quarta-feira, 29 de junho de 2011

PHEDRA D.CORDOBA: "EU LEVANTO MINHA PRÓPRIA BANDEIRA, SEMPRE LUTEI SÓZINHA"

O cenário predominado pela atmosfera cinza da Praça Roosevelt, no centro da capital paulista, ganha as cores e a elegância de uma verdadeira Diva de cinema com a chegada de Phedra D. Córdoba.

Ornamentada com pérolas enormes e um legítimo casaco de vison, a atriz transex cubana, que carrega o título de ‘primeiríssima dama do Espaço dos Satyros’ - grupo de teatro de SP -, dilui seu glamour na simplicidade de arrastar uma cadeira e sentar-se na calçada para contar suas histórias de vida.

Lígia Hipólito/Bol
A Diva do Espaço dos Satyros, Phedra D.Cordoba

Cada relato dos seus 72 anos de experiência enumera os altos e baixos da trajetória de um garoto que saiu de Cuba antes da maioridade para alçar voo na carreira de artista performático.

Depois de viajar para os Estados Unidos e alguns países da América Latina com uma companhia de teatro espanhola, Phedra, que ainda respondia como Felipe D. Córdoba, chegou ao Brasil por intermédio de um agregado da embaixada do país.

A convite do produtor Walter Pinto, Phedra estreou nos palcos cariocas com o movimento Teatro de Revista.

Arquivo Pessoal
Pedra D.Cordoba jovem, no Rio, numa das revistas de Walter Pinto

A partir daí, os shows em cabarés e as participações na TV Tupi serviram de inspiração para o nascimento de Phedra D. Cordoba; era o momento de ‘sair do armário’.
"A Phedra nasceu assim como uma deusa mitológica, mas na vida real", conta a atriz.

Já encarnada na figura de transex, Phedra conheceu ‘Os Satyros’, grupo de teatro que fincava suas raízes em São Paulo sob a gestão de Rodolfo García Vázquez e Ivam Cabral.

A parceria rendeu a ela um papel na peça ‘A Filosofia na Alcova’, do marquês de Sade - com interpretação aclamada pela crítica e público, a atriz atinge o status de Diva.

Em tempos de Parada Gay em São Paulo, Phedra opina sobre o evento, que acontece na cidade desde 1996:
“Já participei da Parada Gay algumas vezes, fui convidada e desfilava nos carros alegóricos. Mas hoje prefiro assistir do que participar. Considero algumas ações muito escandalosas. Eu penso que tudo deve ser feito com muita dignidade e acredito na defesa dos direitos da diversidade sexual e na luta contra homofobia. No entanto, acho que é possível lutar além do coletivo. Eu defendi meu transexualismo sozinha, tive que erguer a minha própria bandeira para ser respeitada como sou e ter minha carreira consolidada”.

Lígia Hipólito/BOL
Rodolfo Garcia Vásquez, fundador do Espaço dos Satyros

"A Phedra é muito intuitiva para expor seu talento no palco. Fora isso, pela figura que ela representa, ela já se tornou um ícone local, uma verdadeira lenda urbana"
Rodolfo Garcia Vásquez, fundador do Espaço dos Satyros, em São Paulo

Depois de mais de 50 anos longe de seu país, você foi convidada para voltar a Cuba para apresentar um espetáculo, como surgiu esse convite?
Isso ocorreu no ano de 2006 quando a presidente da cultura cubana, Bárbara Ribeiro Sanchez, veio ao Brasil para promover um festival de teatro cubano. Nessa ocasião, ela conheceu o meu trabalho, ficou maravilhada e me convidou para participar de um festival cubano.
A propósito, fomos com ‘Os Satyros’ para fazer a peça Liz I (rainha da Inglaterra), de Reinaldo Monteiro, um dramaturgo cubano. O espetáculo era uma narrativa no palco e eu era a contadora da história. Teve muito sucesso em Cuba. Fomos, inclusive, premiados com o título de melhor espetáculo do festival. Ficamos um mês em cartaz. No retorno ao Brasil, apresentamos a peça no circuito Sesc e no Centro Cultural São Paulo.

Por ser transexual, você teve receio de retornar a Cuba por conta do regime de ditadura?
Eu não sabia o que ia acontecer comigo porque me diziam tanta coisa do tipo: ‘um transexual não pode andar pelas ruas cubanas vestido de mulher’. Enfim, me colocaram muito medo, mas, ao chegar lá, fui tratada como diva. O fato é que a Mirela Castro, filha do atual presidente cubano, Raul Castro, é a defensora dos gays e travestis. E o Raul foi estimulado a aceitar essa diversidade por conta da filha, que faz parte da Comissão de Direitos Humanos de Cuba.

