SINOPSE:
Joca (Eduardo Macedo), um jovem de treze anos, descobre o amor quando conhece Basano (Adeli Benitez), uma menina paraguaia.
No entanto, para conquistá-la, Joca passará por grandes dificuldades relativas a problemas na fronteira entre o Brasil e o Paraguai e seu irmão Fernando (Cauã Reymond), que pertence a uma perigosa gangue de motociclistas.
CRÍTICA:
Os letreiros iniciais de 'Não Devore Meu Coração', que estreia nesta quinta, mostram ao espectador, resumidamente, as circunstâncias que motivaram a Guerra do Paraguai e a contagem oficial de mortos no genocídio, como também a atual rivalidade na fronteira entre o Paraguai e o Brasil como consequência deste período.
Logo após, os letreiros informam que, neste contexto, “um garoto se apaixona por uma garota” e já passamos, no espaço de uma frase, dos fatos à lenda, da trajetória de uma nação à trajetória dos indivíduos.
Cena do longa - Fotos dessa postagem: Globo Filmes |
O longa costura estes elementos, colocando a realidade entre parênteses: ao adotar o ponto de vista do garoto Joca (Eduardo Macedo), o mundo torna-se desproporcional, absurdo.
É difícil separar boatos de fatos aos treze anos de idade, por isso o roteiro mantém uma percepção imprecisa das circunstâncias ao longo de toda a narrativa.
Joca não sabe se enxerga o irmão mais velho, Fernando (Cauã Reymond), como um protetor ou o perigoso membro de uma gangue de motoqueiros, não sabe se acredita no poder místico da garota paraguaia Basano (Adeli Gonzales) ou se tem condições de enfrentá-la.
Cena do longa |
O amor é mesclado com o ódio nesta espécie de mito fundador do folclore regional.
Joca adora e detesta o irmão, adora e detesta Basano.
As guerras perdem o impacto imediato devido a esta estrutura: os grupos rivais de motoqueiros competem “apenas por prazer”, segundo Fernando, mas os cadáveres boiam todos os dias no rio, e fala-se muito pouco a respeito.
Aborda-se um confronto tacitamente consentido, em que os verdadeiros agentes de conflito estão nos bastidores, enquanto a população torna-se cúmplice.
Talvez por isso quase todos os personagens ganhem codinomes e personalidades alternativas: o irmão mais novo é chamado de Bruce Wayne, enquanto o mais velho é Clark Kent.
O líder da gangue é Telecath, a garota paraguaia é “a tatuada”, a garota-crocodilo, uma figura selvagem que o brasileiro deseja apreender e domesticar.
É curiosa a metáfora do amor como pacificador de conflitos entre duas nações, como nos séculos anteriores em que a realeza de países opostos casava seus filhos para evitar invasões.
Aqui, embora haja amor da parte de Joca, a união não é consensual: Basano recusa os avanços do brasileiro e representa a resistência histórica diante dos brancos.
Durante uma parte considerável da narrativa, percebe-se a dificuldade em trabalhar o impacto mútuo das duas histórias paralelas.
Cena do longa |
Os conflitos de Joca e de Fernando correm sem necessariamente se cruzar e os raros pontos em que tudo se junta correspondem aos momentos mais fortes do filme: as cenas familiares, com o pai postiço e o filho improvisado, evidenciam o bom trabalho de direção de elenco e o crescimento espantoso de Cauã Reymond como ator a cada novo filme.
É atualmente o melhor ator da sua geração, disparado.
Ao mesmo tempo, algumas cenas podem parecer deslocadas, exageradas, mal explicadas - como nas lendas, aliás, nas quais os símbolos valem menos por sua função narrativa do que pela multiplicidade de significados oferecidos ao interlocutor.
O diretor e roteirista Felipe Bragança constrói essa história com efeitos lúdicos discretos, a exemplo da noite repleta de vaga-lumes, com direito a cenas noturnas que revelam a pixelização, o aspecto meio cru da captação digital.
As belezas do longa vão muito além do imaginário de fuga representado pelas fronteiras entre países, já que no filme abre-se à possibilidade do sonho, da releitura histórica pela metáfora do amor impossível.
Não existe reconciliação entre Brasil e Paraguai nesta trajetória de perdedores.
O próprio título, aliás, indica o domínio paraguaio nesta vingança simbólica: sempre foi Basano, a paraguaia selvagem, que teve controle do frágil brasileiro apaixonado.
Filme visto no 67º Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2017.
Merece uma olhada.
TRAILER:
FICHA TÉCNICA:
'NÃO DEVORE MEU CORAÇÃO'
Título Original:
NÃO DEVORE MEU CORAÇÃO
Gênero:
Drama
Direção:
Felipe Bragança
Elenco:
Adeli Benitez, Cauã Reymond, Cláudia Assunção, Eduardo Macedo, Leopoldo Pacheco, Marco Lori, Mario Verón, Ney Matogrosso, Zahy Guajajara
Roteiro:
Felipe Bragança
Produção:
Marcos Prado, Marina Meliande
Fotografia:
Glauco Firpo
Trilha Sonora:
Baris Akardere
Montador:
Jon Kadocsa
Estúdio:
Canal Brasil, Globo Filmes
Distribuidora:
Fênix Distribuidora de Filmes
País:
Brasil
Ano de Produção:
2017
Duração:
106 min.
Estréia:
23/11/2017
COTAÇÃO DO KLAU:
Nenhum comentário:
Postar um comentário