segunda-feira, 20 de maio de 2013

FESTIVAL DE CANNES: NA SEGUNDA, DECADÊNCIA ITALIANA, HOMENAGEM FRANCESA A FILMES AMERICANOS DOS 70, JAMES FRANCO, DRAMA PALESTINO, SUSPENSE JAPONÊS, ALEC BALDWIN E KEANU REEVES


"La Grande Bellezza", filme do italiano Paolo Sorrentino, recebeu os mais fortes aplausos até agora na sessão de imprensa do Festival de Cannes 2013 e se tornou um dos favoritos  à Palma de Ouro - o evento exibiu até agora dez dos 20 concorrentes.

O filme faz um grande painel da elite de Roma nos dias de hoje através dos olhos de Jep Gambarella (Toni Servillo, de "Il Divo" e "Gomorra"), um jornalista que publicou um único livro há mais de 40 anos.

Em diálogo direto com o clássico "A Doce Vida", de Federico Fellini, "La Grande Bellezza" mistura de forma delirante e eufórica cenas e personagens romanos, como grandes festas de ricaços regadas a champanhe e música eletrônica, uma clínica de botox e o clero do Vaticano, incluindo um cardeal que só pensa em comida e uma freira de 104 anos tida como santa, uma referência a Madre Teresa de Calcutá.

Entre o tédio, o conformismo e um certo entusiasmo, Gambarella desfila por todos esses cenários, testemunha da decadência italiana nas últimas décadas e nostálgico de tempos melhores.


O diretor Paolo Sorrentino e o ator Toni Servillo, hoje em Cannes - foto: News Times

Sorrentino esteve em competição em Cannes com seus quatro filmes anteriores, incluindo "Il Divo" (2008) e "Aqui É o meu Lugar" (2011), estrelado por Sean Penn.

Confira o trailer de "La Grande Bellezza":


Já o muito esperado - mas evitado - em Cannes Guillaume Canet apresentou "Blood Ties", seu primeiro filme americano.

Com Clive Owen e Marion Cotillard, é um thriller em forma de homenagem apoiado no cinema dos anos 1970, com a história tendo início na Nova York de 1974, quando um mafioso, Chris (Clive Owen) é libertado após vários anos de prisão, e reencontra seu irmão policial, Frank (Billy Crudup).
Mas Chris mergulha em sua vida passada, o que o separa novamente de seu irmão.

A partir desta trama - remake de um filme de Jacques Maillot, "Laços de Sangue" (2008), no qual participou como ator - Canet explora o lado dramático da relação entre os dois irmãos que tudo separa.

Eles estão "acorrentados um ao outro", explicou em uma coletiva de imprensa.

Marion Cotillard interpreta uma prostituta viciada em drogas, enquanto Matthias Schoenaerts, que foi seu parceiro em "Ferrugem em Osso", de Jacques Audiard, é um mafioso em busca de vingança.

O filme também reúne a atriz hollywoodiana Mila Kunis e a lenda das lendas James Caan - o "Sonny" Corleone de "O Poderoso Chefão" (1972), dirigido por Francis Ford Coppola.

Co-escrito com o cineasta americano James Gray - em competição em Cannes com "The Immigrant" - este quarto filme de Guillaume Canet, roteirista de "O Meu Ídolo", "Não Conte a Ninguém" e "Até a Eternidade", é uma homenagem ao cinema americano dos anos 1970, de William Friedkin -  de "Conexão França" e a Martin Scorsese  - de "Caminhos perigosos".

O diretor Guillaume Canet recebe beijo da lenda James Caan, hoje em Cannes - foto: Fashion Bookmark

Guillaume Canet ressalta este aspecto por si mesmo:
"Tinha o desejo de produzir um filme que me fizesse sonhar, assim como o cinema dos anos 70 americano, seja Cassavetes, os primeiros filmes de Scorsese, Sidney Lumet, Sam Peckinpah e Jerry Schatzberg, que é uma grande inspiração para mim".

Mas o sonho americano se revelou menos idílico que o previsto: Canet conta que precisou enfrentar muitas dificuldades durante as filmagens, desde o abandono de Mark Wahlberg - que deveria fazer um dos dois papéis principais - até problemas de preparação e produção.

"Eu vivi momentos realmente surreais, que nunca precisei enfrentar, mesmo em meu primeiro filme. Tudo era motivo de problema", declarou, revelando que chegou "a pensar em abandonar tudo".