A diversidade sexual parece mesmo não ser mais um tabu em Cuba. Não por acaso, no ano de 2008, o presidente Raul Castro criou uma lei que permite a cirurgia de mudança de sexo para os transexuais. O que você acha disso?
Bem, me parece um passo para o progresso já que Cuba é completamente retrógrada, um país que foi comunista durante anos. Durante muito tempo, a pátria condenava os gays. Muitos escritores e artistas foram viver nos Estados Unidos e na Europa por não poderem assumir a sexualidade deles lá. É o caso de Reinaldo Arenas, um dos maiores poetas cubanos, que fugiu para os Estados Unidos por conta da repressão que sofreu por lá. E quem conhece a realidade de outros países liberais não se interessa em voltar para Cuba. Eu não voltaria a viver lá. Aqui não sou rica, mas eu vivo bem e tenho liberdade de ser o que sou.

Você não fez a cirurgia de mudança de sexo. Por que essa decisão?
Houve uma época em que eu quase mudei de sexo, mas a operação era muito radical. O resultado não parecia um órgão sexual feminino, era algo mais parecido com um buraco. Hoje em dia, a cirurgia dá um resultado bem melhor. Mas, a essa altura do campeonato, pra que eu faria a operação? Já tenho 72 anos, tive muitos homens em minha vida e eles gostavam de mim como sou, me achavam tão mulher como qualquer outra. Eu sou feminina naturalmente, penso como mulher, não penso como ‘bicha’.

Você concorda com as matrizes do regime comunista?
O Fidel deu vários maus passos ao meu ver. Que comunista burro! Uma coisa é negar acordos financeiros com o Obama, os Estados Unidos. Até aí tudo bem, pelo histórico de exploração que os americanos têm com os cubanos. Mas negar a China comunista é uma grande burrice! Imagina o crescimento que teria Havana com o apoio chinês. Cuba voltaria a ser o que foi há muitos anos, com seus cassinos ... Quando eu vivi lá nos anos 50, poderiam dizer que o (Fulgêncio) Batista era um ditador, mas tinha possibilidade de ascensão social. Um exemplo claro é a família Bacardi, que produz o rum mais famoso do mundo. Mas eles saíram de Cuba depois da revolução.

Como foi sua infância e juventude em Cuba?
Maravilhosa, não tive grandes problemas. Nunca tive visão política, já que meu pai simpatizava com (Josef) Stalin. No entanto, a minha grande paixão era o palco, com 13 anos já estava fazendo teatro amador. E sempre fui muito ambiciosa, não me conformava em ser uma artista de segunda, tenho que ser bajulada e sou! Naquela época, eu já entendia minha sexualidade, mas não poderia assumir, eu vivia em Cuba. Mesmo assim, nunca aceitei que me chamassem de travesti; para mim, era algo como menosprezo. Mas o termo transexual é algo que soa como canção, tem sílabas melódicas. Em 1953, consegui entrar em uma companhia de teatro espanhola. Eu tinha 16 anos e viajei por vários países com eles.

Como chegou ao Brasil?
Por conta do trabalho que iniciei, em 1953, com a companhia espanhola Cabalgata, estive no México, Venezuela, Estados Unidos, Porto Rico. Ao final da turnê, voltei para Havana. Lá, discuti com minha mãe, e resolvi que não ia morar com minha família. Fui viver na casa da Lupe, uma dançarina que era minha parceira de espetáculo. Nós duas formamos um grupo com uma peruana e uma espanhola. Fomos para o Panamá e nos apresentamos por uma temporada em um cabaré de luxo. Quando terminou o contrato, conseguimos um empresário espanhol que nos levou para Nicarágua, Costa Rica, Guatemala, Bolívia, Colômbia, Peru e Chile. No fim, rompemos com o empresário porque ele nos explorava muito. Eu e a Lupe resolvemos fazer uma dupla: ‘Sevilla e Cordoba’. Fomos para a Argentina com outro empresário. Fizemos muito sucesso por lá. Até que conheci um agregado da embaixada brasileira que trabalhava em Buenos Aires. Ele se apaixonou por mim e foi recíproco, meu primeiro amor. Mas aquilo não duraria muito, porque ele era noivo de uma mulher no Brasil. Esse homem me apresentou para um produtor de teatro Brasileiro, Walter Pinto. Depois de ver meu show, ele me fez um convite para trabalhar com ele. Em pouco tempo, eu estava a no Rio de Janeiro apresentando um espetáculo só meu no teatro Recreio.

