domingo, 28 de fevereiro de 2010

JOSÉ MINDLIN, EMPRESÁRIO, AMANTE DOS LIVROS E DEMOCRATA


José Ephim Mindlin nasceu na cidade de São Paulo, em 8 de setembro de 1914. Seu pai - Ephim Mindlin - era dentista, e como sua mãe Fanny , eram judeus nascidos em Odessa.

Formou-se na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e advogou por alguns anos, mas largou tudo para fundar a Metal Leve, que se tornou uma potência nacional no setor de peças para automóveis. Mindlin ficou à frente da empresa até 1996, quando vendeu a vendeu a um grupo americano. Mesmo assim, a empresa era tão bem estruturada sob seu comando, que até hoje a Metal leve continua uma potência e um sinônimo quando a gente pensa em autopeças.

Entre um negócio e outro, ele ainda encontrou tempo para presidir a Sociedade de Cultura Artística, uma das maiores fomentadores de boa música na cidade de SP.

Após deixar o mundo empresarial, Mindlin pôde enfim dedicar-se de corpo e alma a uma paixão que nutriu desde os treze anos de idade: colecionar livros raros.
Seu primeiro livro foi Discours sur l'Histoire universelle de Jacques-Bénigne Bossuet, de 1740. Ao completar 95 anos de idade, acumulava um acervo de mais de 38 mil obras.

Em 20 de junho de 2006, Mindlin foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras, onde passou a ocupar a cadeira número 29, sucedendo a Josué Montello. Após saber da vitória na eleição, Mindlin declarou: "De certa forma, coroa uma vida dedicada aos livros".

No mesmo ano, Mindlin tomou a mais importante decisão da sua longa vida: doou todas as obras brasileiras da sua vasta coleção à Universidade de São Paulo (USP). A partir de então, ela passou a ser chamada de "Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin".

"Nunca me considerei o dono desta biblioteca. Eu e Guita - esposa já falecida - éramos os guardiães destes livros que são um bem público".

O conjunto de livros e manuscritos inclui cerca de 40 mil volumes, entre obras de literatura brasileira e portuguesa, relatos de viajantes, manuscritos históricos e literários (originais e provas tipográficas), periódicos, livros científicos e didáticos, iconografia (estampas e álbuns ilustrados) e livros de artistas (gravuras).

Tive o prazer de conhece-lo numa palestra que ele deu na FIESP, nos anos 90, cujo tema era "Economia, Cultura e Democracia". Foi só aí que eu soube do grande brasileiro, do grande democrata que foi, ao peitar o regime militar - juntamente com o Rabino Henry Sobel e o então Cardeal Arcebisbo de SP Dom Paulo Evaristo - por ocasião da morte do jornalista Vladimir Herzog. Na época da morte, ele já era um empresário poderoso, e peitou os militares que queriam que o assassinato fôsse tratado como "suicídio".

Para um judeu, suicídio é o maior dos pecados. Os suicidas são enterrados no cemitério israelita numa área à parte, e era isso o que aconteceria com Herzog, caso a opinião pública comprasse a versão dos militares que torturaram e mataram o jornalista no DOI-CODI, aqui em SP.

Mindlin colocou todo o seu peso econômico para mudar isso. Não só conseguiu, como esse fato - a não aceitação do "suicídio" - foi o começo da primavera democrática brasileira, que felizmente vivemos hoje.

Revi o Sr. Midlin na inauguração do anexo da Pinacoteca de SP, que ocupa o antigo prédio do DOI-CODI, onde os adversários do regime militar eram torturados aqui em SP, e onde Herzog morreu.
O governador Serra lhe deu a palavra, e ele falou curto e grosso, que agradecia em ainda ver, em vida, um lugar tão tenebroso e de tantas más lembranças ser transformado num ambiente claro, leve e permanentemente ligado às artes. Comoveu a todos, eu inclusive.

José Mindlin chegou aos 95 anos de uma longa e produtiva vida.
Morreu esta manhã no Hospital Israelita Albert Einstein, por falência múltipla de órgãos. O corpo foi velado no local e seguiu por volta das 15h para o Cemitério Israelita de Vila Mariana, onde foi sepultado.



Sua morte foi lamentada neste domingo (28) por personalidades que foram ao velório, ou através de notas:

Celso Lafer, empresário
“Mindlin foi um empresário de destaque não só com sua empresa, mas também na sua atuação na Fiesp. Ele também deu um grande apoio à pesquisa e ao desenvolvimento. É uma longa existência, de muitos amigos e respeitabilidade. Deixou legados importantes.”