Aguardado com grande curiosidade no Festival de Cannes, onde será exibido fora da competição, o filme de 2h24 não evita algumas armadilhas.

Muitas vezes falta ritmo, e às vezes exagera no flerte com a sua referência cinematográfica, querendo homenageá-la, sem realmente renovar o gênero.

Enquanto alguns críticos franceses elogiaram o desempenho, "Blood Ties" tem sido recebido, no geral, com pouco entusiasmo.

O jornal 'L'Express' acredita que "Canet soube elevar seu nível de preparo", enquanto o 'Le Figaro' saudou "um sucesso".

Mas para o jornal gratuito 'Metro', "Blood Ties é uma chatice sem fim", enquanto para a revista especializada 'Variety', o filme é "uma saga estéril" e um "Drama muito longo e lento", segundo o 'The Hollywood Reporter'.

Confira o trailer de "Blood Ties":


Adaptar para o cinema o livro "Enquanto Agonizo", de William Faulkner, requer um conhecimento profundo da obra, uma sólida experiência na sétima arte e muita coragem.

E coragem é o que não falta ao intrépido James Franco, que concorre em Cannes com uma pretensiosa e simplificada versão da novela, o longa "As I Lay Dying".

Incluída na mostra "Um Certo Olhar" - a segunda mais importante de Cannes e que premia o cinema inovador e ousado - o filme foi recebido hoje com alguns aplausos em sua primeira projeção no festival.

O ator e diretor James Franco, hoje em Cannes - foto: The Guardian

Na adaptação, Franco eliminou praticamente todos os personagens secundários da história - que aparecem muito brevemente - elegeu Darl (interpretado por ele) como único narrador e transformou a complexa estrutura do romance - baseado quase inteiramente em monólogos - em uma narração linear.

As decisões, no entanto, podem ser defendidas na busca pelo uso do texto da obra colossal e detalhista de Faulkner.

O problema do filme está principalmente na escolha de atores, começando por ele, que tem atuação fria, e, sobretudo, no abuso da tela dividida: para tentar recriar a narração com diferentes pontos de vista usada por Faulkner, o ator e diretor optou pelo recurso da tela dividida, que usa em excesso.

A mesma cena vista por dois personagens diferentes, protagonistas falando diretamente para a câmera com a outra parte da tela em preto e duas cenas consecutivas que se sobrepõem são alguns dos recursos usados por Franco para encher as duas metades da tela, que a princípio funcionam, mas acabam cansando o espectador.

Os atores também não parecem ter mergulhado com a intensidade necessária em personagens socialmente desfavorecidos e com traços marcantes de personalidade.

Tim Blake Nelson, como o chefe de família, Anse, é o que mais se aproxima do personagem idealizado por Faulkner, um homem egoísta e mau que coloca seu interesse acima do bem-estar de seus filhos.

Confira o trailer de "As I Lay Dying":


A tensão sofrida pelos palestinos sob ocupação de Israel também chegou a Cannes, onde uma história de amor e traição - "Omar", novo trabalho de Hany Abu-Assad - recebeu uma ovação de pé que durou cinco minutos ao ser exibido na seção "Um Certo Olhar".

Abu-Assad ganhou visibilidade em 2006 com "Paradise Now", que conquistou o Globo de Ouro e, ao disputar a estatueta de melhor produção estrangeira, se tornou o primeiro longa palestino da história a ser indicado ao Oscar.

A nova história, porém, é mais sombria e complexa: um drama político entrelaçado a uma história de um casal de apaixonados, o jovem padeiro Omar e Nadia, irmã de Tarek, um velho amigo que dirige uma célula de resistência nos territórios ocupados.

Os jovens se veem no meio do conflito entre o serviço secreto israelense e os guerrilheiros palestinos - ambos são igualmente impiedosos.

Para visitar Nadia, Omar precisa escalar o muro construído para separar os territórios.
Preso depois de escalar o muro, Omar é humilhado e apanha da polícia, o que o deixa furioso e o leva a se juntar a Tarek e a outro amigo, Amjad, em uma operação para matar um soldado israelense.

A partir disso, a vida de Omar muda totalmente: capturado pela polícia, o jovem é pressionado a trair seus amigos e começa a duvidar do amor de Nadia.

