Leonardo (Ghilherme Lobo) é um adolescente cego em busca de sua independência até que seu cotidiano, a relação com a melhor amiga, Giovana (Tess Amorim) e a sua forma de ver o mundo ganham novos caminhos, com a chegada de Gabriel (Fabio Audi), um menino que vai fazê-lo descobrir coisas que ele nem imagina, inclusive o amor.
Essa trama simples fez do novo trabalho do roteirista e diretor Daniel Ribeiro um dos longas mais aguardados desse ano, 'Hoje eu Quero Voltar Sozinho', que estreia hoje em 28 salas em todo o Brasil e que já começou sua trajetória ao fazer um sucesso absurdo no último Festival de Berlim, de onde saiu com o prêmio da Firepresci (Federação da Crítica Internacional) na seção Panorama e também com o 'Teddy Bear', Urso de melhor longa com temática gay.
Gabriel (Fabio Audi) e Leonardo (Ghilherme Lobo) em cena do longa - Fotos dessa postagem: Divulgação/Vitrine Filmes
O longa nasceu de um curta-metragem homônimo de 2010 também dirigido e roteirizado por Ribeiro, que levou os prêmios do júri oficial, da crítica e do público no Festival de Paulínia.
Sabendo que a história poderia render bem mais, Ribeiro dirigiu com extrema ternura o melhor filme brasileiro do ano, de roteiro impecável e com interpretações do jovem elenco muito acima da média, de colocar medalhões do nosso cinema no chinelo de tão boas.
Na trama, Leonardo (Ghilherme Lobo) é um adolescente cego, que sofre bullying por parte de alguns colegas de sala, é ignorado por outros e tem em Giovana (Tess Amorim) a única companheira de classe com quem tem afinidade.
Giovanna (Tess Amorim) e Leonardo |
Descontente com o cotidiano - que inclui a atenção exacerbada dos pais - Leo sonha em deixar a vida que leva e fazer um intercâmbio, mas tudo muda quando começa a descobrir sua sexualidade após a chegada de um novo aluno na sua turma, Gabriel (Fabio Audi).
Poucos filmes, brasileiros ou não, trataram a sexualidade de um adolescente com tanta beleza e a sutileza está no conjunto e não apenas na construção do arco dramático do personagem.
Trilha sonora, fotografia, edição e elenco de apoio trabalham em sintonia de relógio suíço, mas sempre vibrante, com uma carga de verdade impregnando toda a produção, a ponto de o espectador, mergulhado desde a cena inicial, se esquecer completamente que está vendo um filme e não a vida real.
Tanto, que quando o longa acaba, Leo e seus amigos parecem seguir o espectador para fora do cinema.
Os três amigos, em cena do longa
Se no curta os mesmos personagens enfrentavam o medo do primeiro beijo, no longa, o debate se amplia para o amor em geral e para as perspectivas de independência do adolescente em crise no seu duplo tabu (gay e cego), funcionando como inteligente ferramenta narrativa.
Leonardo não é visto como arquétipo social, como "o garoto cego" ou "o garoto gay", não é um símbolo único de uma dessas duas comunidades e suas dificuldades são usadas como metáforas para os conflitos de qualquer jovem, que também pode se sentir diferente por ser ruivo, obeso, órfão, disléxico ou simplesmente tímido, ruim em esportes etc.
Este é, enfim, a grande sacada do filme: tratar as particularidades do protagonista como trataria as especificidades físicas e de temperamento de qualquer adolescente.
Sem pretensões militantes (exceto na cena final), o roteiro evita fazer apologias das particularidades de Leonardo e, assim, quando vemos o dia a dia do personagem, ele já está devidamente inserido na sociedade, estudando em uma escola para adolescentes sem deficiência, indo e voltando para casa com a amiga Giovana.
Não vemos o baque da chegada do garoto cego à escola, nem a descoberta do próprio Leonardo de seu desejo por homens, pois o roteiro - também de Ribeiro - ultrapassa os típicos relatos cinematográficos de autodescoberta para ir direto ao próximo passo: a autoafirmação.
Um pequeno buylling
O longa costura os conflitos da trama de maneira leve e terna e os poucos momentos de bullying praticados por um grupo de colegas não deixam grandes marcas em Leonardo, assim como as brigas com os pais se dissipam em minutos e as disputas com Giovana sempre caminham para a reconciliação.
A fotografia abusa do desfoque da imagem para representar a falta de visão de Leonardo, o som direto evita ruídos em quartos e salas de aula e a trilha nunca é ostensiva.
E o longa segue extremamente acadêmico: uma personagem sempre espera a outra concluir seu diálogo para começar o seu, as cenas iniciam quando um personagem está prestes a dizer alguma frase e os enquadramentos seguem a lógica de plano e contra-plano, tudo feito para que nenhuma cena se destaque ou choque muito, ou seja: o espectador dificilmente vai ver cena mais natural do que o primeiro selinho entre dois garotos.
Gabriel e Leonardo, em cena do longa
O longa sempre nos lembra que estamos vivenciando situações de jovens brancos, urbanos, de classe média alta, onde ninguém pensa em fugir de casa ou se vingar dos pais, apenas fazer uma viagem de intercâmbio - financiada pelos próprios pais, lógico.
O desejo sexual também é retratado de maneira muito particular, com a edição interrompendo a cena no momento em que esta sugere uma masturbação ou uma ereção, o que lembra a todo instante que este não é um filme sociológico ou psicológico, e sim um retrato intimista de tendência universal.
Mas o espectador pode ficar tranquilo com relação ao romance entre os dois garotos: o tom sempre é de ternura e cumplicidade, delicado (sem a conotação pejorativa) e muito sincero, o que faz do longa, simples em suas pretensões artísticas, um belo tratado de afetos, sejam eles entre dois garotos, entre um amigo e sua amiga ou entre os pais e os filhos.
Destaque para a cena onde Leonardo conversa com sua avó (Selma Egrei, excelente na sua volta às telonas) a respeito de relacionamentos e que mostra o talento do diretor para retratar um amor natural e otimista.
Filmaço.
Confira o trailer do longa:
*****
'HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO'
Gênero:
Drama
Direção e Roteiro:
Daniel Ribeiro
Elenco:
Eucir de Souza, Fabio Audi, Ghilherme Lobo, Isabela Guasco, Júlio Machado, Lúcia Romano, Naruna Costa, Selma Egrei, Tess Amorim, Victor Filgueiras
Produção:
Daniel Ribeiro, Diana Almeida
Fotografia:
Pierre de Kerchove
Montador:
Cristian Chinen
Duração:
96 min.
Ano:
2014
País:
Brasil
Cor:
Colorido
Estreia no Brasil:
10/04/2014
Distribuidora:
Vitrine Filmes
Estúdio:
Lacuna Filmes
Classificação:
12 anos
Cotação do Klau:
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