Ontem foi o dia dela, a Rainha do Mar.
Cantada em verso, em português, nagô ou outra língua da África negra, a figura de Iemanjá é fascinante não só pra mim, mas para a maioria dos brasileiros.
Quem nunca passou o reveillón na praia,não pulou sete ondas e jogou flores em homenagem a ela?
E foi graças a ela que eu ainda estou aqui, vivo, pra contar essa história: tinha uns 14 anos, era o tempo que passava todo o verão com minha tia Elza na nossa casa de praia em Suarão-Itanhaém.
Sabem como é, muleke, totalmente confiante e destemido, dei de nadar - e eu nadava muito bem! - muito além do ponto onde geralmente ficava. Só que aquele dia, o mar puxava pra dentro, e eu, além de ir parar num lugar que não dava pé, ainda tinha uma forte correnteza me puxando pra baixo!
Não sei quantos segundos eu fiquei submerso, pra mim foi uma eternidade. Quando estava já sem forças e fôlego, resolvi pedir à Iemanjá que me tirasse daquela enrascada, e prometi que nunca mais iria querer ser mais poderoso que o mar.
Esse tempo deu para eu mensurar bem: não se passaram mais que 2 segundos, e eu estava com água pelas canelas, na beiradinha da praia.
Fiquei muito tempo sem contar esse meu quase afogamento pra ninguém. Só a alguns anos atrás, conversando com a Elza - que ainda vivia entre nós - eu começei a contar, mas ela, sensitiva como nunca, não só completou a história, como me deu detalhes dela, coisa que só eu sabia! Ela tinha sonhado com toda a cena um dia antes de tudo acontecer, mas como eu não falei nada, ela achou que tinha sido um sonho mesmo.
Lembrei dessa história agora,não só por ontem ter sido o dia de Iemanjá e nosso litoral ter ficado cheio de gente levando flores e presentes pra ela, como também lembrar de outra coisa: na casa defronte à nossa na praia, tinha uma pintura em azulejos da rainha do mar muito linda. Desde criança, era acostumado a acordar, sair no terraço da casa e dar "bom dia" para aquela imagem. Se eu não fizesse isso, meu dia não começava.
Vendemos a casa em 2000. Um ano antes, a casa da frente também foi vendida, e os novos donos, evangélicos, tiraram a imagem de Iemanjá da parede a golpes de talhadeira!
Eu até estava tentando ficar amigo daquela gente, afinal sempre precisamos, uma hora ou outra, desses vizinhos sazonais. Quando lá cheguei, perguntei pela imagem e me contaram o que aconteceu, fiquei emputecido, disse - e acho isso até hoje - que ser evangélico no Brasil é ser ignorante e troglodita ao cubo, e que eles tinham cometido um atentado, não às religiões africanas, mas à arte. E nunca mais disse sequer um 'oi' para a família Flintstone.
Mas a vida nos apronta surpresas, não é? Esses dias, estava separando algumas fotos para um grande álbum de memórias que ando cometendo, quando achei uma foto da MINHA IEMANJÁ, aquela da cada defronte á minha, linda, como sempre ela foi!
Nem lembrava que tinha tirado essa foto.
E é com ela que eu encerro essa postagem:
Linda, não é?
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