SINOPSE:
Durante a Segunda Guerra Mundial, o médico do exército Desmond T. Ross (Andrew Garfield) se recusa a pegar em uma arma e matar pessoas.
Porém, durante a Batalha de Okinawa ele trabalha na ala médica e salva mais de 75 homens, sendo condecorado - o que faz de Doss o primeiro Opositor Consciente da história norte-americana a receber a Medalha de Honra do Congresso.
CRÍTICA:
À primeira vista, 'Até o Último Homem', em exibição em 120 salas em todo o Brasil, parece combinar a estrutura típica do cinema de guerra com o mecanismo tradicional do cinema religioso.
O protagonista representa uma fusão de ambos: Desmond Doss (Andrew Garfield) é ao mesmo tempo um jovem pacifista, temente a Deus, e um soldado destinado a salvar pessoas no campo de batalha da Segunda Guerra Mundial.
Sua única condição: jamais tocar em uma arma, devido a traumas de infância.
Como ser um pacifista em meio à guerra? Como lutar contra inimigos armados sem possuir instrumentos de defesa?
Como Desmond T. Ross, Andrew Garfield tem o melhor papel da sua carreira - Fotos dessa Postagem: Divulgação/Cross Creek Pictures Pty Ltd / Mark Rogers |
Desmond sublinha a contradição do heroísmo americano: por um lado, não tirar a vida de uma pessoa é percebido como virtude, por outro lado, tirar a vida de inimigos que nos atacam é considerado um ato de bravura.
De que modo se concilia o mandamento “Não matarás” com o patriotismo guerreiro?
Até o Último Homem fornece uma leitura didática, mas interessante, deste paradoxo.
A primeira solução é retirar a humanidade do inimigo: os soldados mais sangrentos enxergam nos japoneses uma figura satânica, portanto digna de ser combatida com violência.
A segunda é se isentar de culpa pelo alter ego de grupo: não existe problema matar se isso for praticado por todos, como uma ordem direta dos superiores.
Os soldados não se sentem responsáveis por cumprirem o que se espera deles.
Talvez por isso a decisão do personagem principal soe como ofensa tão grande: ele quebra o acordo tácito de que matar é algo defensável, contanto que todos os façam.
O drama questiona a violência dos “homens de bem”, a incompatibilidade entre amar o próximo como a si mesmo e amar apenas o próximo, mas não o diferente.
Este seria um debate relevante não apenas em tempo de guerras oficiais, mas também em momentos de proliferação de crimes homofóbicos, chacinas em prisões, ladrões amarrados a postes etc.
A lógica individualista permite que pessoas boas apliquem violência contra as ruins as- m quem está autorizado a distinguir as primeiras das segundas?
O prelúdio da barbárie social é sintetizado pela figura martirizada de Desmond - e Andrew Garfield faz questão de interpretá-lo como um tipo quase autista, um novo Forrest Gump.
De longe, é o seu melhor desempenho na telona, o que vem dando ao jovem ator muitas indicações aos mais importantes prêmios da temporada.
Sua inaptidão social rivaliza apenas com sua ingenuidade e sua integridade durante o combate.
Este é o homem disposto a ajudar qualquer um, mesmo os soldados que o maltratam e um inimigo ferido.
Teresa Palmer também gtem boa presença no longa |
Felizmente, o longa não defende a postura do protagonista como única possível, já que o diretor Mel Gibson sugere que a conduta do oficial pacifista possui seu espaço no confronto, porém não exclui a necessidade de figuras centralizadoras como o sargento Howell (Vince Vaughn) ou o corajoso soldado Smitty (Luke Bracey), que maneja uma arma como ninguém.
No entanto, quando estes homens são feridos ou têm seus membros destroçados por uma granada, é Desmond quem corre para fazer torniquetes e aplicar morfina.
Existe espaço para a paz em meio à guerra, sugere o filme, assim como existe espaço para a religião enquanto homens se matam selvagemente.