Quando assumiu sua condição de transexual?
Em Cuba não foi possível pela questão da repressão. Meus pais já percebiam que eu era diferente. Por um lado, meu pai era liberal e dizia: ‘Seja o que fores, nunca percas a dignidade’. Isso me explicava com poucas palavras que ele me entendia. Já minha mãe era diferente, ela chegou a me perseguir quando soube que eu me apresentaria pela primeira vez com transformista com um grupo de bailarinos em Cuba. Mas não sucumbi minhas vontades por isso. E, quando já estava no Brasil, encarnei uma mulher e dei vida a ela. Eu que era até então Felipe dei vida a uma mulher que se chama Phedra. A Phedra nasceu assim como uma deusa mitológica, mas na vida real. A partir daí resolvi tomar hormônios e aos poucos fui me transformando.

Lígia Hipólito/BOL
Phedra concede entrevista no bar do Espaço dos Satyros, na Pça. Roosevelt, centro de SP

Teve muitos amores?
Como eu viajava muito, eu era como um marinheiro, um amor a cada porto. Tive um namorado 20 anos atrás, mas ele era casado e nos encontrávamos às escondidas. Curtia o momento com todos aqueles que passaram por mim. Sempre que iniciava um relacionamento estava prevenida de que teria um tempo determinado. Portanto, sempre deixava prevalecer a amizade para seguir sem mágoas.

Como se consagrou na carreira de atriz?
Vim para São Paulo e, além de me apresentar na noite, fiz trabalhos com a rede Tupi, no programa do Bolinha. Até que surgiu a parceria com os Satyros. Na época, os fundadores Ivam Cabral e Rodolfo Garcia Vasquez estavam estruturando a companhia. Depois de conhecer meu trabalho, eles me fizeram um convite. Em pouco tempo, eu começava a apresentar o espetáculo “A Filosofia na Alcova”, do marquês de Sade. Essa peça me rendeu várias críticas positivas e me deu o nome que tenho no teatro hoje. Por conta disso, fui intitulada a diva dos Satyros. Em 2009, quando a companhia completou 20 anos, comecei a apresentar espetáculo musical “Stranger – Estranho?”, que ficou em cartaz por três meses.

Lígia Hipólito/BOL
Além de Diva dos Sátyros, Phedra é Diva da Praça Roosevelt

Quais são seus projetos atuais com os 'Satyros?'
Estou em cartaz com a peça ‘Cosmogonia’, um espetáculo muito bom, adaptado de um texto grego. Fora isso, estamos ensaiando um novo espetáculo: ‘Extravaganza Cabaret’, que deve entrar em cartaz no mês de outubro. Devo voltar a Cuba em novembro para apresentar este último e também o ‘Extranger’, um show com músicas, vídeos e performances de dança, criado em 2009 em virtude do aniversário de 20 anos dos ‘Satyros’.

Lígia Hipólito/BOL
A Diva, durante os ensaios de "Extravaganza Cabaret"

Recentemente, o cineasta brasileiro Evandro Morcassel se inspirou em você para fazer o documentário ‘Cubra Libre’. Você tem outros trabalhos no cinema?
Sim, o Evaldo fez esse documentário comigo porque sou um personagem emblemático na Praça Roosevelt. O documentário conta a minha história e será lançado em breve. Fora isso, o Itaú Cultural e o Sesc também já fizeram documentários comigo. Mas fiz outros filmes do gênero longa-metragem, um que gostei muito foi o ‘O Estripador de Mulheres’ (1978), do cineasta Milton Merlucci.

Além de seus projetos no palco, a sua vida nas redes sociais é bem ativa como notamos no seu blog 'Diva Automática'. Como você vê essas novas tecnologias?
Passo o dia todo ‘tuitando’, pois através da internet as pessoas podem conhecer o meu trabalho. É pelo Twitter também que procuro patrocinadores para meus espetáculos. Fora isso, me comunico com meus sobrinhos que vivem nos Estados Unidos pelo MSN. E no meu blog, ‘Diva Automática’, falo sobre teatro e as visões que tenho do mundo.

E para fechar essa postagem especialíssima, veja o vídeo abaixo, um trecho do programa "Vitrine", da TV Cultura, onde Phedra D. Córdoba fala, entre outras coisas, sobre o filme 'Cubra Libre'.

Confira:


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Matéria da jornalista Lúcia Hipólito, para o BOL

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