sexta-feira, 6 de agosto de 2010

"A ORIGEM": MAIS UM FILMAÇO DE CHRISTOPHER NOLAN

Marion Cotillard teve que ler duas vezes o roteiro de "A Origem", e ainda assim ficou na dúvida.
Leonardo DiCaprio garantiu que entendeu tudo, mas só depois de meses de conversa com o autor e diretor, Christopher Nolan.

Na telona, o produto final não é assim tão complicado, embora muita gente retorne às salas de cinema para tentar decifrar possíveis segredos, ajudando a manter essa complicada história no topo das bilheterias há três semanas.

DiCaprio é Dom Cobb, um ladrão de sonhos.
Ele usa uma combinação de drogas e aparato tecnológico para entrar na mente de executivos e roubar segredos industriais.

Sua nova missão é fazer o contrário: introduzir uma ideia no subconsciente de um jovem herdeiro (Cillian Murphy, o "Espantalho" dos dois últimos "Batman", dirigidos por Nolan) e fazê-lo vender seu império de empresas.

Simples, assim.
Acontece que, para realizar o plano - chamado "inception", nome original do filme - é preciso ir fundo nos sonhos da vítima, em camadas que levarão Cobb e seu time de especialistas a lugares tão diversos como um hotel de luxo sem gravidade, um paraíso artificial e montanhas nevadas.

Para complicar, Cobb tem seus demônios pessoais materializados na personagem de Marion Cotillard, que ele é acusado de matar e que o persegue infinitamente.

"Foram três meses de conversas [com Nolan] para desenvolver o personagem. Tivemos que aprender as regras do jogo de seu sonho", afirma DiCaprio. "Rolaram umas conversas existenciais [com Cotillard] sobre relações de personagens que nunca tive antes", disse ele.

Entre os especialistas do time de Cobb estão: Eames (Tom Hardy), um falsário que toma a forma de outras pessoas; Ariadne (Ellen Page), uma estudante de arquitetura que constrói os visuais impressionantes dos sonhos; e Arthur (Joseph Gordon-Levitt), responsável pela pesquisa das vítimas.

Divulgação: Warner
DiCaprio e Ellen Page, em cena do filme

"O filme é uma ficção especulativa. Conta uma história a partir de uma ideia tecnológica: e se a gente pudesse compartilhar sonhos?", disse Nolan a jornalistas.
"Queria fazer um filme de ação, num mundo reconhecível, mas que pedisse ao público para entrar na viagem, desde o começo."

Nolan viajou por seis países para filmar "A Origem", além de usar os antigos galpões na Inglaterra onde rodou cenas de "Batman - O Cavaleiro das Trevas" (2008) e "Batman Begins" (2005).

Foi o sucesso desses dois filmes que fez com que Nolan conquistasse a confiança dos chefões da Warner, após longas de baixo orçamento e roteiros que exigiam mais do público, como "Amnésia" (2001) e "Insônia" (2002).

Num verão turbinado por filmes 3D, sequências e remakes, as críticas ao filme de Nolan foram positivas, e o debate, intenso.
Nolan se defende: "'A Origem' é um mundo da imaginação, ligado ao potencial infinito da mente humana, no qual é possível, através dos sonhos, construir mundos infinitos". Captou?

Veja o trailer do filme:


CRÍTICA
Nolan passou dez anos escrevendo o roteiro, e ao assistir a esta audaciosa ficção científica, é possível entender porque Nolan levou todo esse tempo.

A matéria-prima da história são os sonhos, não em si mesmos, mas como território para uma nova modalidade de crime - o roubo de ideias de pessoas enquanto estão dormindo, quando ladrões invadem seus sonhos.

O maior especialista nesta audaciosa espionagem industrial do subconsciente é Dom Cobb (Leonardo Di Caprio), que trabalha armado com um arsenal que inclui drogas poderosas, equipamentos de última geração e um time de auxiliares de primeira.

