Com 65 anos de carreira dedicados à televisão, ao cinema e principalmente ao teatro, o ator Sergio Britto finalmente lançou sua autobiografia no último mês de maio - "O Teatro e Eu" - um corajoso relato em que resgata suas estreia nos palcos e momentos marcantes de sua trajetória artística.
Mostrando aos poucos a personalidade do homem por trás dos grandes personagens, Britto narra a criação e os bastidores de importantes grupos teatrais do país, dos quais participou da criação ou esteve envolvido nas montagens, entre eles, os fundamentais Teatro de Arena e o Teatro Maria Della Costa.
Os detalhes esmiuçados pelo ator, de tão descritivos e ricos, tem também momentos menos gloriosos, como quando foi desafiado por problemas de audição e na voz.
Protagonista de históricos embates com a ditadura militar, o artista conta como fez para burlar os censores do regime, e trata de outros obstáculos mais recentes, como os problemas financeiros impostos pelo corte de verbas que foi a tônica do governo Collor.
Embora tenha começado em 1945 e participado em 1948 da histórica montagem de "Hamlet" estrelada por Sérgio Cardoso, Britto diz que só começou a se considerar ator em 1953, com as estripulias de "Uma Mulher e Três Palhaços" - tão marcantes que ele guarda até hoje o nariz vermelho que usou.
Mas a inflexão na carreira aconteceu quando ele deixou os papéis de galã, adequados ao seu então perfil atlético, e passou a fazer espetáculos difíceis como "Fim de Jogo" (1970), "Tango" (1972), "Autos Sacramentales" (1974) e "Quatro Vezes Beckett" (1985).
"Acho que já sei tudo, que cheguei no máximo. Não tenho obrigação de fazer uma coisa a mais. Para mim, fazer algo a mais é fazer diferente", afirma, referindo-se à dialética do momento: saiu de um pesado solo de Beckett para uma peça brasileira realista, dirigida por Eduardo Tolentino, e entrará num Tchékhov poético, no qual interpretará um velho ator.
A ótima memória permite ao grande ator contar detalhes da carreira: fala dos grandes amigos - como Fernanda Montenegro - e dos colegas com quem se desentendeu - Beatriz Segall, Laura Carneiro, Osmar Prado e tantos outros.
O abuso de sinceridade é um traço forte de Britto, e justifica o porquê de ele ter começado o livro falando de homossexualidade.
"Para mim, se dizer bissexual é como esconder o homossexualismo que você não quer admitir. Sempre me senti homem o bastante para assumir opções e atitudes na minha vida", escreveu.
"Ninguém pode travar uma tendência dentro de si. Se tem alguma coisa que te empurra para cá ou para lá, você tem que ver como é, no mínimo", afirma ele, reconhecendo que tal sinceridade poderia tê-lo prejudicado no passado.
"Os galãs da Globo sofrem até hoje."
A aliança que tem usado é do Alberto de "Recordar É Viver", e ele diz ter decidido há cinco anos ficar "descasado definitivamente".
"Quero dormir sozinho. A parte sexual existe, mas a matrimonial, não."
A idade avançada é sinônimo de pais e muitos amigos mortos, mas nada que o tenha levado à depressão.
"Sou frio? Sou gelado? Não, é que eu enfrento bem as dificuldades. Lágrimas não combinam comigo."
Ele escreve que, quando cortou os pulsos, aos 22 anos, estava representando o desejo de se libertar, livrar-se da medicina que estudou para agradar os pais.
"Quando eu acordei no hospital, perguntei: 'O que é isso? Não quero morrer'. No mesmo dia, saí no bonde dançando e cantando. Era domingo de Carnaval."
Britto tomou a decisão de, nos anos que lhe restam, apenas trabalhar como ator, não mais dirigir nem dar cursos de teatro.
"Os jovens de hoje podem dizer que querem fazer teatro, mas o que eles querem fazer é televisão. Se a televisão chama, eles largam tudo. Não estou falando mal dos jovens atores, mas de uma fase do Brasil em que tudo é mais ralo, mais frágil."
"O TEATRO E EU"
Autor: Sérgio Britto
Editora: Tinta Negra Editorial
Gênero: Autobiografia
Quanto:R$ 52,00, na Livraria da Folha
COTAÇÃO DO KLAU:
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