quarta-feira, 4 de agosto de 2010

JEAN-MICHEL BASQUIAT, POR INTEIRO NA SUÍÇA

Se vivo estivesse, o pintor americano Jean-Michel Basquiat completaria em dezembro 50 anos e estaria, na aposta do curador da maior exposição a seu respeito, parindo desenhos e vídeos compulsivamente, como não se vê mais na Nova York "limpa e careta" de hoje.

É essa "sujeira" criativa, o experimentalismo em falta, a carga social crítica, energia e raiva que o curador Dieter Buchhard reuniu na Fundação Beyeler, na cidade suíça da Basileia, para produzira mostra mais ampla e mais objetiva da carreira do pintor.

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Tela - sem título - de Basquiat, de 1981

A exposição segue até setembro, no bonito museu mantido pela fundação em um subúrbio da cidade que faz fronteira com a França e a Alemanha, para ir depois para o Museu de Arte Moderna de Paris, onde fica até dezembro.

Para o curador, Basquiat lembra muito o expressionista norueguês Edvard Munch na força e no drama de suas pinceladas.
"Acabei fascinado pelo Basquiat diante da intensidade enorme de seu trabalho, que eu vi pela primeira vez no Munch do início de carreira e reencontrei nele."

E esse fascínio continua. A próxima mostra de Buchhard também é sobre o pintor, focada em sua relação com Andy Warhol.
"Ainda me fascina que alguém tão jovem pudesse produzir algo tão maduro."

O curador reuniu 86 telas e mais de 60 desenhos, além de 10 esculturas e objetos produzidos por Basquiat.

As figuras negras triunfais, o boxeador vitorioso, as imagens de repressão e libertação, anotações sobre a pobreza e números e palavras tortas às vezes em inglês, às vezes em crioulo - língua do pai do artista -anotados de forma obsessiva muitas vezes pela tela quase toda, são motivos recorrentes.

Isso, diz Buchhard, revirou e inverteu estereótipos em um momento em que galeristas, colecionadores e até quadros eram de etnia branca.

Na obra de Basquiat, o traço quase infantil e o uso das cores primárias casam-se para sempre com uma mensagem adulta, dura.

O curador arrisca um palpite: o pintor enveredaria pelo caminho do vídeo, mas continuaria a desenhar obsessivamente.
"Ele era um desenhista maníaco. Se você estivesse falando com ele agora, ele estaria desenhando. E era muito disciplinado".

Isso explica a extensão da obra deixada pelo gênio negro, em uma carreira de apenas oito anos.

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Tela - sem título - de 1982

A Nova York em ebulição dos anos 70 e 80 de que Basquiat é produto e processo - junto com Warhol e Keith Haring - também acabou - um ciclo talvez encerrado pela morte do próprio Haring em 1990.

"Nova York ficou tão comercial", lamenta o curador.
"Os artistas estavam lá porque era superbarato, era uma cidade de gangsters. Depois o [ex-prefeito Rudolph] Giuliani [1994-2001] limpou tudo, e os artistas se foram, o que mudou muito a cena. Ficou muito menos experimental."

Outro ponto abordado na exposição é a intensa relação de Basquiat com Warhol, a quem inspirou a voltar a pintar e por quem foi inspirado.
Os quadros pintados conjuntamente e a tela com o silk screen dos dois calçando luvas de boxe deixam entrever a relação simbiótica.

Para produzir a retrospectiva, Buchhard trouxe peças dos EUA e juntou-as com outras que estavam na Europa, onde uma mostra desse porte da obra do pintor é inédita.

O curador, que não conheceu o artista pessoalmente, contatou amigos, conhecidos, galeristas e colecionadores para ouvir sobre seu objeto, e defende que isso confere mais objetividade a uma retrospectiva de um artista cujo carisma afetou a maioria dos que o conheceram.
"Já é hora de fazer isso. Ele morreu há mais de 20 anos."


SAIBA MAIS SOBRE O ARTISTA


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Retrato de Jean-Michel Basquiat feito por Andy Warhol em 1982

Jean-Michel Basquiat nasceu no Brooklyn, NY, filho de um haitiano e de uma filha de costarriquenhos, que se separaram quando ele tinha sete anos.

Foi criado pelo pai com as irmãs, e aos 14, se mudou para Porto Rico com a família.
Com 16, já trabalhando com arte, criou uma persona artística - que depois viraria seu projeto SAMO - até ser descoberto, aos 19, pelo mercado de arte nova-iorquino e, logo depois, por Andy Warhol.

Avesso ao establishment, revirou o cenário artístico de sua época, em um momento em que as galerias começaram a ser invadidas pela arte das ruas.

Encontrou influência em Cy Twombly, Warhol e Picasso, mas se inspirou principalmente na cultura pop e na vida marginal de uma cidade suja - a Nova York de então.

Cético no primeiro momento, Warhol se embeveceu pelo pintor paradoxalmente espontâneo e vivido, ajudando a catapultá-lo à condição de primeiro artista plástico negro reconhecido na cena americana.

A vida e a obra do artista se tornaram conhecidas de um público mais amplo com o filme "Basquiat" (1996) - de Julian Schnabel - no qual o pintor é encarnado soberbamente por Jeffrey Wright - indicado ao Oscar.

Neste ano, chega às telas "The Radiant Child", documentário feito por sua amiga Tamra Davis, que o retrata como um iconoclasta.

Foi da extrema pobreza à fama, em apenas oito anos.

Morreu numa tarde de agosto de 1988 por overdose.

Uma das últimas Bienais de SP trouxe algumas poucas - mas muito expressivas - obras do artista, e foi o motivo de eu ter ido ao Ibirapuera nada menos do que oito vezes, só para babar, e babar, e babar, e chorar, e chorar e chorar...

E eu fico imaginando como seria ver Basquiat, cinquentão, nos Estados Unidos caretérrimo de Barack Obama de hoje.

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