Na primeira metade do filme, Nolan empenha-se em definir os limites deste fascinante mundo imaginário, que funciona movido por leis próprias.

Não é fácil seguir a narrativa, especialmente depois que se instalam os sonhos dentro dos sonhos necessários para completar a missão na mente de Fischer (Cillian Murphy).

Como uma espécie de guia do espectador - que fará algumas das perguntas que este poderia fazer - entra em cena Ariadne (Ellen Page, de "Juno"), a nova arquiteta que substitui Nash na idealização dos cenários dos sonhos - o que é necessário para produzir ilusões que ajudem a enganar o sonhador que teve sua mente invadida.

De Ariadne, como o nome sugere - lembrando a lenda grega de Teseu e do Minotauro - Dom espera que projete um labirinto muito especial, do qual só sua equipe consiga sair.

"A Origem" tem muita ação, perseguições, lutas, tiros, mas com direito a muitas situações surreais - a cidade de Paris dobrando-se sobre si mesma, como se fosse de papelão, voos de carros e pessoas, desabamento de prédios em série, engolidos por água, e muito mais.
A turma de efeitos especiais trabalhou bem, mas os dublês foram mais requisitados ainda, porque Nolan procura uma espécie de realismo dentro do sonho que lhe dê uma certa verossimilhança.
Ainda assim, dentro dos sonhos, vale tudo - os colegas de Dom assumem disfarces e é possível escapar deles "morrendo". Mas também há o risco de cair num limbo e não voltar mais.

Pode-se dizer que a imaginação de Nolan foi longe e que criou um novo território na mitologia do cinema.

Essa sacada do roteirista/diretor não é inédita - recordemos "Matrix", dos irmãos Wachowski, e "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças", de Michel Gondry, e também seu próprio filme "Amnésia" (2000), inspirado num conto escrito por seu irmão, Jonathan Nolan - o que não tira o mérito de Nolan de ter desenvolvido um universo movido por suas próprias leis e que poderá gerar novas sequências.

E o sucesso deste primeiro filme parece indicar isso.

Se dá para sentir falta de alguma coisa é de uma certa variação no cenário destes sonhos, excessivamente calcado no universo masculino dos filmes de ação.

Quem sabe em próximas investidas, se existirem, se possa dedicar mais tempo a imaginar alguns outros lados do subconsciente humano onde, como Freud tão bem revelou, escondem-se os medos e desejos mais secretos e inusitados.

E só para constar: o título brasileiro - "A Origem" é péssimo - melhor seria "Invasores de Sonhos", ou algo parecido.


A ORIGEM
Título original:
Inception
Diretor: Christopher Nolan
Estúdio: Warner Bros.
Elenco Principal:
Leonardo DiCaprio
Joseph Gordon-Levitt
Ellen Page
Tom Hardy
Ken Watanabe
Dileep Rao
Cillian Murphy
Tom Berenger
Marion Cotillard
Gênero: Ficção Científica, Aventura
Duração: 148 mins
Ano: 2010
Data da Estreia: 06/08/2010
Cor: Colorido
Classificação: Não recomendado para menores de 14 anos
País: EUA, Reino Unido
COTAÇÃO DO KLAU:

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Confira entrevistas com Nolan e DiCaprio à jornalista brasileira Ana Maria Bahiana, do UOL:

Divulgação: Warner
Leo Di Caprio e Chris Nolan, durante as filmagens de "A Origem"

UOL Cinema - De onde vem seu interesse em sonhos?
Christopher Nolan - Não sei. Mas é um interesse antigo. Como cineasta, vejo um paralelo claro entre os dois processos. O mais genial é que estes filmes tão reais e tão detalhados que criamos todas as noites são processos completamente universais, compartilhados por toda a humanidade independente de cultura, língua, etnia. Sempre fui fascinado por isso. Todos somos cineastas todas as noites. Quando sonhamos, criamos o mundo do sonho – cada cor, cada detalhe do cenário, os personagens, o que os personagens dizem. É uma demonstração fantástica do poder criativo da mente humana. Há, portanto, uma relação muito interessante entre sonhar e estar sentado num cinema deixando que um filme, um mundo que outra pessoa criou, tome conta de você, envolva você. Estes conceitos me interessaram muito, e queria explorar esta justaposição com este filme.