O diretor Hany Abu-Assad e o elenco de "Omar", hoje em Cannes - foto: AFP

Abu-Assad comentou a exibição do enredo dramático que foi ovacionado pelo público.
"No começo estava bastante nervoso, mas depois fiquei maravilhado com a recepção. As pessoas estavam envolvidas, o que foi ótimo de ver, especialmente do público de Cannes, que é o mais crítico. Espero que o mundo árabe aceite o filme e se identifique com ele", disse à AFP.

"Omar" custou 2 milhões de dólares - menos de um quinto do que um blockbuster de Hollywood costuma custar - e foi completamente financiado por cidadãos e empresários palestinos.
"Pela primeira vez, convencemos os empresários a investir na indústria cinematográfica do país. Isso é incrível", completou o diretor.

Confira o trailer de "Omar":


O diretor japonês Takashi Miike exibiu seu suspense policial de grande orçamento "Wara No Tate (Shield of Straw)" em um nítido contraste com os filmes mais intensos e íntimos exibidos até agora em Cannes, onde as paixões dos críticos ficam exaltadas, tanto aplausos exuberantes como vaias soaram depois de uma exibição para a imprensa do longa - um dos 20 concorrentes que disputam a Palma de Ouro.

Os atores Takao Osawa e o diretor Takashi Miike, agora pouco em Cannes - foto: Tha Malasyan Insider

Miike, cuja última aparição na vitrine mais importante do cinema mundial foi em 2011, disse que a decisão da comissão de seleção em incluir seu filme policial na competição principal veio como um choque.
"Quando eu soube que este filme foi selecionado, fiquei muito surpreso, fiquei realmente surpreso", disse o diretor, antes de sua estreia oficial nesta noite.

"Se eu ganhar o Palma de Ouro, ficarei feliz, é claro", disse ele.
"Mas eu realmente não acho que este é um filme feito para a Palma de Ouro. Mas estou satisfeito em saber que um tipo bem diferente de filme, uma outra classe de filme está na seleção."

Confira o trailer de "Wara No Tate (Shield of Straw)":


Os astros do cinema vêm a Cannes para promoverem a si e aos seus projetos.

Não haveria, portanto, melhor lugar para lançar um irônico documentário que se queixa do aparente predomínio da fama sobre o conteúdo.

Enquanto as festas, eventos promocionais e sessões de foto correm a todo vapor no mais importante evento comercial do cinema mundial, o diretor James Toback exibiu aqui "Seduced and Abandoned" ("seduzidos e abandonados"), mostrando como ele e o ator Alec Baldwin conversaram no festival de Cannes do ano passado com diretores, investidores e chefes de estúdio para tentar financiar um filme sem nenhum grande astro.

Eles nunca tiveram a intenção real de fazer filme algum, mas sua trama bem amarrada, sobre um espião e um jornalista no Iraque, acabou não compensando a falta de nomes famosos.

O próprio Baldwin se disfarçou como um mero ator de televisão, e a protagonista feminina, a canadense Neve Campbell (da cinessérie "Pânico"), foi descrita como uma artista sem impacto nas bilheterias.

"O dinheiro segue as estrelas", disse Toback no documentário, que foi adquirido pelo canal HBO, do conglomerado Time Warner.

Alec Baldwin - à esquerda - em cena de "Seduced and Abandoned", documentário exibido em Cannes em 2013 - foto: Divulgação

Além de ser a principal vitrine do cinema mundial, Cannes reúne até 40 mil profissionais para comprar e vender filmes e para buscar financiamentos para projetos, muitos dos quais jamais saem do papel.

Um investidor diz a Toback que nem lê os roteiros, e que decide se vai financiar ou não um projeto com base nos astros envolvidos, já que o marketing de um filme se tornou mais importante do que seu conteúdo.

Não é surpresa, portanto, que gente como Leonardo DiCaprio, Justin Timberlake e Emma Watson esteja em Cannes não só para promover filmes já prontos, mas também para aproveitar esse espaço e divulgar novos projetos e seduzir distribuidores.

*****

Keanu Reeves aproveitou a manhã de hoje para falar sobre o seu primeiro filme como diretor - a aventura de artes marciais "Man of Tai Chi", uma coprodução entre EUA e China falada em inglês, mandarim e cantonês.

"Man of Tai Chi" é a história de um talentoso lutador de artes marciais (Tiger Hu Chen) que tenta manter-se puro, mas é arrastado para o mundo das lutas subterrâneas de kung fu na China.

Keanu vive o mestre que lhe ensina muita coisa, mas depois revela-se um homem ganancioso que só quer ganhar dinheiro com as lutas.

