segunda-feira, 6 de junho de 2011

54ª BIENAL DE ARTE DE VENEZA FOI ABERTA NO SÁBADO, REUNINDO HISTÓRIA E CONTEMPORANEIDADE

Nessa postagem, procurei fazer um resumo do que de melhor aconteceu nesses dois dias na 54ª  Bienal de Veneza, uma das mais importantes mostras de arte do mundo, que começou no último sábado, 4 de junho.

Não é a luz fria, racional, do minimalismo, é um farol dramático, teatral, que deve nortear a Bienal de Veneza.

Se os brasileiros ficaram de fora da mostra principal, deixando espaço só para Artur Barrio -português radicado no Rio que vai ocupar o pavilhão do Brasil nos Giardini -, o resto da mostra exalta Tintoretto (1518-1594), artista que despontou em Veneza há cinco séculos.

Bice Curiger, a curadora suíça que está à frente da mostra, decidiu buscar no artista do Maneirismo italiano uma dimensão histórica para a bienal, que é vitrine recorrente da vanguarda.


"Incluir um mestre do passado pode ser um pouco perigoso, já que podem interpretar isso como um resgate de valores ancestrais", diz Curiger. 
"Mas Tintoretto é um anticlássico, ele quebrou todas as regras do Renascimento."

Divulgação
"La Creazione degli Animali", obra de Tintoretto que estará na Bienal de Veneza
O quadro "La Creazione degli Animali", do artista italiano Tintoretto, que está  na Bienal de Veneza neste ano

Quebrando as regras não escritas da Bienal, Curiger decidiu se servir de uma seleção de jovens artistas - a maioria tem menos de 40 anos -  em torno de três telas clássicas do pintor célebre por retratar a luz de Veneza, solar e estridente, na mostra que se chama ILUMInações - grafado assim mesmo - para destacar a luz das nações que mandam seus melhores artistas a cada dois anos para esse mesmo porto central.

Embora seja referência a poemas de
Arthur Rimbaud (1854-1891) e ao famoso ensaio de Walter Benjamin
(1892-1940) sobre o surrealismo, o nome quer ressaltar o lugar onde a mostra acontece: Veneza.

Além disso, o título reafirma as representações nacionais de países que ainda têm na mostra italiana seus entrepostos de influência cultural dali para o mundo.

E a Bienal já começou com uma polêmica: uma nova reinterpretação da La Pietá de Michelangelo - obra do artista belga Jan Fabre - representa a Virgem Maria, protagonista da obra, com o corpo de um esqueleto inerte e o rosto da morte.

Divulgação

À esquerda, a releitura de Jan Fabre;  à direita, a Pietá original

 A escultura do artista belga ainda mostra o rosto de Jesus Cristo com particulares traços físicos, e o que mais chama a atenção é que seu corpo está em avançado estado de decomposição, e vários insetos saem dos poros abertos do tronco do corpo humano e das feridas da sua face.

Na La Pietá de Fabre, Jesus  ainda sustenta com a mão direita um cérebro.

Reprodução
Reprodução
Jesus segurando um cérebro

"São os neurônios que permitem sentir a compaixão e por isso representei como um cérebro, do que tudo depende e inclusive a alma do indivíduo"
, disse Fabre.

O artista explica que trabalhou durante dois anos para concluir essa obra e garante que o mármore utilizado para sua criação foi extraído do santuário de Carrara, no mesmo lugar do qual foi extraído o material usado por Michelangelo há mais de cinco séculos.

O artista plástico Artur Barrio, 65, é o único representante do Brasil.

Cristina Motta

Artur Barrio trabalha na sua instalação em Veneza

Sua participação chegou a ser ameaçada por entraves burocráticos no Ministério da Cultura, que não conseguia acertar como repassar a ele os recursos necessários, de R$ 400 mil.

Selecionado pelos curadores Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos, indicados pela Fundação Bienal de São Paulo, Barrio é o primeiro artista a representar sozinho o país, desde 1950, quando o Brasil passou a indicar artistas para a mostra italiana.

