virou para nós e perguntou, muito severa:
"Jovens, vocês já assinaram?".
Fiquei sem graça de dizer quem eu era e de perguntar o nome dela, mas fica aqui meu muito obrigado a essa senhora e a todos os que colocaram seus nomes no abaixo-assinado.
Em dezembro, quando finalmente tudo estava acertado com o novo patrocinador, fui informado pelo proprietário de que ele queria o imóvel de volta.
Foi duro, depois de tanto esforço com o novo patrocínio, ver tudo perdido.
E imaginar o Belas Artes fechado.
No início de janeiro, tive um dos dias mais tristes da vida quando comuniquei aos funcionários que o cinema fecharia.
Decidi fazer naquele mês uma celebração do "espírito" Belas Artes, e não um funeral.
No dia 6, a Folha fez a primeira matéria sobre o fechamento.
Foi um "tsunami".
Toda a mídia passou a falar do assunto.
Foi o tema mais citado no Twitter por dois dias.
Houve passeatas e mais abaixo-assinados, além de uma mobilização popular como eu nunca havia visto por um tema cultural.
Em poucos dias, vimos o seguinte cenário: o prefeito, vereadores, entidades, pessoas e empresas ligando para saber como ajudar, o Compresp votando estudo para o tombamento do imóvel onde o cinema está e mais de 70 mil pessoas no Facebook em defesa do cinema.
Eu sabia que o Belas Artes era querido, mas esse apoio foi muito além do que eu poderia imaginar.
É um local não apenas com um passado importante mas com um presente vivo e pulsante. Por isso decidimos manter o cinema aberto até o limite, na data de hoje.
Teremos as últimas sessões nesta noite.
Esperamos todos os amigos e apoiadores.
Gostaria de agradecer a todos que tanto ajudaram.
Fecharemos as portas, mas não o cinema.
Se o tombamento for aprovado e o proprietário nos procurar, reabriremos o cinema em seu endereço tradicional.
Se não, o Belas Artes renascerá em outro endereço para os amantes do bom cinema.
O Belas Artes não morre hoje!
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ANDRÉ STURM é cineasta e diretor do Cine Belas Artes
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