sexta-feira, 20 de agosto de 2010

ENTREVISTA: MARCO RICCA

Um dos melhores atores de sua geração, e que transita com desenvoltura pelo cinema, teatro e TV,

Marco Ricca estreia na direção de longas com “Cabeça a Prêmio”, uma adaptação do romance homônimo de Marçal Aquino - que estréia hoje em circuito nacional.

A amizade com o escritor vem de alguns anos, desde que Ricca atuou em dois filmes com roteiros extraídos de suas histórias, como o premiado “O Invasor” (2002) e “Crime Delicado” (2005).

Ricca não poupa elogios a Aquino, ao explicar seu interesse em filmar “Cabeça a Prêmio”:
“Foram os personagens que me atraíram mais, como sempre na obra do Marçal. Ele não os psicologiza em nenhum momento, o que dá liberdade para verticalizá-los”.

Priscila Prade/ Divulgação
O diretor Marco Ricca, durante as filmagens

Outro elogio vem do fato de que, a seu ver, nos livros do escritor “a ação predomina, toma conta, e os personagens vão se alimentando disso”.

Esta qualidade, porém, foi justamente o primeiro desafio da adaptação para o cinema.
“No filme, a gente tentou o contrário. Ao procurar aprofundar os personagens, privilegiamos os conflitos deles e a ação ficou num segundo plano”, destaca.

Num primeiro momento, Ricca foi tentado pela idéia de também atuar em “Cabeça a Prêmio”, justamente no papel de Brito, o matador que protagoniza a história, ambientada em Campo Grande (MS).
Como acumulou muitas funções, de captador de recursos a corroteirista - ao lado de Felipe Braga, da série “Mandrake” - Ricca acabou desistindo de atuar, e o papel ficou com Eduardo Moscovis.

O principal papel feminino - Elaine, filha do traficante Mirão - Fulvio StefaninI - o patrão de Brito - sempre teve dona: Alice Braga, que contracenou com Ricca no romance “A Via Láctea” (2007) e que o ator-diretor se orgulha de dividir com Hollywood - onde ela tem atuado em superproduções como “Eu sou a lenda” e “Predadores”.
“É uma parceirona”, define.

Foi de Alice também a ideia de mudar a profissão de Marlene - Via Negromonte - que no livro é uma ex-prostituta - no filme, Marlene é dona de um pequeno restaurante de estrada.
“Nenhum de nós aguentava mais ver bordel em cinema nacional”, diverte-se o diretor.

Uma outra diferença em relação ao livro é ter tornado um personagem importante, o piloto de avião Denis, que transporta cargas ilícitas para Mirão, num estrangeiro, o ator uruguaio Daniel Hendler - visto na série “Epitáfios” e em filmes como “Whisky” e “O Abraço Partido”.
Ao seu lado, como um pequeno receptador do outro lado da fronteira, está outro uruguaio conhecido do público brasileiro: César Troncoso, protagonista de “O Banheiro do Papa”, de César Charlone.
“Os dois são amigos e eu nem sabia disso quando os chamei para fazer o filme”, conta Ricca.

O diretor explica que a presença dos dois atores foi uma espécie de “flerte com a América Latina”, que ele achou que cabia bem, já que se trata de uma história ambientada na fronteira.

No final, o resultado deste primeiro filme como diretor, que Ricca define como um “primeiro exercício, foi positivo do lado artístico.
O maior orgulho que tenho são as interpretações. Os atores são meus amigos, é quase uma ‘formação de quadrilha’. Fui escrevendo o filme para eles”.

Já a experiência de captador e produtor de um orçamento que se aproxima dos R$ 4 milhões, não foi tão agradável.
“Peguei um pires e saí atrás de dinheiro. Acabei com tudo o que tinha e fiquei três anos vivendo em função do filme, sem receber. Só os atores e a equipe foram pagos, porque é assim que tinha que ser”, conta o diretor.

Mas do que Ricca reclama mesmo é da falta de controle de todo o processo de produção no cinema.
“O cineasta é refém de muita coisa e de muita gente. Você tem que inscrever o projeto nas leis de incentivo, ele tem que ser aprovado por burocratas que a gente nem sabe quem são. Meu filme vai estrear e eu nem sei em que salas ele vai entrar. Isso é muito perverso”, desabafa.