UOL Cinema - Que cineastas influenciam seus sonhos ?
Nolan - Stanley Kubrick sempre foi uma grande referência para mim, e vários momentos de "A Origem" mencionam essa influencia. Mas este é, em sua essência, um thriller de ação existencial …(Nolan ri)… e eu sempre fui fã dos filmes de James Bond dos anos 60. Eu tinha que pôr uma cena de perseguição na neve, com esquis, como aquela de "007 A Serviço Secreto de Sua Majestade". Coisas assim, creio, enfatizam a natureza cinematográfica dos sonhos, a relação entre as duas experiências.

UOL Cinema - Quão importante foi a adesão de Leonardo Di Caprio ao projeto?
Nolan - Faz tempo que eu queria trazer Leo para um projeto meu… e não me decepcionei. Além de ser um prazer trabalhar com ele, e dele ser um ator no auge de sua maturidade, ele tem o verdadeiro carisma de um astro. Ele é um movie star, plenamente, E isso faz com que as platéias imediatamente se conectem com seu personagem e invistam nele. Ele tem um dom, um talento extraordinario. Leo trabalha sempre a partir da verdade interior do personagem, e isso ele atinge depois de ler e reler e analisar o roteiro, buscando os elementos para compor seu desempenho. Mais que qualquer outra coisa, Leo é a razão pela qual quem vê meu filme vai se conectar com o mundo que criamos.

UOL Cinema - Você gostaria de compartilhar os sonhos de alguém?
Nolan - É uma ideia apavorante, não é? Na verdade foi esse conceito, a noção desta quebra absoluta da privacidade, que deu a forma final ao que seria ser "A Origem". Então não, a noção de invadir os sonhos alheios é muito assustadora para sequer ser contemplada na realidade. É a violação mais absoluta do invíduo. Se bem que, se eu pudesse saber como Orson Welles sonhava…


DICAPRIO

Recém-saído de um outro thriller psicológico, "Ilha do Medo", de Martin Scorsese, Leonardo di Caprio dedicou-se de corpo e alma à complexa filmagem de "A Origem", que exigiu não apenas treinamento físico mas sobretudo uma vasta exploração dos processos do sonho e sua importancia no equilibrio da mente humana. No papel de Cobb, o “extrator” e líder de uma equipe de “agentes oníricos”, Leo tem um dos desempenhos mais originais de sua já aclamada carreira.

UOL Cinema - O que fez você dizer “sim” a Christopher Nolan – que, pelo que ele disse, há tempos anda querendo fisgar você?
DiCaprio - Chris é um diretor visionário e este é um filme altamente ambicioso, um filme que opera em pelo menos quatro níveis diferentes da mente humana. Como eu poderia não querer me envolver nisso? (DiCaprio ri). Mas além disso ele tem no seu centro um personagem profundamente humano, com uma jornada emocional poderosa – do meu ponto de vista, trabalhando sob o ângulo do meu personagem, Cobb, a história é sobre um homem tentando reconciliar-se com seu passado, curar suas feridas e voltar para casa. O fato de Chris ter montado uma estrutura narrativa maravilhosamente complexa em torno disso só faz tudo ficar muito mais interessante.

UOL Cinema - Como você se prepara para viver um personagem que invade sonhos?
DiCaprio - Muita pesquisa e, é claro, buscando ter mais consciência dos meus próprios sonhos. Li "Análise dos Sonhos", de Freud, e outros livros sugeridos por Chris, procurando compreender o processo por todos os lados. Passamos dois meses conversando intensamente sobre sonhos e o mundo dos sonhos, tentando estabelecer regras que pudessem ser mostradas claramente, que possibilitassem o acesso do público a esse mundo. Meu trabalho não era dizer a Chris como criar esse mundo – isso ele estava extraindo do mais profundo da mente dele – mas como criar um personagem emocionalmente poderoso que pudesse ancorar o público nessa experiência.

