domingo, 27 de junho de 2010

TIA ELZA NÃO MERECIA SEUS ÚLTIMOS 20 DIAS!

Postei o texto abaixo no mes de setembro de 2008, em homenagem a uma das mulheres mais incríveis que eu tive o prazer de conhecer em toda minha vida: a minha Tia Elza.

Hoje, se estivesse viva, ela estaria completando 75 anos.

Morro de saudades dela todos os dias de minha vida.

Para quem não leu, leia. Para quem leu, releia.

Eu e a Elza, no meu último aniversário que passamos juntos - 01.11.2008

*****
Assim como eu, a maioria das pessoas quando estão sob intensa pressão perdem a noção de tempo e espaço.
Dias parecem séculos, séculos parecem segundos, e por aí vai.

E o que aconteceu com minha TIA ELZA, irmã de minha mãe, foi o ápice da sem noção temporal/espacial.

A ELZA sempre foi para mim uma mulher muito especial, tanto que me lembro perfeitamente dela quando eu tinha quatro anos, idade que só me recordo de poucos momentos e pessoas, como minha mãe biológica Gessilda, minha avó Cecília , minha prima Cecília, minha tia Genebra e dela, da ELZA.

Era uma mulher interessantíssima, sempre um pouco acima do peso ideal (o que dava a ela um charme mais que especial), longos e brilhantes cabelos pretos.
Parecia mais uma síria, uma libanesa, do que uma descendente de portugueses, espanhóis e italianos.

Passamos milhares de bons momentos juntos, aqui em Sampa no clube em que éramos sócios, mas principalmente na casa de praia da família no bairro de Suarão, na cidade de Itanhaém, litoral sul de SP.

Passei com ela e algumas amigas dela - como a JANE - práticamente todos os verões da minha vida, dos 4 aos 30 anos, incluindo aí reveillons e carnavais.
Chegamos a ficar por lá cinquenta dias no verão!
Bons tempos. Um garoto a fim de aprender tudo, convivendo esse tempo todo com mulheres maduras e que conversavam sobre tudo, sem meios termos, sem censura, sem hipocrisias.

Minha base de cabeça, de emoções e de vida consolidou-se nesses verões.
E os vizinhos? Pessoas como a Dona YOLANDA, seu marido JOAQUIM, seus filhos RUBENS e HERMÍNIA e suas respectivas famílias...
Almoços, praia, aperitivos, carteado, cinema, passeios, conversas a varar a madrugada!

E meus laços de ternura para com a ELZA, mesmo quando brigávamos - e que brigas! - e infantilmente "rompíamos" nunca mais se romperam.

Nos momentos mais difíceis de minha vida, lá estava ela com palavras e atos simples, diretos, que se não resolviam a situação de todo, ao menos adiantava o desfecho em muito tempo! Ela era o meu "anjo resolvedor", sempre foi.

A ELZA tinha um irmão (meu tio Virgílio) e uma irmã (minha mãe Bárbara) mais velhos.
Sempre brigaram feito gato e rato uns com os outros - às vezes os três ao mesmo tempo! - mas ai do sapo de fora que falasse qualquer coisa de um para o outro.
ERA BARRACO, E DOS BONS, com certeza!
Confesso que ainda hoje sinto certa inveja por nunca ter tido irmãos ou irmãs que me representassem e defendessem com a energia e coração que eles faziam um pelo outro!

Profissão?
Costureira, e das ÓTIMAS!
Que me perdoem os "tássias" - tão se achando - da moda, mas, mesmo não tendo nenhum estudo formal ela só batia um papo com a cliente e fazia uma simples blusa ou um sofisticadíssimo vestido de noite parecerem obras de arte.
Seus vestidos de casamento são famosíssimos.
Minha irmã ainda teve o prazer de casar com um vestido de noiva criado por ela, em 2002.
Foi sua última inspiração, ela que costurou dias e noites por mais de cinquenta anos.
Últimamente, tinha horror à costura, e todos os que a queriam bem entendiam, e nem insistiam mais para que ela fizesse uma simples barra de calça.