Mesmo assim, o ator e diretor quer partir para outras experiências no cinema, desde que não sejam projetos de encomenda.
“Recusei dois convites desse tipo. Não me interessa e eu nem saberia fazer”.

Para ele, “fazer um filme é pôr ali uma visão de mundo. É algo muito ligado à sua vida. Mas há quem consiga se retirar”.

Ricca diz que tem outros projetos cinematográficos na cabeça – e que “não conta” porque já teve experiência de ver suas ideias roubadas antes.
Mas o fundamental mesmo é conseguir criar uma nova forma de produzir seus filmes, mais independente do que foi “Cabeça a Prêmio”.
“Não consigo lidar bem com todas essas relações. Ou eu vou romper com essas amarras ou não faço mais cinema”.

*****

Confira também a entrevista que Marco Ricca concedeu à revista "Serafina":


Por que decidiu dirigir cinema?
Acho que é uma extensão natural do trabalho de ator.
Quando decidi dirigir teatro, fiz porque estava virando um ator insuportável, cheio de palpites para tudo.
Quando é assim, melhor ir lá e fazer o seu.
No teatro deu certo, já dirigi várias peças, e o público gosta, vai ver.
Eu adoro quando o público gosta.

Alguma tensão pré-estreia?
Muita, mas estou contente com o resultado.
Fiz o que eu queria ter feito.
Foram dois anos e meio de dedicação absoluta, exclusiva, e "Cabeça a Prêmio" é um filme grande, tem oito protagonistas, muitas locações, imagens aéreas.
Ouvi uma vez que você nunca termina um filme, apenas o abandona uma hora.
Estou pronto para abandoná-lo e torço para que o público o adote (risos).

Você não atua no filme. Por quê?
Porque eu só queria trabalhar com bons atores (risos).
Quando atua, você tem que cuidar daquele personagem e eu queria cuidar de todos.

Com que diretor de cinema você aprendeu mais?
Roubei muita coisa de muita gente, mas não tenho uma influência óbvia.
A convivência com o Beto Brant, com quem fiz "Os Invasores" e "Crime Delicado", foi muito especial.
A Lina Chamie e o Cacá Diegues marcaram muito a minha vida.
Mas, se eu fosse virar 
cineasta mesmo, queria ser como o Michael Mann, acho o cara um gênio.

Filmar na tríplice fronteira te influenciou de alguma forma?
Mais ou menos.
É a maior fronteira seca do Brasil, do qual temos só referências perversas.
E fronteira é limite, por ela passa tudo que é bom e tudo que é ruim.
Com os personagens é assim também.
No livro do Marçal Aquino, em que o filme é baseado, a fronteira é muito mais presente.
Já era quase um roteiro, mas de um filme de US$ 200 milhões.
Como meu orçamento jamais seria esse, fiz uma adaptação cartesiana, a história ficou linear e mais focada no drama humano que na geopolítica.

Já se sente tão confortável fazendo cinema como TV e teatro?
Não, de jeito nenhum.
Acho que o que eu sei fazer mesmo é teatro, é onde me sinto útil.
Só no teatro eu tenho certeza que não faço parte da seleção do Dunga.

Os atores costumam reclamar que novela consome todo o tempo.
É isso mesmo?
Novela é bem sacrificante, por outro lado dá uma bela organizada na vida. Mas"Tititi" tem duas coisas raras na TV: uma autora que escreve, a Maria Adelaide Amaral, e um diretor que dirige, o Jorge Fernando.
E combinei de gravar só de segunda a quinta, assim viajo com o filme nos fins de semana.

Você ficou casado com a atriz Adriana Esteves por dez anos, e está solteiro há sete.
Que estado civil te faz mais feliz?
Sou muito discreto na minha vida pessoal, e meu casamento não foi um casamentão tradicional, mas foi tão legal que o tempo passou e a gente nem percebeu.
Temos um filho, o Felipe, e somos muito amigos.
E não oficializei nada mas não fiquei sozinho nesses sete anos.
Agora estou namorando e comecei a pensar em casar de novo, ter mais filhos, é uma experiência que eu gostaria muito de repetir.


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