Feito em coprodução com a Universal Pictures, o filme estreia em julho na China e em seguida em outros países.

Keanu mostrou o trailer e dois trechos do filme.
Num deles, Chen luta com um adversário numa impressionante coreografia numa sala toda cinza que parece saída direto de "Matrix". 
Na outra, Chen luta com outro adversário até nocauteá-lo.

Mas os principais comentários entre os jornalistas e os presentes foram mesmo para o visual do ator: com um penteado rebelde e vários quilos a mais, Mr. Reeves mostrou que a idade chega para todos.

Keanu reeves, hoje de manhã em Cannes - foto: AFP

Especialmente canastrão, Keanu ordena que ele finalize o adversário, mas Chen se recusa.
Entra um homem com uma máscara preta e faz o serviço por ele, quebrando o pescoço do inimigo.

"Há uns quatro ou cinco anos, acho que comecei a me sentir velho e pensei em dirigir um filme. Mas não podia fazê-lo sem uma boa história. De repente esse projeto começou a me envolver", contou Keanu, hoje com 48 anos.
"Quando era criança, vi dezenas de filmes de kung fu. Acho que isso ficou na minha cabeça".

Ele conheceu Tiger Hu Chen quando este trabalhava como dublê na trilogia "Matrix".
Ficaram amigos, e Chen começou a fazer cursos de atuação.

Ao longo de cinco anos, desenvolveram a história.
A maior parte do filme foi rodada em Pequim, com algumas poucas cenas em Hong Kong e apenas a finalização dos efeitos especiais feita em Los Angeles.

Keanu adorou a experiência como diretor e quer repetir.
"Comandar uma filmagem é um processo muito maluco. Você chega ao set todo dia com um planejamento, mas a vida simplesmente não funciona assim", responde - em Hong Kong, a equipe encarou até um furacão imprevisto.

Mas antes de "Man of Tai Chi", Keanu deve ser visto (apenas como ator) no filme de samurai "Os 47 Ronins", que estreia em dezembro no Brasil.

Confira o trailer de "Man of Tai Chi":


DROPS DE CANNES

1.
Keanu Reeves só está aproveitando uma onda que deve crescer entre os produtores americanos nos próximos anos: um relatório sobre o mercado de cinema chinês que circula em Cannes informa que a receita de bilheteria na China cresceu 38% entre os primeiros trimestres de 2012 e 2013, chegando este ano a US$ 8,34 bilhões.

2.
Mas o valioso mercado chinês tem uma especificidade: o governo chinês só autoriza que 34 filmes estrangeiros sejam lançados por ano no país.
Entre 2012 e o começo de 2013, a receita dos filmes estrangeiros no país caiu 22%, enquanto a receita dos filmes locais aumentou espantosos 113%.

3.
Produções como "Man of Tai Chi" são a chance de estrear na China como filme local – ao mesmo tempo em que a estrela de Hollywood garante o apelo no resto do mundo.

4.
Em 2012, os filmes americanos mais vistos na China foram "Missão Impossível 3", "Viagem 2: A Ilha Misteriosa" e "John Carter – Entre Dois Mundos".

5.
Nos primeiros três meses de 2013, "007: Operação Skyfall", "O Hobbit" e "Duro de Matar 5" lideraram entre os estrangeiros.
"A Viagem", dos irmãos Wachowski – os mesmos de "Matrix" –, que teve um desempenho fraco pelo mundo, figura em quarto lugar na lista chinesa, mais um bom indicador de que Keanu e seu filme de kung fu à la Matrix deve estourar por lá.

6.
David Hasselfhoff, 60 anos, ex-astro da cult série "Baywatch", esteve em Cannes com sua namorada Hayley Robert,32, para promover "Killing Hasselhoff" ("assassinando Hasselhoff"), filme ainda não rodado sobre um homem que, por causa de uma aposta, contrata um pistoleiro para matar uma celebridade, o próprio Hasselhoff.

7.
Sharon Stone, Jessica Chastain e Janet Jackson estão na lista de convidados do evento de gala anual da amfAR para angariar verbas para pesquisas sobre a Aids - Shirley Bassey e Duran Duran vão se apresentar na festa.

Sharon Stone desfila pelo red carpet  de Cannes com um Roberto Cavalli - fotos: Red Carpet Fashion Awards
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Com Thiago Stivaletti (UOL), Agências Internacionais, AFP e Alicia García de Francisco

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