Cristina Motta

O artista trabalhando em Veneza

Em mostras paralelas, contudo, há outros brasileiros, como Rivane Neuenschwander e Cao Guimarães.

A 54ª edição de Bienal tem a proposta de reunir história e contemporaneidade e na qual a imagem e as formas audiovisuais são protagonistas.

A  ILLUMInazioni-ILLUMInations conta, além das obras contemporâneas de 83 artistas, com três pinturas do mestre veneziano do Renascimento Tintoretto, conforme foi destacado acima, uma decisão que pretende ligar a exposição com a mostra do que está no do lado de fora por meio das obras do gênio renascentista que, com sua linguagem visual "muito direta", permite estabelecer um "diálogo com o mundo contemporâneo".

Um mundo no qual a imagem, por meio de suas diferentes formas, tanto em fotografia tradicional e digital, quanto em vídeo, curta, documentário e filme, adquire uma importância capital na transmissão da arte na bienal veneziana.

EFE

Obra "Contamination", da artista portuguesa Joana Vasconcelos

Um exemplo disso está no pavilhão alemão, agraciado neste sábado pelo júri com o Leão de Ouro e onde fica a obra do já falecido Christoph Schligensief, em uma proposta que por meio do formato audiovisual revive sua carreira, assim como a experiência de sua doença.

O local reproduz em seu interior um oratório, e no espaço central está projetado a "A Church of Fear vs. the Alien Within", concebida em 2008 pelo artista como a segunda parte da trilogia dedicada a sua doença, após vários meses de quimioterapia e de ter sido operado no pulmão.

Nos muros laterais do pavilhão, no espaço dos jardins da Bienal, são reproduzidos seis filmes de diferentes momentos de sua carreira junto de outras que testemunham seu projeto "Opera Village", um complexo situado perto da capital de Burkina Fasso que acolhe, entre outros, uma escola que ensina música e cinema.

EFE

Na foto, a artista israelense Sigalit Landau posa em cima da sua obra com o tema "A terra sobre a qual repousa um homem é o sentimento de outro homem" 

A imagem tem um papel fundamental no pavilhão do Chile, que com "Grande Sur", do artista Fernando Prats, leva a Veneza o testemunho da potente natureza chilena, como o terremoto que castigou há mais de um ano o país e a erupção do vulcão Chaitén em 2009.

Um projeto que, segundo explicou à Efe o comissário do pavilhão, Antonio Arévalo, levou o artista aos locais da geografia chilena nos quais a natureza "explode" e cujas consequências o artista "calca" com seus papéis.

Prats documenta o processo com um vídeo em que ficam impressas "as marcas" destes fenômenos naturais.

EFE

Acima, parte de instalação do artista suíço Thomas Hirschhorn 

Uma das propostas que chama a atenção do espectador é a de Taryn Symons com "Farah", a fotografia final que aparece no filme "Guerra sem Cortes", de Brian De Palma, na qual o cineasta narra a história de quatro soldados americanos mandados ao Iraque, que assassinam e estupram uma jovem e a sua família.

A fotografia de Symons, reconhecida por seus trabalhos nos quais dá voz aos oprimidos, é o último fotograma que aparece na fita de De Palma, e nela se vê o corpo da jovem Farah, interpretada pela atriz Zarah Zubeidi, após seu assassinato.


Além disso, os 'Indignados' do movimento espanhol 15-M também encontraram espaço na bienal, com um grupo de jovens que neste sábado informavam sobre os objetivos e as origens da mobilização diante do pavilhão da Espanha.

AFP

Instalação do artista do Haiti Sergine Andre em pavilhão dedicado ao país
 
Nesta edição, a Bienal de Veneza contará com 89 participações nacionais, entre elas, pela primeira vez, as de Andorra, Haiti e Arábia Saudita.

Este ano marca o retorno a Veneza, com pavilhão próprio e após longa ausência, países como Índia, Iraque, África do Sul, Costa Rica e Cuba.

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