Amores?
Teve pouquíssimos, inclusive um príncipe encantado português chamado ROMEU, que vinha buscá-la em casa de Mercedes Zero - isso nos anos 60! - e que propôs que fossem morar em Portugal, onde, com certeza, teriam sido muito felizes.
Pela família, não foi. Pela família, ocupou-se até o fim.

Família...
Cuidou dos pais - da minha avó CARMELLA especialmente - por muitos anos.
Depois que seu irmão VIRGÍLIO morreu, ocupou-se da viúva - CECÍLIA - e da filha dela - ANA CRISTINA - menina amorosa e sensível, que soube reconhecer - E DIZER - em diversos momentos de vida, o quanto a ELZA foi importante para o seu bem estar, suas escolhas, sua vida enfim.
As três continuaram morando juntas, no casarão dos meus avós onde a ELZA e os irmãos foram criados.

Parece chover no molhado falar, mas É PRECISO QUE FALEMOS EM VIDA PARA QUEM GOSTAMOS o quanto eles são importantes e o quanto somos agradecidos por tudo o que eles fizeram, fazem ou farão por nós.
Depois de mortos, não importa mais.

Animais?
Adorava cachorros, teve uma infinidade de cadelas da raça fox paulistinha, todas chamadas KATE.
Nos últimos anos, teve uma pintcher serelepe chamada PITICA e agora, uma dartchund mais serelepe ainda, chamada NINA.

Saúde?
Era a única da família a praticar medicina preventiva. Vivia no seu médico particular, fazia trocentos exames, pagava uma pequena fortuna num plano de saúde.
Mas tudo isso não impediu que a depressão chegasse e se instalasse, anos atrás.
Engordou, não saía mais de casa, mesmo aqui na minha vinha só em ocasiões festivas - natal, aniversários - e desde que meu sobrinho GABRIEL nasceu, parece que sua vida ganhou um novo sopro de felicidade, ela só falava nele e ele, grato, ia toda semana visitá-la.

Eu falava com ela pelo telefone quase todos os dias, sobre tudo um pouco: As notícias do dia, a família, as séries de tv que gostávamos de ver na madrugada - ela tinha um relógio biológico como o meu - dorme tarde, acorda tarde - os filmes em DVD que eu mandava para ela, a Ana e a Cecília assistirem. Últimamente, falávamos sobre a eleição desse ano e sobre como as pessoas de cabeça fraca são facilmente influenciadas e manipuladas por outras.
Nos dois assuntos, sentia da parte dela uma verdadeira preocupação.

Quarenta dias atrás, confessou-me que, por causa dos dentes agora substituídos por pontes, tinha receio de sair de casa e passar vergonha.
Tinha afilhadas que são ótimas dentistas mas recusou-se a procurá-las.
Comprometi-me então a levá-la ao meu implantodontista, já tinha até o pedido do rx panorâmico em mãos.

Um mês atrás, conversando com ela como fazíamos sempre, falei da minha preocupação de não ter ainda conseguido dinheiro para a terceira dose de um remédio que tomo, muito caro.
As duas primeiras doses, meus amigos e um parente se cotizaram e compraram para mim, felizmente, tanto que estou ainda aqui, vivo, e escrevendo.
Já começava a procurar as pessoas novamente quando, dois dias depois, ela me telefonou e disse que tinha todo o dinheiro para que eu comprasse o remédio.
Só depois é que soube que ela tinha feito um empréstimo bancário para arrumar o dinheiro e emprestar para mim, falou que eu fosse lhe pagando aos poucos.
Quer demonstração de amor maior que essa?

Como tinha aerofagite e hérnia de hiato, nem se preocupou quando o abdomem começou a doer, em 22/08.
Estive esse dia com ela e a senti inquieta.
Só na terça feira seguinte, 26/08, é que ela telefonou urrando de dor.
Rapidamente, dei entrada com ela no PS do Hospital IGESP - região da Paulista -, o melhor dos hospitais do plano de saúde dela.
A médica suspeitou de uma diverticulite, e como lá não tinha vagas, ela foi transferida na madrugada do dia 27 para o Hospital Presidente - no Tucuruvi -.