UOL Cinema - Como Nolan se compara aos outros grandes diretores com quem você já trabalhou?
DiCaprio - Chris é extremamente calmo e confiante em si mesmo. Fazer o que ele fez, um projeto dessa magnitude, com sete locações diferentes, sets complicadíssimos, sem jamais perder a calma, em pleno controle de tudo, é muito raro. Acredite no que eu digo: é muito, muito raro. Os sets de Chris são super tranquilos, íntimos, não parece que você está fazendo um filme gigantescco como este. Todo mundo se sente à vontade e por isso dá o melhor de si. Ele está sempre aberto para aceitar a sua visão do trabalho e também para deixar você acessar os processos e a visão dele. Só assim ele consegue colocar na tela mundos tão extraordinários e absolutamente controlados.

UOL Cinema - Se você pudesse, Você gostaria de invadir os sonhos de quem?
DiCaprio - É uma violação tremenda mas… tem alguns líderes mundiais que precisam que uma boa dose de bom senso e respeito ao meio ambiente seja injetada na cabeça deles (DiCaprio ri).

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E os japoneses adoraram o filme!

Confira a passagem do elenco e do diretor para o lançamento em Tóquio, em matéria da France Presse:

Ruas e prédios que se dobram em si mesmos, corredores de hotéis que perdem a gravidade subitamente. Nenhuma destas cenas de "A Origem", que o trailer não cansa de mostrar, impressionaram Leonardo DiCaprio tanto assim. Para o ator, é a jornada emocional de seu personagem que conta.

“Em meio a todo o espetáculo, é o que mais gostei”, disse o ator em entrevista coletiva no Japão, acompanhado de seu colega de elenco, Ken Watanabe, do diretor Christopher Nolan e da produtora Emma Thomas.
Depois de uma cerimônia de tapete vermelho, que reuniu mil pessoas sob o escaldante (35º) verão japonês, DiCaprio apareceu diante da imprensa para falar sobre o filme.

Dado a respostas longas, ele se espantou – e arrancou risos dos repórteres – com a duração da tradução para o japonês. “Prometo respostas curtas”, brincou, diante do olhar cansado dos colegas de palco, que esperavam em silêncio as tradutoras trabalharem.

O ator enxerga o longa-metragem como uma mistura das obras anteriores do diretor, "Amnésia" e "Insônia", com o espetáculo de "O Cavaleiro das Trevas".
“É um filme ambicioso, mas que dá muita importância para os personagens. Eu acho que uma espécie de 'Oito e Meio' de Chris Nolan, uma mistura do cenário de sonho de Fellini com aquilo que Chris sabe fazer melhor.”

Ken Watanabe foi mais além e buscou outro mestre italiano para tecer uma comparação com o diretor. “Ele é a reencarnação de Leonardo da Vinci”, exagerou.

"A Origem" vem ganhando elogios por conta de sua história original, baseada em ideias amparadas por um espetáculo digno de um filme de verão.
DiCaprio considera que essa é uma obra complicada de ser criada dentro do atual sistema de Hollywood.
É muito difícil encontrar um filme que combine o melhor do espetáculo que Hollywood pode oferecer com uma estrutura narrativa de várias tramas surreais. Tenho a impressão de que muitos dos lançamentos, especialmente no verão, têm tramas recicladas, enquanto que "A Origem" é uma ideia realmente original.”

Leonardo DiCaprio pareceu à vontade e disse ter afinidade com a cultura local.
“Eu adoro o cinema japonês e animes. 'A Origem' tem muito a ver com o trabalho de Hayao Miyazaki em 'A Viagem de Chihiro' e o último filme de Kurosawa, 'Sonhos', que tem a mesma temática que o nosso filme.”

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