A cena em que o batalhão espera pelo fim de uma prece antes de atacar o inimigo simboliza a ideia de que é possível matar e permanecer puro aos olhos de Deus.
Gibson mais uma vez dirige com mão pesadíssima e faz questão de ressaltar que, embora a postura do jovem seja uma exceção, esta história realmente aconteceu.
Como em muitas cinebiografias preocupadas em atestar sua veracidade, o longa se conclui com trechos documentais, nos quais antigos membros do exército e o próprio Desmond reafirmam passagens que o espectador acaba de ver na ficção.
Apesar de respeitar a veracidade de fatos, o cineasta não se preocupa em humanizar a guerra no que diz respeito à estética cinematográfica.
Direção de arte, iluminação e figurinos primorosos |
Quando entram em cena as longuíssimas batalhas, Gibson se deleita com imagens de corpos dilacerados em câmera lenta, sangue jorrando por todos os lados e a luz amarelada das explosões contrastando com a paisagem cinzenta da colina Hacksaw - de fazer seu filme sobre Jesus parecer história pra criança.
Assim, Desmond pode até questionar o prazer belicista dos colegas, mas Gibson joga no time dos demais soldados.
O espetáculo da violência é visível em cada fotograma deste projeto que não teme ser exagerado, mesmo kitsch em suas composições (os chroma keys no final são particularmente falsos, enquanto o banho redentor do herói coberto de sangue beira a telenovela), retratando o inimigo sem o mínimo sinal de humanidade ou personalidade.
A direção reproduz a contradição de seu personagem principal, sem solucioná-la.
Por um lado, o filme se orgulha de ser uma grande produção de guerra, repleta de cenas viris e impactantes, por outro lado, pretende ser piedosa e tolerante como pediriam as escrituras religiosas.
Talvez o sincretismo entre o herói guerreiro e o herói cristão não se opere tão facilmente assim.
(Crítica de Bruno Carmelo - AdoroCinema)
PRÊMIOS E INDICAÇÕES:
Oscar 2017:
Indicado na categoria Melhor Ator (Andrew Garfield)
Indicado na categoria Melhor Diretor (Mel Gibson)
Indicado na categoria Melhor Edição (John Gilbert)
Indicado na categoria Melhor Edição de Som (Robert Mackenzie, Andy Wright)
Indicado na categoria Melhor Filme
Indicado na categoria Melhor Mixagem de Som (Kevin O'Connell, Andy Wright, Robert Mackenzie, Peter Grace)
TRAILER:
FICHA TÉCNICA:
'ATÉ O ÚLTIMO HOMEM'
Título Original:
HACKSAW RIDGE
Gênero:
Biografia
Direção:
Mel Gibson
Roteiro:
Andrew Knight, Robert Schenkkan
Elenco:
Andrew Garfield, Ben O'Toole, Benedict Hardie, Firass Dirani, Goran D. Kleut, Hugo Weaving, James Mackay, Luke Bracey, Luke Pegler, Matt Nable, Milo Gibson, Nathaniel Buzolic, Ori Pfeffer, Rachel Griffiths, Richard Roxburgh, Robert Morgan, Ryan Corr, Sam Worthington, Teresa Palmer, Vince Vaughn
Produção:
Bill Mechanic, Brian Oliver, Bruce Davey, David Permut, Paul Currie, Terry Benedict, William D. Johnson
Fotografia:
Simon Duggan
Montador:
John Gilbert
Trilha Sonora:
Rupert Gregson-Williams
Duração:
139 min.
139 min.
Ano:
2016
País:
Austrália / Estados Unidos
Cor:
Colorido
Estreia:
26/01/2017 (Brasil)
Distribuidora:
Diamond Films
Estúdio:
Argent Pictures / Cross Creek Pictures / Demarest Media / Hacksaw Ridge Production / Icon Productions / Pandemonium / Permut Presentations / Vendian Entertainment
Argent Pictures / Cross Creek Pictures / Demarest Media / Hacksaw Ridge Production / Icon Productions / Pandemonium / Permut Presentations / Vendian Entertainment
Classificação:
16 anos
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