Eduardo Suplicy, senador
“Era uma pessoa formidável, um exemplo para todos nós brasileiros. Uma pessoa com visão ampla do progresso e do desenvolvimento econômico. Era um empresário que sempre teve um diálogo muito positivo com as autoridades governamentais. Ele teve uma atuação muito importante durante o regime militar.”

Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República
“Ele foi muito mais que um bibliófilo. Foi um resistente contra o regime autoritário, sou testemunha disso. Quando[Vladimir]Herzog foi morto, ele também atuou. Era uma pessoa preocupada com o país, que tinha fortes sentimentos democráticos, além de um ser humano extraordinário.”

Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo
Em nota sobre a morte de Mindlin, Kassab disse que o empresário "foi um gigante da cultura brasileira". O prefeito afirma que a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin é o legado do bibliófilo, "resultado de uma vida dedicada aos livros".

Henry Sobel, rabino
Para o rabino, José Mindlin foi o maior livro de sua própria biblioteca. “Eu me sentia tão pequeno quando eu me encontrava na biblioteca do doutor José Mindlin. Ele era um livro, a vida dele, a bondade, a delicadeza, a integridade. Estes foram os capítulos do maior livro da biblioteca dele. O maior livro chamava-se doutor José Mindlin”, disse Sobel ao deixar o velório.
O rabino ressaltou o apoio em momentos difíceis de sua vida, como na época da ditadura militar. “Ele me apoiou muito em momentos dramáticos e traumáticos. Ter o apoio dele foi um privilégio.”

João Grandino Rodas, reitor da USP
Disse no velório que dentro de um ano a universidade deve inaugurar a biblioteca onde ficará a coleção de Mindlin. “Ele tinha uma coleção enorme e também inúmeras primeiras edições de livros importantes, como ‘Os Lusíadas’ É algo que não tem preço. Mindlin não viveu nunca do modo como vivem os empresários. Ele tinha uma casa simples. Com a mulher, viveu juntando livros e trabalhando para preservá-los.”

José Pastore, economista
O economista ,também da Academia Paulista de Letras, ressaltou a ética de Mindlin. “Ele foi um empresário líder, um bibliógrafo líder, um homem da cultura líder. Tudo o que ele fez, ele fez bem feito. Ele estava sempre na fronteira da tecnologia, inovando em tudo”, afirmou.

José Sarney, presidente do Senado
Também membro da ABL, o ex-presidente da República e atual presidente do Senado, José Sarney, disse em nota. "É uma perda extraordinária. Mindlin era um homem que tinha um amor pelos livros maior que todos os amores e foi um dos grandes incentivadores da cultura brasileira".

José Serra, governador de São Paulo
“Foi uma grande pessoa, um grande intelectual e também, em certo momento, uma grande figura política nos anos 70, quando soube defender a liberdade de imprensa e liberdade cultural no episódio que envolveu o assassinato do Vladimir Herzog. Sempre foi um democrata, muito amigo de todos, uma grande figura de São Paulo”, afirmou o governador.

Júlio Medaglia, maestro
Membro da Academia Paulista de Letras, o maestro disse nesta tarde que foi um prazer ter contato diário com José Mindlin. “Eu tinha contato com ele sempre, todos os dias. Era uma pessoa iluminada, sempre fui muito feliz de ser próximo dessa figura exemplar”, afirmou ao deixar o velório do amigo.
“Além de ter sido um grande profissional na área dele, também foi um homem voltado para o espírito. Teve uma vida completa. Ele tratou o livro como uma das coisas mais importantes da humanidade.”

Marcos Vilaça, presidente da ABL
O presidente da Academia Brasileira de Letras mandou que a bandeira da ABL, no Rio, fosse hasteada a meio mastro, e que seja guardado luto de três dias pela morte do bibliófilo e empresário. Em nota, Vilaça disse que “Mindlin era um emblema do livro, tinha com ele uma relação orgânica". O presidente da ABL disse ainda ter sido o responsável pelo convite para Mindlin ingressar na Academia. "Vamos sentir muito a sua falta”.

Marta Suplicy, ex-prefeita de São Paulo
“Ele se dedicou a uma causa e foi exitoso não só como um dos grandes colecionadores de livros do mundo, mas também no seu gesto de doar à USP sua coleção. No Brasil, não temos prática de pessoas com muitos recursos doarem como ele fez”, lembrou.

Orestes Quércia, presidente do PMDB em São Paulo
"José Mindlin foi um homem que sempre pensou grande. Como empresário, incentivador da cultura e da educação. Criou o maior acervo particular de livros do país que, em mais um grandioso gesto, doou para a USP, gerando a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. Por isso, e diversas tantas outras razões, a morte de José Mindlin é uma grande e incalculável perda para o país", afirmou em nota.

Nenhum comentário:

Postar um comentário