Nos dias que se seguiram, e comigo e minha mãe revezando no acompanhamento a ela, fez vários exames, tomou doses cavalares de remédios contra dor e gases, tudo sem efeito.
Até que, depois de um exame constatar uma uréia de 460! - o normal é 40 - deixando claro que ela vivia uma situação de infecção generalizada, foi transferida na madrugada do dia 31 para a UTI.
Dias difíceis, já que a víamos só por meia hora à tarde, e outra meia hora à noite.
Mesmo assim, ainda estávamos, todos, muito otimistas.

Com diagnóstico de "pinçamento de alça intestinal", foi operada na tarde do dia 02/09.
Cheguei à UTI momentos antes dela ser levada ao centro cirúrgico.
Conversamos um pouco, e já com a maca em movimento, ela pediu para parar, olhou firmemente para mim e disse, em alto e bom som e com um sorriso nos lábios: "CUIDE-SE BEM!"

Durante a cirurgia, a surpresa: O que ela tinha na realidade era uma APENDICITE, o apêndice já necrosado e uma grande infecção à volta.
Segundo os médicos, a apendicite não apareceu em nenhum dos exames que ela fez.
A partir daí, mantida em coma induzido e tomando toda uma gama de antibióticos, a ELZA iniciava sua última batalha.
As meias horas que passava junto dela pareciam segundos - foi aí que começei a perder minha noção de espaço/tempo-.
Dias bons, dias ruins, as funções vitais oscilando pouco, a infecção não cedendo nada.

Na sexta feira, dia 12/09, falando com ela como fazia sempre - mesmo ela estando desacordada - pedi que se ela estivesse cansada e não tivesse mais forças para lutar, se entregasse nas mãos de DEUS, que cuidaríamos de tudo aqui por ela - Ana, Cecília, cachorrinha de estimação, casa -, e que ela podia partir em paz.
Disse que a amava muito e que continuaria praticando os ensinamentos transmitidos por ela, pelo resto dos meus dias.
Emocionado, ví uma lágrima escorrer do seu olho direito, justamente do lado em que eu estava da cama. Eu tinha entendido o recado.

No dia seguinte, sábado - 13/09 - a Ana Cristina foi à tarde, e a minha irmã que tinha ficado uns dias sem ir por conta de uma gripe, foi à noite.
Assim, ela pode se despedir dos seus três sobrinhos.

No domingo, 14/09, o final às 9:30h.
Fiz o mesmo que fiz para minha avó Carmella, Meu Tio Virgílio, meu pai Rubens: Cuidei dos detalhes (minha irmã me ajudou, inclusive na maquiagem!) e só quando ela estava bunitinha é que liberei o funeral. Para quem foi sepultada às 17h desse mesmo domingo, até que veio bastante gente.
A ELZA era muito querida por todos, amigos, vizinhos, comerciantes do bairro.
Na missa de sétimo dia,ontem, a igreja ficou lotada, e o padre fez uma linda homilia.

Acho que só aí é que a minha ficha caiu: A ELZA MORREU APÓS 20 DIAS!
E não é que na quinta de manhã eu estava telefonando para ela para passar o resultado da mega-sena de quarta, como fazia sempre?
Morrer de apendicite, em pleno século 21?
Se me contassem, eu também não acreditaria!

Assim como DEUS me deu o privilégio de ser o primeiro parente a ver meu sobrinho GABRIEL depois dele nascer, me deu também o destino de ser o último parente a ver a ELZA, lúcida, a me indicar o seu último desejo:

"CUIDE-SE BEM!"

Pode deixar, minha linda, eu ao menos tentarei!
Até breve, saudades, paz e luz para você.

Grande beijo do seu sobrinho que a amou profundamente e que não a esquecerá jamais...

Recebendo presentes no último natal - 2007





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